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  11/01/2023 - por Aldair Oliveira de Andrade





 

 

É lugar comum, talvez por conta de nossa percepção distorcida da realidade, esperar grandes transformações após grandes aflições. É como se, ao sermos lançados em condição tamanha de desespero ou de aflição, superada essa fase, conseguíssemos ver ou fazer o que nunca fora feito. Já foi dito em algum momento: “é nas grandes tribulações que o homem manifesta suas virtudes”.

 

Ao pensarmos em Educação e Serviço Público brasileiro, não é fácil estabelecer um diagnóstico ou mesmo assumir um posicionamento de imediato, haja vista a complexidade do tema e os últimos acontecimentos políticos vividos no Brasil (2016-2022).

 

O Brasil respirou durante muito tempo uma perspectiva ufanista: “Brasil, o país do futuro”. Contudo, parece que esse futuro nunca chega, nunca é alcançado. A ditadura civil-militar de 25 anos (1964-1985) reacendeu as lutas por liberdade, cidadania, direitos, igualdade. Oficialmente, seu cadafalso foi em 1985, contudo, não morreu. Seus ideais, seu ranço, sua mesquinhez nunca foram digeridos. O Brasil conseguiu, em nome da “pacificação nacional”, igualar torturadores e torturados, perseguidores e perseguidos, violadores e violados. O Brasil não foi capaz de exorcizar seus demônios.

 

O ápice do projeto de Reconstrução Nacional foi a Constituição Federal de 1988, considerada a Constituição Cidadã. Efetivamente, muitos dos seus estatutos ou não foram regulamentados ou se tornaram letra morta.

 

Apesar das tremendas contradições existentes na sociedade brasileira, respirava-se uma relativa “tranquilidade democrática”, certa normalidade.  Aqui, o termo “relativa” se aplica de forma substancial a uma máscara, sem sustentação efetiva de seu povo e de suas instituições. Essas dariam um capítulo à parte.

 

A democracia brasileira se fez tateando, às apalpadelas. Após disputas capitaneadas pelo stablishment burguês, pela primeira vez, em 2002, um presidente vindo das massas, do sindicato operário, foi eleito, isso após três disputas para o cargo.

 

As expectativas eram gigantescas. Depositou-se no novo presidente a esperança de reconstrução nacional em todas as esferas: educação, cultura, segurança, economia, etc.  O Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu permanecer no poder por 14 anos, com Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2006; 2006-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014; 2015-2016). No segundo mandato, Dilma Rousseff foi destituída por um golpe midiático-parlamentar, assumindo o seu vice-presidente Michel Temer.

 

Em 2014 foi deflagrada a Operação Lava-Jato, considerada pela mídia “uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil”. Seu papel efetivo no combate à corrupção é algo que deve ser seriamente analisado. No entanto, causou muitos danos ao país, entre eles a destruição de grandes empresas e conglomerados nacionais, politização do judiciário, perseguição e execração midiática do Partido dos Trabalhadores e solapamento das instituições democráticas.

 

Formou-se um caldo social de descrédito às instituições, ao chamado sistema e especialmente aos partidos de esquerda, vistos como sinônimo de corrupção. O ambiente propício à construção de uma onda de moralismo exacerbado, de evangelismo, de negação de “tudo que está aí”, fertilizando o solo para o crescimento de um candidato de extrema direita – saudosista da ditadura militar, defensor da tortura –, pertencente a um partido nanico. O candidato do chamado “baixo clero” permaneceu 28 anos na política parlamentar e nunca foi levado a sério. No entanto, fruto de uma conjuntura midiático-moralista-empresarial, em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito Presidente da República.

 

Os anos que se seguiram após sua eleição e posse foram de destruição nacional em todos os segmentos da vida social.  Embalado por um discurso antissistema, anti-corrupção, eivado por um evangelismo extremista e reacionário, amparado pela maioria das casas legislativas e a despeito de inúmeros pedidos de impeachment, cumpriu todo o mandato, sem jamais estar à altura do cargo de presidente.

 

Por quatro anos conduziu, a partir do Palácio do Planalto, um processo de desestruturação nacional. Alguns termos sintetizam bem o nível de regressão da gestão Bolsonaro: inimigo interno, inimigo político, anti-inlectualismo, anticiência, antiambientalismo, antissistema, negacionismo, moralismo, fundamentalismo religioso, militarização da vida, discurso da ordem, sexismo, homofobia, misoginia... É longa a lista.

