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  07/02/2022 - por Isaac W. Lewis





 

Márcio Souza, em seu livro “História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI”, registra a compreensão de um tuxaua da região do Sinu, na atual Colômbia, sobre a versão europeia do “descobrimento e da conquista da América”:

 

“Concordamos que há um só Deus, mas quanto o que diz o Papa, de ser o Senhor do Universo e que havia feita mercê destas terras ao Rei de Castela, este Papa somente poderia ser um bêbado quando o fez, pois dava o que não era seu. E este rei que pedia e tomava esta mercê, devia ser louco, pois pedia o que era dos outros. Pois venham tomá-la, que colocaremos as vossas cabeças nos mastros [...]” (2019, p. 112).

 

Com poucas palavras, o tuxaua da região do Sinu resume a patifaria realizada pelos europeus, ao invadirem as terras da América, África e da Ásia. Inicialmente, desvela a mentira elaborada pelos europeus de que eram homens inteligentes, superiores e que os homens dos continentes invadidos eram tolos, imbecis, ignorantes, inferiores. Revela também que os invasores europeus da América eram vigaristas que inventavam histórias para ludibriar os povos que viviam nas terras invadidas, portanto, eram vigaristas os religiosos que apoiavam os invasores, estes eram, vigaristas profissionais que invadiam terras alheias para se apropriarem delas, de seus recursos naturais e da força de trabalho dos nativos através da escravização, utilizando, para isso, armas de fogo, desconhecidas dos habitantes das terras invadidas.

 

Para garantir seus interesses, elaboravam leis civis e religiosas, estabelecendo seu direito a tudo que encontrassem nas terras invadidas. Para completar, seus cronistas e escribas, como Luís de Camões e José de Alencar, por exemplo, abstraíam os crimes, as violências e as hipocrisias cometidas pelos invasores europeus e louvavam suas ações como heroicas e épicas. Nessas histórias, os nativos eram sempre bandidos, selvagens, bárbaros e os invasores, homens virtuosos, como o padre José de Anchieta que condenava os índios que se recusavam a acreditar nas mentiras dos colonizadores e os bandeirantes que faziam expedições para matar, capturar e escravizar índios. Até há pouco tempo, eram poucos os escritores ou historiadores que estabeleciam seriamente a verdade sobre as invasões dos europeus em territórios da América, África e da Ásia.

 

Hoje temos acesso a livros que relatam a vitória dos Zulus, em uma batalha contra as tropas invasoras inglesas na África do Sul. Márcio Souza, em seu livro mencionado acima, relata várias derrotas de tropas invasoras portuguesas ao invadirem aldeias com o objetivo de cometer genocídios e capturar índios para explorá-los como escravos no Amazonas e no Pará. As glórias cantadas e louvadas pelos colonizadores portugueses são sempre de guerras empreendidas covardemente com armas desconhecidas dos nativos, entretanto, em várias batalhas, os nativos seminus e com lanças derrotaram os europeus brava e inteligentemente.

 

De modo geral, a história oficial sobre a invasão dos portugueses em território brasileiro mantém os fatos verdadeiros encobertos por mentiras e mais mentiras que servem para elevar a autoestima de alguns luso-brasileiros e mamelucos que se julgam no direito de explorar a terra e seus habitantes como se tivessem recebido uma herança milenar dos reis portugueses, ignorando e abstraindo que os nativos da América viviam nessa terra há milhares de anos e sabiam como cultivá-la e preservá-la,

 

Vigaristas atraem vigaristas na razão direta de seus interesses (geralmente mesquinhos) e repelem-se na razão inversa desses interesses. Vigaristas chegaram à América com apoio de capitalistas europeus, também vigaristas que buscavam expandir seus negócios para além das fronteiras europeias. Os reis vigaristas portugueses apoiaram as iniciativas de invasão de “novas” terras com o objetivo de expropriá-las, autorizando os genocídios de povos que recusassem a tutela do estado colonial português. Os papas, bispos e os padres vigaristas das ordens religiosas católicas acompanharam e apoiaram as invasões de “novas terras”, os genocídios e a escravização dos sobreviventes, convencendo-os a aceitarem a tutela do estado português para serem recompensados pelo amor de Cristo, da mãe de Cristo e de deus depois da morte. Além disso, as caravelas trouxeram séquitos de medíocres, ignorantes, imbecis, idiotas que fugiam de pensamentos filosóficos, científicos e educacionais que contestavam a visão de mundo medieval que mantinha a humanidade europeia pobre, ignorante e estúpida. Os invasores portugueses pretendiam preservar a visão medieval do mundo entre as populações do “Novo Mundo” através da violência, vigarice, corrupção, mentira e do banditismo “legal”.

 

É essa cultura que continuou predominando hegemonicamente após a independência do país de Portugal. É claro e evidente que os heróis que fizeram a independência no Brasil não leram nem entenderam as filosofias do Iluminismo e da Revolução Francesa (1789). A maioria dos luso-brasileiros e mamelucos organizaram o país como uma feitoria para atender as necessidades mercantis, industriais e agrícolas dos capitalistas das metrópoles ocidentais. É por isso que a vida social e política em vários países colonizados é muito semelhante. O sistema burocrático, jurídico, militar, policial e político existe como função administrativa da feitoria brasileira que é igual no Haiti, Porto Rico, Panamá, Congo, República Dominicana, Venezuela etc.  Somente as classes favorecidas brasileiras, alienadas e iludidas, imaginam que o país se desenvolverá, aliando-se a uma potência imperialista capitalista, tal como se iludiram os haitianos, os porto-riquenhos, os panamenhos e as classes favorecidas da Venezuela e de outros países colonizados. Por isso, as classes desfavorecidas precisam ter consciência de não se alienar ou se iludir com os objetos de desejo das classes favorecidas. Como bem nos ensinam Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895): “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”.

 

O filme “Os sete samurais”, idealizado e dirigido pelo cineasta japonês Akira Kurosawa (1910-1998), produzido em 1954, conta a história de um lugarejo, onde viviam e trabalhavam lavradores. Na época da colheita, bandidos milicianos invadiam o lugarejo, assaltando e matando vários moradores, e apossando-se de sua produção. Os camponeses resolveram contratar um samurai experiente que convenceu mais seis samurais para defenderem o lugarejo. Os samurais organizam a luta com apoio e participação dos lavradores e conseguem matar todos os bandidos invasores de suas terras. Esse filme tem um final feliz: Os camponeses e as camponesas podem, depois da luta, voltar para as suas atividades: Cultivar a terra que lhes dará seu sustento.  Na refrega, quatro samurais morreram. O líder dos samurais comenta com outros dois sobreviventes: “Nós perdemos mais uma vez, os lavradores venceram”. Essa história retrata, de um certo modo, a história dos povos indígenas brasileiros e de outros países colonizados e de suas culturas: A terra é de todos e não de uma minoria de vigaristas nacionais e internacionais, por isso, os povos nativos da América, da África e da Ásia continuarão sua luta para sobreviver dignamente.

 

E para entendermos o mundo colonial pós “independência”, outros livros merecem ser lidos, como: 1. Amazônia indígena, também de Márcio Souza (2015); 2. Povos indígenas: terra, cultura e lutas, de Benedito Prezia, Beatriz Maestri e Luciana Galante (2019); 3.  História da resistência indígena: 500 anos de luta, de Benedito Prezia (2019); 4. Violência contra os povos indígenas (Relatório), Cimi – Conselho Indigenista Missionário: Dados de 2017.

 

 

*Isaac é professor aposentado da Faculdade de Educação/UFAM



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