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  26/11/2021 - por Maria Fatorelli





A Constituição Federal proíbe que os impostos pagos pela sociedade sejam vinculados a algum fim específico, admitindo apenas algumas vinculações excepcionais, devidamente regulamentadas no próprio texto constitucional, como as destinações específicas para garantir recursos às áreas da Saúde e Educação.

 

Agora, a PEC 23 pretende autorizar a esdrúxula vinculação constitucional dos impostos que pagamos para o questionável esquema da securitização.

 

A securitização é uma operação que vem sendo usada no mercado financeiro a fim de transformar algum ativo (contratos de empréstimo, por exemplo) em derivativos, isto é, novos papéis que se derivam daquele ativo, ou seja, são lastreados naquele ativo.

 

Esses novos papéis passam a ser comercializados no mercado, e uma das principais características dessa securitização praticada no mercado financeiro é a transferência do risco, ou seja, quem adquire os derivativos passa a correr o risco de aquele ativo vir ou não a ser recebido. Esse risco ficou mundialmente conhecido por ocasião da crise iniciada nos Estados Unidos da América do Norte a partir de 2007, crise conhecida pelo nome dos derivativos de alto risco que nunca foram recebidos: os subprime.

 

Já o modelo de securitização que vem sendo implementado no setor público contém uma diferença fundamental em relação à securitização praticada no mercado financeiro: no setor público, o risco do negócio permanece com o Estado e, ainda por cima, o Estado entrega o fluxo da arrecadação de impostos como garantia plena ao investidor que compra os derivativos (recebíveis) gerados nesse modelo de negócio.

 

Essa entrega do fluxo de arrecadação de impostos diretamente ao esquema de securitização esbarra na proibição de vinculação dos impostos pagos pela sociedade a algum fim específico, contida no Art. 167, IV, da Constituição Federal.

 

Justamente para escapar dessa vedação constitucional, foram sorrateiramente inseridos no texto da PEC 23 os novos parágrafos 7º e 8º, que se pretende acrescentar ao Art. 167 da CF/88, sem qualquer explicação ou justificação, sem qualquer debate a respeito, literalmente, na surdina!

 

O parágrafo 7º pretende dar ao esquema de securitização uma carta branca, tendo em vista que ele excetua a vedação imposta pelo Art. 167, IV, e deixa aberta a possibilidade de vinculação plena de impostos ao esquema de securitização, sem indicar parâmetro ou limite algum:

 

“PEC 23 – § 7º Não se aplica o disposto no art. 167, inciso IV, na hipótese de securitização de recebíveis da dívida ativa.”

 

Reparem que a securitização é dos recebíveis e não da Dívida Ativa em si. A Dívida Ativa continuará onde sempre esteve, sendo cobrada e administrada pelos respectivos órgãos da administração tributária em cada ente federado, com todos os riscos de vir a ser arrecada ou não.

 

Por outro lado, os recebíveis emitidos nesse esquema de securitização são vendidos ao mercado financeiro, que não assume risco algum, pois conta com a robusta garantia estatal representada pela entrega do fluxo de arrecadação tributária, justamente a vinculação que a PEC 23 pretende colocar na Constituição do nosso país. Essa questão foi explicada em recente entrevista.

 

Quando os recebíveis são vendidos, ocorre o ingresso de um recurso aos cofres públicos. Esse adiantamento de recursos configura uma operação de crédito disfarçada e tem servido de “isca” para que alguns gestores públicos embarquem nesse esquema que já foi questionado pelo Ministério Público de Contas (TC 016.585/2009-0) e vários órgãos de controle estaduais, conforme detalhado em Interpelação Extrajudicial endereçada a todos os líderes no Senado.

 

Essa explícita contratação de dívida pública, que o esquema de securitização visa disfarçar, passa a ser paga com novas receitas de impostos, que são desviadas e vinculadas a esse esquema, por fora dos controles orçamentários, durante o percurso dos recursos pela rede bancária!

 

Esse modus operandi já foi comprovado em todos os locais onde esse esquema tem sido implementado, gerando grande rombo às contas públicas e a perda do controle sobre a parcela da arrecadação que é desviada para as “Contas Vinculadas” ao esquema, mediante a alienação fiduciária do fluxo da arrecadação, além de garantias de recomposição desse fluxo em caso de qualquer eventualidade (ver análise técnica e documental aqui), o que coloca tal obrigação acima de qualquer outra.

 

Esse modelo já foi investigado inclusive por uma CPI em Belo Horizonte, que resultou em determinação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais que impediu novas emissões e suspendeu os pagamentos de recebíveis que já haviam sido emitidos.

 

Assim, ao contrário da propagandeada “solução” para os créditos incobráveis de Dívida Ativa que os entes federados não conseguem receber, o esquema de securitização gera dívida pública disfarçada, que sequer é contabilizada como dívida, e passa a ser paga por fora dos controles orçamentários, mediante o desvio do fluxo de arrecadação tributária para esse esquema, com incalculáveis prejuízos ao orçamento público e às gerações atuais e futuras, enquanto bancos passam a se apoderar diretamente dos impostos que pagamos.

 

A Câmara dos Deputados passou batido e aprovou a PEC 23 em suspeita votação, sob denúncia de liberação de bilhões de reais em “emendas de relator” e outras inaceitáveis manobras, além de falsas propagandas, pois o tão falado “auxílio” aos necessitados sequer consta do texto da PEC 23, e o Governo Federal pode tranquilamente honrar o pagamento dos precatórios, pois temos cerca de R$ 5 trilhões em caixa, conforme dados oficiais das Contas do Tesouro e do Banco Central.

 

O Senado não pode aprovar essa absurda vinculação dos impostos que pagamos a esse esquema de Securitização, como pretendem os parágrafos 7º e 8º inseridos sorrateiramente ao texto da PEC 23. Pressione! Fale com senadores(as) de seu estado e faça a sua parte, conforme sugestões aqui.

 

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.



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