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  01/09/2020 - por Aldair Oliveira de Andrade





Não é possível falar em reforma, seja ela qual for, a não ser que tenha sobre si a aura de justeza e necessidade, e que não venha escamoteada com falácias e enganos. Neste sentido, é pertinente observar que sob o véu de Maya, sob a fumaça que torna a vista embaçada e desvia o foco do que de fato se pretende no Brasil, sob a égide do atual Ministro da Economia: implementar mais um ataque aos servidores públicos de modo geral.

 

O Estado Brasileiro tem tergiversado, com o apoio do Congresso Nacional, para não enfrentar o real problema orçamentário brasileiro: a Dívida Pública. Muito se fala em excesso de despesa, que os Estados e Municípios têm reiteradamente gastado além de suas respectivas arrecadações, que o inchaço da folha de pagamento inviabiliza os investimentos sociais. Nada mais desleal que tais afirmações. O verdadeiro ralo da economia brasileira está na Dívida Externa que vem abocanhando 38,27% do PIB, dívida essa, que mesmo diante da exigência constitucional, nunca é auditada. Os investimentos em Educação (3,4%), Saúde (4,21%), Assistência Social (3,4%) e Previdência Social (25,25%), áreas fundamentais, nunca alcançam tal participação, uma completa inversão de valores e prioridades (AUDITORIA DA DÍVIDA, 2020).

 

O governo vem promovendo uma batalha desleal, de assédio institucional e de constrangimento dos servidores perante a população. Entre os direitos que o governo quer abolir ou modificar com a PEC da reforma, na verdade contrarreforma, podem ser destacados: a) a redução na quantidade de carreiras dos servidores públicos e servidoras públicas; b) a redução do salário inicial; c) o fim da estabilidade dos servidores ou o aumento do tempo para aquisição de estabilidade, alterando a atual regra de três anos para cinco ou oito anos; d) a adoção de um processo de avaliações de desempenho mais rigoroso; e) a redução de concursos públicos e o incentivo a serviços de terceirizados e precarizados; f) limitações para as promoções.

 

Segundo o ANDES-SN, “a proposta de reforma administrativa tem como marco a ‘granada no bolso’ do funcionalismo público, que evidenciou a submissão do governo à iniciativa privada e ao capital financeiro”.

 

No dia 10 de agosto de 2020, a grande mídia, o presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia, aliado de Paulo Guedes, e o Instituto Millenium jogaram sobre as costas dos servidores a responsabilidade pelas diversas crises que se instalaram no país: grave crise sanitária, que se evidenciou com a pandemia da Covid-19; e a crise econômica, resultado da má gestão financeira e dos saques aos cofres públicos para pagamento da uma dívida externa astronômica. Com um discurso enviesado, que escamoteia o real interesse da contrarreforma administrativa, que é agradar o capital internacional e o mercado especulativo, o governo agora dirige seus ataques aos servidores públicos e envenena a mente da população com a mentira de que são eles os inimigos da nação.

 

Sob o manto da falácia da “ineficiência” dos serviços públicos, o governo esconde uma avaliação honesta sobre os impactos sociais causados pela Emenda Constitucional nº 95/2016 e desconsidera que a malfadada contrarreforma da Previdência aumentou a tributação dos trabalhadores e não trouxe nenhum benefício para os cofres públicos, mas encheu o bolso do grande capital.

 

Efetivamente, a campanha de desmonte do serviço público brasileiro, em nome da privatização, da terceirização e da otimização de resultados, não resultou senão em precarização e sucateamento dos bens públicos. Nesse sentido, a Reforma Administrativa não pode ser descolada de uma série continuada de ataques que os servidores públicos vêm sofrendo há décadas, das quais é pertinente relembrar:

 

a) PEC 438/2018 - Redução salarial de servidor público;

 

b) PEC emergencial 186/2019 - Altera o texto permanente da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispondo sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, e dá outras providências;

 

c) PEC 188/2019 - Estabelece medidas de ajuste fiscal aplicáveis ao custeio da máquina pública; modifica a estrutura do orçamento federal; estende a proibição de vinculação de receitas de impostos a qualquer espécie de receitas públicas, ressalvadas as hipóteses que estabelece; permite a redução temporária da jornada de trabalho de servidores públicos como medida para reduzir despesas com pessoal; propõe mecanismos de estabilização e ajuste fiscal quando as operações de créditos excederem as despesas de capital, as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes ou a realização de receitas e despesas não puder comportar o cumprimento das metas fiscais do ente; e cria o Conselho Fiscal da República;

 

d) MP 922/2020 - Altera a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento; a Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), e a Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios;

 

e) MP 914/2019 - Ataque à autonomia universitária. Dispõe sobre o processo de escolha dos dirigentes das Universidades Federais, dos Institutos Federais e do Colégio Pedro II.

 

Não é o possível pensar em uma nação justa, se a todo instante aqueles que estão no poder se articulam com o grande capital e fazem sangrar o seu povo. Não é possível se pensar num país melhor, se os seus mandatários estão mais preocupados em agradar ao capital especulativo, ao FMI, ao Banco Mundial e aos credores “desconhecidos” para sanar uma “dívida” impagável e cada vez mais voraz, mesmo que isso seja feito à custa do sangue dos trabalhadores.    

 

Os servidores públicos não são vilões, são vítimas de um país que reiteradamente é manipulado pela grande mídia, sempre servil aos tubarões porque é propriedade do grande capital. Graças aos serviços públicos, a citar nestes tempos pandêmicos a Saúde e a Educação, os danos não foram piores. O Sistema Único de Saúde e seus profissionais capacitados e as Universidades Públicas, mesmo sob ataque, com seus laboratórios sendo sucateados pela política de amordaçamento financeiro, ainda continuam a produzir conhecimentos e resultados tecnológicos com destinação pública.

 

Nesses quase seis meses de pandemia, as instituições públicas brasileiras estiveram na vanguarda do esforço de superação dessa calamidade pública, apesar do mandatário da nação e dos que estão em seu entorno jogarem contra, promovendo uma odiosa campanha de desqualificação institucional, sobretudo das Universidades Públicas. São esses profissionais, servidores públicos de todos os extratos, que se encontram na linha de frente, no campo de batalha contra essa terrível pandemia e a serviço do povo. Reformar sim, se for para ampliar direitos e alargar o acesso do povo ao serviço público qualificado. Mas não é isso o que se anuncia. Ao contrário: o projeto anunciado é de contrarreforma: subtrair direitos, desmontar carreiras e entregar o Estado aos tubarões da iniciativa privada.

 

Manipular a população brasileira com informações falaciosas, buscando minar e desacreditar os servidores públicos é desleal, baixo e rasteiro. Nesse sentido, é preciso que as organizações sociais, de todos os níveis, se preparem para o combate, pela verdade, em defesa dos Serviços Públicos, em defesa de uma Nação Soberana, que não se curve aos mandos do capital financeiro e especulativo, em defesa de seu Povo.

 

*Aldair Oliveira de Andrade é professor de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).



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