Ser manauara é ter o privilégio de ter uma imensa floresta bem no meio da cidade. Cotias, pacas, sauins-de-coleira, preguiças, parauacus, iguanas, jacurarus, araras, periquitos, jiboias, sapos-cururus e inúmeros animais, além de uma imensidão vegetal. Esse pedaço de Floresta Amazônica, encravado em plena metrópole de 2 milhões de habitantes, torna o clima mais ameno em diversos bairros adjacentes.
Essa convivência, ainda, é quase um paradoxo. Então, de um lado, uma grande capital aos moldes de muitas grandes cidades do planeta planeja sua infraestrutura urbana, pensando, sobretudo, em construções de cimento e asfalto, disputando espaço com áreas verdes, consideradas “adversárias” do progresso.
Foi por isso que um grupo de professores, pesquisadores e moradores de bairros do entorno da APA Floresta Manaós resolveu se organizar para construir outro modelo de urbanização, que não oponha cidade e floresta, desenvolvimento e verde, urbano e natural. Formou-se, assim, o Coletivo Floresta Manaós, em agosto de 2020.
Neste mesmo ano, um vereador chamado Reizo Castelo Branco já mostrou a importância do coletivo. O dito ressuscitou um projeto de construção de um posto de gasolina em favor de uma empresa chamada IBK. Não bastasse a ideia pra lá de estúpida, o projeto, que reduzia a APA para beneficiar este poderoso grupo econômico, foi aprovado pela Câmara de Vereadores de Manaus (CMM). Com muita mobilização, articulações políticas e pressão popular conseguimos o veto do prefeito de Manaus, à época Artur Neto.
Não era a primeira vez e não seria a última que a IBK tentaria construir esse posto. Pois em 2021, outro vereador, este um lobista do ramo de combustíveis, Diego Afonso (União Brasil), filho de Adjuto Afonso, político conhecido de Manaus, apresentou novamente o mesmo projeto à CMM. Novamente, os vereadores aprovaram, mesmo com a advertência de uma pequena oposição, que denunciava as irregularidades deste projeto de lei. Foram 37 votos favoráveis e apenas 4 contrários, uma vergonha!
Lá foi novamente o Coletivo Floresta Manaós se mexer para derrotar o PL monstruoso. Na semana passada, o próprio Sauim-de-Coleira, em carne e osso, me enviou uma carta, psicografada pelo talentoso cronista Ribamar Bessa, dizendo que seria preciso, para evitar a redução de seu habitat, convocar o “General Welton Oda” e as tropas do Coletivo Floresta Manaós. O barulho que o coletivo, junto com outros coletivos ambientais de Manaus, como o Minha Manaus, o Instituto Sauim de Coleira, a Associação da Advocacia Popular do Amazonas, entre outros, novamente fez com que outro prefeito vetasse esta aberração jurídica e legislativa. Obviamente, seguimos mobilizados para impedir a derrubada do veto do prefeito e novas tentativas de subtrair esta área.
Uma vitória do movimento social, em Manaus, é pra se comemorar muito, é pra dar fôlego pra essa e outras lutas. Torço para que os movimentos sociais de Manaus se unam por lutas ambientais, por lutas políticas, que compreendam que não há aliados no andar de cima da política manauara. Torço para que – a exemplo dos motoristas de aplicativo de Duque de Caxias, que se uniram para defender um colega agredido e mostraram toda a sua indignação contra o agressor – os manauaras mostrem aos políticos, nas ruas e nas urnas, que não tem sangue de barata.
Não sou ingênuo de deixar de perceber o transe coletivo que tomou conta da cidade e tornou zumbis bolsominions, parte significativa da população. Na verdade, conheço a história humana o suficiente para compreender que este transe é passageiro e que quando a grande ficha cair, a revolta tomará conta dos cidadãos, a indignação incendiará esta cidade. Até lá é só não ficar de braços cruzados, afinal, como diria o Vandré, “quem sabe, faz à hora, não espera acontecer!”
Por uma cidade que saiba conviver com sua floresta, eu e os companheiros do Coletivo Floresta Manaós – a Rita, a Cíntia, o Durigan, o Márcio, a Evany, o Rodrigo, o Maurício, a Dayse, a Elícia e tantos outros – estaremos construindo. Junte-se a nós!
*Welton é professor de Biologia da Ufam e doutor em Educação Científica e Tecnológica
**Texto publicado originalmente no Portal Norte em Foco no dia 18 de julho de 2023.
*** Movimentos sociais, ambientais e comunitários de Manaus realizaram manifestações para reivindicar o veto ao Projeto de Lei (PL) de autoria do vereador Diego Afonso, que legisla em favor da IBK, empresa que quer desmatar para construir um posto de gasolina dentro da APA Floresta Manaós. Entre os(as) manifestantes estiveram integrantes do Coletivo Floresta Manaós, Minha Manaus, Associação da Advocacia Popular do Amazonas - Esperança Garcia, Greenpeace - Manaus (AM) e Biblioteca Comunitária Vilma Palheta.
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