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  28/09/2022 - por Isaac W. Lewis





 

                             

                                                    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Falar de racismo, preconceito, discriminação, intolerância religiosa em sociedades colonizadas da Àsia, África ou América implica compreender o processo de construção ideológica realizado pelos colonizadores capitalistas e imperialistas, nos séculos XVI, os quais planejaram a invasão desses continentes com o objetivo de explorar seus recursos naturais e humanos. Para isso, os colonizadores preestabeleceram que esses continentes eram terras de ninguém e que os povos, por ventura, existentes nelas seriam animais inferiores, destituídos de inteligência, naturalmente sujos e preguiçosos.

 

Os europeus, seus descendentes (incluindo os mestiços), os nativos das terras invadidas passaram a acreditar nas construções ideológicas das classes capitalistas europeias. Escritores, como Luís de Camões (português) e José de Alencar (brasileiro) em seus textos, enalteceram as ações selvagens e atitudes hipócritas dos colonizadores e dos colonos portugueses nas terras invadidas e desqualificaram as atitudes heroicas e dignas dos nativos dessas terras sem ressaltar que os nativos foram covardemente submetidos às condições de vida e de trabalho inferiores através da força das armas e de legislações escravocratas feudais herdadas de sociedades escravagistas antigas, como a grega e a romana. Ainda na contemporaneidade, políticos, juízes e advogados brasileiros referem-se às leis gregas e romanas orgulhosamente como a fonte do direito português e brasileiro, abstraindo o fato de que a sociedade brasileira nunca foi um império.

 

As ordenações afonsinas (1446), manuelinas (1514) e filipinas (1603) continham explicitamente discriminações negativas contra os índios, negros, judeus, árabes, ciganos, ateus e a todas as religiões não católicas romanas. Essas discriminações eram práticas institucionais do estado português e referendadas pela Igreja Católica Apostólica Romana através de suas ordens e da Inquisição, responsáveis pelo cumprimento das normas estabelecidas nas legislações do reino português e nas bulas papais.

 

Em consequência disso, todos os indivíduos pertencentes aos grupos discriminados viviam na sociedade colonial como segregados e apartados, embora houvesse indivíduos (judeus, negros, índios, mestiços) que se destacaram em cargos importantes da administração colonial, como, por exemplo, Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), Cristovão Vieira, pai do padre Antônio Vieira (1608-1697). Em Portugal, vários judeus exerceram atividades importantes na sociedade. Mesmo assim, foram perseguidos, sofreram violências étnicas e expulsos a partir de 1497. Levaram seus conhecimentos, suas técnicas e capacidades produtivas e financeiras para Inglaterra, Holanda e a outros países, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social, político e intelectual desses países. A ideologia capitalista e colonialista do racismo, do preconceito, da discriminação permeou todos os setores da sociedade colonial brasileira de tal sorte que brancos discriminavam brancos, negros, índios e mestiços; mestiços discriminavam mestiços, brancos, negros e índios; índios discriminavam índios, negros, brancos e mestiços. Inúmeros/as escritores e escritoras e ensaístas negros/as, índios/as/mestiços/as têm analisado, em seus textos, as relações pessoais e interpessoais entre os vários grupos étnicos das sociedades colonizadas ou têm explicitado as ações iníquas e as atitudes hipócritas dos colonizadores e de seus descendentes tanto nos continentes invadidos como nas metrópoles coloniais. A lista desses escritores é longa: Maria Firmina dos Reis. Machado de Assis, Lima Barreto, Luiz Gama, Abdias Nascimento, Frantz Fanon, Albert Memmi, Angela Davis, Bell Hooks, Kabengele Munanga, Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro. Patricia Hill Collins. Também escritores e ensaístas brancos têm contribuído para a compreensão e o desvelamento do racismo e do preconceito étnicos e da intolerância religiosa tanto nos países colonizados quanto nos países capitalistas ocidentais.

 

Outrossim, desde o início da colonização europeia nos continentes da Ásia, África e América, nativos desses territórios contradisseram as falsas opiniões de que eram inferiores, preguiçosos e incapazes de raciocínio lógico e inteligente. No Brasil, uma professora negra, Maria Firmina dos Reis (1822-1917) em seu romance “Úrsula”, publicado em 1859, criou personagens negros que refletiam sobre as selvagerias, as barbaridades, as iniquidades, as hipocrisias, as falsidades e a desumanidade cristã dos traficantes, senhores e das senhoras de escravos.

 

Em síntese, o racismo étnico, o preconceito contra os outros/as, a intolerância religiosa constituiram e ainda constituem práticas sociais imperantes nas sociedades colonizadas, uma vez que os europeus e seus descendentes luso-brasileiros, de mentalidade feudal, nunca refletiram que os nativos dos continentes não os convidaram para se instalar em seus territórios e nem os africanos saíram da África voluntariamente para serem explorados como escravos na América. No Brasil, as classes favorecidas apresentam o país como uma democracia racial, isso porque suas legislações não mencionam algum tipo de segregação ou de discriminação, porém suas instituições (principalmente as jurídicas, militares e policiais) praticam políticas semelhantes às do sistema de apartheid que vigorou na África do Sul de 1948 a 1994. Pode-se concluir, então, que o Brasil tem sido um país de apartheid não declarado, enquanto que a África dos Sul foi um país de apartheid declarado.

 

A melhor maneira de os povos colonizados (brancos, negros, índios, mestiços) lutarem contra o racismo, o preconceito, a intolerância religiosa é aprofundarem o conhecimento dos processos ideológicos que orientaram e orientam a invasão dos continentes asiáticos, africanos e americanos para a exploração de seus recursos naturais e humanos. Um provérbio bantu nos ensina que “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”.

 

* Isaac é professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).    



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