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  15/12/2020 - por Luciano Nascimento





AmarElo – é tudo pra ontem é o nome do documentário lançado neste mês (dez/2020) pela NetFlix e tem Emicida por protagonista. O filme traz cenas de bastidores de uma apresentação do rapper no Teatro Municipal de São Paulo, e também recortes de outras passagens com o artista, compondo um mosaico de fragmentos de aparições e ideias atravessadas e emolduradas pelo mesmo provérbio africano: “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que atirou hoje”.

 

Há muito a ser dito sobre aspectos estéticos da “bruta flor” em que se transforma uma obra que reúne Fernanda Montenegro e Lélia Gonzalez, Mario de Andrade e Dona Ivone Lara, entre outras personalidades, para falar em potência negra, potência brasileira, potência humana, potência… e realização, realização e realização. Há muito que dizer, mas não serei eu a fazê-lo. Quero apenas chamar atenção para outro aspecto que considero central no filme: a proposta político-pedagógica que ele performatiza. Falo nela porque é nela que acredito.

 

Num engenho pedagógico que joga com a linearidade em que tantos tentam aprisionar o Tempo – um desperdício de energia. É muito mais produtivo assumir logo, como o filme mostra, que presente, passado e futuro são um só, aqui e agora: Aleijadinho, Ismael Silva e a filhinha de Emicida tocando chocalho nos ombros do pai; Egito Antigo, Brasil Colônia e República Velha; 1822, 1922 e 2020.

 

Num empenho político que faz dançarem interdições espaciais e discursivas que tentam segregar negros, mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis e vários outros sujeitos, visando tirar deles e delas a oportunidade de serem, apenas serem eles e elas mesmos (as). Daí a absoluta importância do protagonismo de Emicida naquele palco, e, ainda mais, do êxtase geral provocado pelo encontro dele, Majur e Pablo Vittar naquele mesmo espaço.

 

Mais do que uma obra de arte musical (e, agora, audiovisual), AmarElo é a epifania da apropriação dos processos de construção coletiva dos direitos e liberdades, uma aposta no aquilombamento em torno da certeza de que todas as pessoas merecem usufruir daquilo que – ontem, hoje, sempre – constroem. Repito: todas as pessoas merecem usufruir daquilo que constroem. É por isso se vê ali, no documentário, o deslumbramento daqueles que pela primeira vez visitam o Teatro Municipal no lugar de produtores de arte e/ou de público, mas também se vê o telão colocado do lado de fora do teatro, para quem ainda mais uma vez não pôde entrar nele; é por isso que se vê ali, no documentário, intérpretes de libras colaborando ativamente para que deficientes auditivos presentes pudessem desfrutar do espetáculo.

 

AmarElo – é tudo pra ontem é, enfim, a demonstração da viabilidade de um modo de ver, viver e traduzir a vida privilegiando o encontro das diferenças visando à partilha do comum. É, a meu ver, a proposta político-pedagógica e, sobretudo, o método que precisamos levar para nossas salas de aula o quanto antes. Antes que seja ainda mais tarde e até o futuro já nem possa mais vir a ser.

 

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AmarElo – é tudo pra ontem

Brasil, documentário, 2020. 89 minutos.

Direção: Fred Ouro Preto.

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*Luciano Nascimento é doutor em Literaturas (UFSC) e professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Colégio Pedro II.

 

**Publicado originalmente no site A Terra é Redonda, em 12.12.2020



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