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  27/04/2021 - por José Seráfico





Tem razão o sinistro Ricardo Salles. A porteira aberta, a boiada passa com facilidade. O problema, portanto, consiste em abrir cada vez mais a passagem. A pressa com que foi eleita a atual Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Amazonas não é ato inaugural dessa prática tão defendida pelo titular do Meio Ambiente e de seus patrocinadores e apoiadores. Daí sua repetição, mesmo quando se propõe render homenagens. Sobretudo porque o interesse público e os sentimentos da população que dizem representar os detentores de mandatos – seja qual for o nível desse Poder – raramente são colocados acima de todos os outros interesses. De preferência, aqueles que se vinculam às benesses decorrentes da proximidade, às vezes promiscuidade ou cumplicidade, com os outros dos chamados poderes republicanos. Que a quase totalidade dos deputados conceda o título que quiser a quem quer que seja, nada há de ilegal. O fato político, porém, há que ser considerado não apenas em relação à legalidade, porque mais amplo o terreno em que atuam os protagonistas. Oportunidade e moralidade, dentre outras, são circunstâncias exigentes de consideração, quando o cidadão está investido de poderes atribuídos pela população, ainda que parcelas dela somente. Em especial, quando é necessário avaliar o grau de humanidade e a inspiração dela decorrente.

 

A sobrevivência dos eleitores (aqui apequeno a abordagem, propositalmente) e seus sentimentos não podem ser ignorados, qualquer a decisão que Suas Excelências pretendam tomar. Em todo momento. Nem discuto o objeto da honraria. Ponho em questão, todavia, o momento em que tal homenagem é prestada.

 

Como se terão sentido os órfãos, as viúvas, os parentes e amigos dos mais de 14 mil mortos pela pandemia no Estado do Amazonas? Só a partir da próxima semana serão iniciadas as investigações relacionadas à conduta do governo diante da covid-19, e os parlamentares amazonenses, o deputado Serafim Corrêa sendo exceção, juntam-se à autoridade mais diretamente responsabilizada pelas quase 400 mil pessoas mortas no País. Brasileiros ou não, é aqui que os mortos tinham abrigo e aqui pretendiam passar todos os demais dias de sua vida. Pelo menos, presumivelmente.

 

O açodamento que se divulga tenha sido a marca do processo de concessão de título ao Presidente da República, se ajustado às aspirações do beneficiário, não o é, se posta em questão a dura realidade a que nos tem trazido o Chefe do Poder Executivo Federal. Ao menos fosse adiada a oportunidade de render-lhe os rapapés (para não dizer coisa menos elegante e pior), costumeiros seja qual for o ocupante de posto relevante em qualquer dos poderes. Às vésperas do início dos trabalhos da CPI cujo Presidente poderá ser um senador amazonense, a homenagem estende seus efeitos para além da simples subserviência.

 

Soa mais a cumplicidade e solidariedade a uma ambição difícil de identificar como afeita à maioria dos habitantes do Estado. Uma espécie de salvo-conduto incapaz de contemplar os sentimentos dos que perderam pais, maridos, mulheres, parentes e amigos – e isso tem muito a ver com a ação dos que deixaram faltar oxigênio aos que o vírus asfixiava, equipamentos e vacinas aos que ainda poderiam viver um pouco mais.

 

Pode-se matar de asfixia um homem negro como George Floyd, tanto quanto centenas de milhares de brasileiros. Pior, porém, é matar as esperanças de toda uma população.

 

*José da Silva Seráfico de Assis Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Amazonas - UFAM, na Faculdade de Estudos Sociais- FES.

 

** Artigo originalmente publicado no jornal A Crítica.



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