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  06/09/2023 - por Tomzé Costa





 

 

 

Quem já conhece o trabalho cinematográfico do argentino radicado no Brasil (em Salvador) Carlos Pronzato não vai se surpreender com seu último filme, “Desmascarando o Marco Temporal”.

 

Desde o final dos anos 2000, Pronzato vem se especializando na produção de documentários políticos ou de temas abrangentes da política brasileira. É dono de um perfil do documentário típico de “guerrilha”: cortante, incisivo, direto, militante, atual e que se alastra por canais subterrâneos dos diversos movimentos sociais. Não mira em streamings, nem canais de TV, mas na difusão gratuita de seus filmes, praticamente todos disponíveis no YouTube.

 

Cito aqui alguns de seus trabalhos mais enfáticos: “A partir de agora - as jornadas de junho no Brasil” (2014), “Dívida Pública brasileira – a soberania na corda bamba” (2014), “Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile! escolas ocupadas em São Paulo” (2016), “Retomadas Guarani Kaiowá, a luta pelo território” (2016), “1968 - A greve geral de Contagem” (2018), “Mestre Moa do Katendê - a primeira vítima” (2018), “A Contra República de Curitiba” (2019), “A Braskem passou por aqui - a catástrofe de Maceió” (2021), “Jangadeiros Alagoanos, o que Orson Welles não viu” (2022) e “NEM (Novo Ensino Médio) – Um fracasso anunciado” (2023).

 

Com 35 minutos de duração, seu último trabalho vem mesmo na esteira da atual e absurda pretensão de representantes do agronegócio (incluindo a bancada ruralista do Congresso) de limitar o pertencimento das terras onde historicamente povos indígenas as habitam para 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Cidadã brasileira. Não fosse o fato de simplesmente não reconhecer a existência desses povos (e seus territórios), os representantes da economia predatória do meio ambiente desejam, com a tese do Marco Temporal, continuar sua trajetória de depredação das terras em nome de um capitalismo voraz, desumano. Nascida em uma contenda jurídica em Santa Catarina, esta tomou corpo e hoje está sendo discutida no âmbito do STF, sob pressão de todos os campos políticos.

 

No filme, Pronzato entrevista descendentes do povo Laklanõ Xukleng, que após sofrer o massacre promovido pelos bugreiros (caçadores de indígenas) e serem expulsos de suas terras, no século passado, reivindicam essas áreas contando com o apoio de outros povos da região do Vale do Itajaí, entre Santa Catarina e Paraná. Os remanescentes, vivendo em aldeias, têm problemas de alimentação e moradia exatamente porque suas áreas estão tomadas por representantes do agronegócio, que agora pleiteiam o que chamam de Marco Temporal. Esta tentativa está em julgamento no STF e tem a pretensão de repercutir nacionalmente, definindo o futuro das demarcações das terras indígenas no Brasil.

 

Sob suas lentes, Pronzato desfila uma série de entrevistas com indígenas e membros apoiadores (Cimi e outros movimentos locais) sem a preocupação de intercalar cenas menos duras. Sua intenção é mesmo repassar  o drama vivido pelos que lutam pela recuperação de suas terras e de suas vidas, esperando o endosso, a compreensão e o compromisso político de lutarem coletivamente contra o Marco Temporal. Nos sensibilizamos quando vemos o engajamento dos povos daquela região na luta geral das diversas nações indígenas em Brasília. A luta – não só no STF – continua, mas também no sentido de conquistar mentes e corações da sociedade civil para a ação política de pressionar os poderes constituídos desde a rua. E o filme de Pronzato é um grande estímulo a isto.

 

* Tomzé Costa é professor aposentado da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), diretor da ADUA (2022-2024) e criador da página Tomzé comenta Cinema!



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