 

À revelia das projeções, da maciça campanha contra a funcionalidade do sistema eleitoral, ao gigantesco investimento financeiro em campanha, de posse da máquina pública, e usando todos os meios possíveis, não conseguiu se eleger para o mandato 2023-2026.

 

Após um longo processo de desgaste midiático do Partido dos Trabalhadores promovido pela direita raivosa, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teve restituído pela Justiça os direitos políticos cassados pela condenação na Operação Lava-jato.  Encarcerado por mais de 500 dias – condenação anulada pelo STJ –, Lula foi eleito para o seu terceiro mandato numa disputa extremamente acirrada com atual ocupante do Palácio do Planalto.

 

O Brasil encontra-se numa encruzilhada. Nunca em sua história o país esteve tão dividido. O (des)governo de Jair Bolsonaro conseguiu fez emergir das tumbas, dos calabouços, dos lugares mais ermos e nojentos da consciência ressentida, o rancor, o ódio, a misoginia, o racismo, o preconceito, a meritocracia, em suma, o terreno envenenado de que necessita o fascismo. Assim, não é mais possível negar que o Brasil tem uma sociedade com gigantescas contradições estruturais. Não impera no Brasil, como defendida por alguns, a propalada sociedade cordial, de natureza alegre e hospitaleira, que apesar de tremenda desigualdade mantinha uma “pax brasiliensis”. Pelo contrário, a história recente revelou que habita no seio social o germe do fascismo, do autoritarismo e do revanchismo.

 

A vitória de Lula em um dos processos eleitorais mais conturbados da República após a CF de 1988 não é, por si só, o retorno à “normalidade”. Isso não se dará por um passe de mágica. Os desafios estão postos e são muitos.

 

Do ponto de vista da Nação, do Estado, da perspectiva de sociedade, espera-se que o novo governo retome o processo de (re) construção de uma consciência de brasilidade, não uma brasilidade excludente, mas inclusiva, que assuma o protagonismo de reinventar a República, mesmo com as todas as suas contradições. As instituições precisam assumir seus papéis no regime democrático; as fronteiras institucionais precisam ser novamente demarcadas e respeitadas. Executivo, Judiciário e Legislativo são os poderes da República, e cada um deve cumprir sua função para que o Estado assuma sua identidade e seu povo possa se “sentir” seguro, confiante, e não ameaçado a todo instante pela extrapolação ditatorial verborrágica de um poder sobre o outro. Essa é uma tarefa premente.

 

As instituições precisam ser reconstruídas. Todos os setores da sociedade foram atacados e esfacelados em sua funcionalidade, em suas atividades. Seus papéis identitários construídos há décadas foram solapados, desacreditados, vilipendiados, relegados ao nada.

 

Será necessário reconstruir, inclusive conceitualmente, o Brasil e suas instituições. A reconceituação é fundamental para que o país volte a pensar seriamente em sua identidade nacional. Educação, Saúde, Segurança, Meio Ambiente, Pobreza, Desigualdade, Desemprego, Violência, Religião, não são “casos de polícia”, de posse de armas, de fraqueza, mas “caso de política”.

 

De modo geral, todas as instituições foram atacadas, corroídas, desvirtuadas em seus fundamentos. O desserviço ao sistema educacional, com o anti-intelectualismo; ao sistema de saúde, com a campanha antivacina; ao meio ambiente, com a “passagem da boiada”; as agressões sistemáticas aos povos originários, à população negra, às populações tradicionais, com a ética da “negrada mimizenta”, com a ideologia política do inimigo interno a ser combatido e destruído, são indicadores manifestos da necessidade premente de reconstrução nacional. 

 

Não é possível pensar em soluções mágicas para o Brasil. A ascensão ao poder de um presidente democrático e de esquerda em substituição ao autoritarismo de um governante de extrema direita não tornará o Brasil, por um passe de mágica, em um país sem contradições e desigualdades estruturais. Há muita luta pela frente. E não é possível pensar em um projeto de reconstrução nacional sem uma política de valorização efetiva da educação e dos serviços públicos.

 

*Aldair é professor do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS) e atual vice-presidente da ADUA.



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