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  11/01/2021 - por José Alcimar de Oliveira





01. O canto épico (prefiro esta classificação à de poema dramático) de João Cabral de Melo Neto nos dá a medida da vida severina dos empobrecidos dessa terra, de Álvares Cabral a Cabral Filho. Por que garantir aos mortos a terra que em vida já lhes foi expropriada?

 

02. Em pouco menos de sete meses, nesse janeiro de 2021, a Manaus severina, indígena, cabocla, quilombola, de mil-e-tantas-misérias, volta ao centro da tragédia social e sanitária há muito presidida pelo Plano Diretor da Administração Capitalista. O poder político-administrativo da Manaus do arrivismo pós-moderno preservará sua burguesia contente dessa visão escatológica e carente de teleologia. A sociedade de classes persiste após a morte. Pobre não tem direito à lápide nem epitáfio.

 

03. Os mortos sem sepultura de Manaus, agora por falta de terra enterrados em posição vertical, seguramente estarão excluídos da importância e do estatuto literário do teatro sartreano. Seguirão no pós- morte como viveram sem vida antes da morte: sem nome, sem ou em apertada sepultura. Se voltasse à Manaus de 2021, depois de aqui chegar em 1960, estou certo de que Sartre escreveria um posfácio à sua (peça teatral) "Mortos sem Sepultura", guardadas as diferenças de contexto da Paris dos Trópicos e da Paris sob ocupação alemã.

 

04. A despeito da pandemia e das pressões surdas e sociais da Manaus-senzala não devemos desconhecer o zelo da burguesia em resguardar a sacralidade do Teto de Gastos. Responsabilidade fiscal tem força de dogma quando o capitalismo se positiva como religião. Como teólogo heterodoxo, estou convicto de que a cada vez mais próspera Teologia da Prosperidade não se furtará em conferir santidade a essas medidas salvíficas requeridas pela Gramática do Capital na Capital do Capital de máxima rotatividade.

 

05. Afinal, abrir covas podem configurar crime de responsabilidade. Nem mesmo àquelas de palmos medida têm direito os pobres num país sob a insanidade metódica da necrocracia. A sacralidade em cumprir com os serviços da dívida não admite a heresia de gastos com vidas desgastadas, menos ainda com uma pandemia ainda não reconhecida pela Nova Ciência Estatal.

 

06. Cabe à Nova Ciência Estatal demolir os discursos conspiratórios, a maioria com origem no marxismo cultural, que insistem em classificar como criminosa a Emenda Constitucional 95/2016 (a do Teto de Gastos), que estabeleceu o Novo Regime Fiscal. Numa paráfrase sem estatuto bachelardiano, o novo sempre encontrará diante de si obstáculos epistemológicos de base.

 

07. Os que conspiram contra o Novo Regime Fiscal insistem na aleivosia de que o Teto estrangula os já contidos investimentos sociais, quando na verdade – atesta a Nova Ciência – ele apenas garante um céu de cobertura para a ganância financeira da autocracia parasitária e impõe mais agrura à vida sufocada da classe trabalhadora, empregada, subempregada e na informalidade, de quem a classe ociosa vampiriza o sangue, do nascimento à cova de mesquinha medida.

 

* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus/AM, aos dez dias de janeiro do ano (ainda) coronavirano de 2021.

 

Foto: Elton Viana/Semcom/Divulgação



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