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  08/03/2023 - por José Alcimar de Oliveira





 

Fiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se porque é duro a gente vir ao mundo e não poder nem comer. Pelo que observo, Deus é o rei dos sábios. Ele pois os homens e os animais no mundo. Mas os animais quem lhes alimenta é a Natureza porque se os animais fossem alimentados igual aos homens, havia de sofrer muito. Eu penso isto, porque quando eu não tenho nada para comer, invejo os animais (Carolina Maria de Jesus).

 

               01. Categoria ontológica fundante do ser social, o trabalho é a condição incontornável da existência humana, desde os tempos da mulher indígena do comunismo primitivo até os tempos de luta da mulher operária contra a exploração capitalista na sociedade de classes. Nas palavras do Mouro de Trier, o trabalho “é uma necessidade natural eterna que medeia o metabolismo entre homem e natureza e, portanto, a própria vida humana”. O regime do capital subtraiu ao trabalho sua natureza emancipatória. 

 

               02. Para Spinoza, Deus sive Natura significa que dizer Deus é dizer a Natureza. Do pouco que sabemos sobre a Natureza, temos apenas a certeza de que ela antecede e sucederá ao ser social. O ser social, notadamente o ser social burguês, cuja consciência (e vida) foi degradada pelo metabolismo do capital, é um sujeito essencialmente matricida. Nunca falamos de pai natureza porque Mãe mesmo é a Natureza. Não há patriarcado na natureza. Natureza, Vida, Luta, Classe, Resistência, Solidariedade, é tudo mulher. 

 

               03. Neste dia 08 de março de 2023 sobrará discurso a exaltar a mulher como bela, necessária, dócil, rainha do lar. Como é cruelmente refinada a cultura burguesa!  Mas nas trilhas de uma estética libertária e anticapitalista, necessariamente bela é a mulher que luta e, na luta coletiva, adquire consciência de classe. De alta e necessária classe é a mulher classista. Sua luta pela emancipação humana e sua solidariedade de classe não conhecem fronteiras. Sua pátria é o espaço-tempo da luta contra a opressão.

 

               04. Neste 08 de março de 2023, falemos menos em Dia da Mulher, data tão cara ao gosto burguês pela falsificação da vida. Falemos antes em Dia Internacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras. Da luta contra a exploração de classe, contra o feminicídio, contra o machismo, contra o patriarcalismo, contra a misoginia, contra a mercantilização da vida e dos corpos, contra o sexismo da linguagem, contra a discriminação salarial do trabalho da mulher. Fora disso, sobram confeite social e discurso vazio.

 

               05. Aprendamos todas e todos com as mulheres irredentas, feitas de coragem, de luta prática e teórica, como Elizabeth Altina Teixeira, paraibana, com 98 anos completados em 13 de fevereiro de 2023. Mulher pobre, líder camponesa, militante, plena de consciência de classe e dignidade, imortalizada pelo melhor documentário do cinema brasileiro, Cabra marcado para morrer, do inigualável Eduardo Coutinho. Brecht, seguramente, tomaria Elizabeth Altino Teixeira como paradigma para seu teatro épico.   

 

               06. Mulheres como Carolina Maria de Jesus, negra, favelada e literata maior desse país estruturalmente racista e sob o poder da misoginia e da logofobia. Como nos ensina Adorno, é preciso recuperar o passado e a memória sob forma de esclarecimento. Sem o protagonismo da mulher classista não haverá êxito na luta contra o ódio que se organiza como política, contra a afronta à cultura, contra a falsificação da história e destruição da memória. Mulheres como Conceição Derzi e Graça Barreto, da contraordem e avessas ao morno, que partiram contra a nossa vontade em 2022.

 

              07. O que querem as mulheres trabalhadoras?  Antes de tudo o direito de ser e de viver. Querem trabalho digno e salário justo. Querem viver com alegria, “porque – nas palavras de Espinosa, o filósofo dos bons afetos –  a multidão livre conduz-se mais pela esperança que pelo medo, ao passo que uma multidão subjugada conduz-se mais pelo medo que pela esperança: aquela procura cultivar a vida, esta procura somente evitar a morte”. Viva a luta das mulheres que se alimentam da ontologia social do cuidado pela vida.

 

* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA-Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, no Dia  Internacional da Luta das Mulheres Trabalhadoras, em oito de março do ano de 2023.

          

Foto: Nívea Magno 

 



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