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  17/08/2020 - por Isaac W. Lewis





 

Desde que o Brasil tornou-se supostamente independente, segundo alguns políticos pertencentes às classes favorecidas no tempo em que o país era uma colônia de Portugal, sendo este país também colônia não declarada da Inglaterra e orientada por interesses capitalistas de países europeus (Inglaterra, França, Holanda, Bélgica), letrados e políticos luso-brasileiros propuseram reformas para inúmeros aspectos institucionais e estruturais da sociedade brasileira, colonizada antes e depois da proclamação da independência. Nós sabemos que, para reformar uma casa, é preciso, primeiro, verificar as condições de moradia da casa, a qualidade de suas estruturas, dos materiais que compõem o arcabouço do prédio e do solo em que a casa foi construída, para, depois, sugerir as reformas necessárias para o prédio a ser reformado.

 

Acreditamos que, para reformar itens institucionais e estruturais de uma sociedade, é preciso observar os requisitos necessários para reformá-los, adotando os mesmos procedimentos para a reforma de uma casa. Ao não fazerem isso, os políticos e os letrados acabam repetindo realizações que não mudam nada, como as reformas realizadas no Brasil Colônia, Brasil Império e no Brasil República até os dias atuais. Podemos perceber isso nas ações e documentos produzidos por políticos, militares, juízes, juízas, ministros, secretários de estado etc. nos dias atuais. Comecemos do início. Em 1494, o papa Alexandre VI (família Borgia) dividiu as terras a serem encontradas a 370 léguas de Cabo Verde entre o reino da Espanha e o reino de Portugal. Uma aberração! O rei de Portugal passou a considerar toda a terra encontrada no território brasileiro como sua. De 1500 a 1822, os funcionários públicos a serviço de Portugal (governadores, auditores, juízes, militares, políticos, policiais, padres) foram instrumentalizados para administrar essa terra e os interesses do rei de Portugal. Os políticos que referendaram a independência de Portugal fizeram muitos projetos e muitas reformas para o país independente, porém não aboliram o conteúdo da bula do papa corrupto e nem devolveram as terras dos indígenas usurpadas pelo rei de Portugal. Também não aboliram os conteúdos das ordenações que discriminavam negativamente povos nativos com base em estudos de pseudocientistas europeus. Todas as reformas feitas no império e na república não surtiram efeitos para os povos descendentes dos indígenas e dos africanos, de tal sorte que todas as reformas vinculadas às reformas estruturais, como a da educação, do bem estar da população e de sua segurança permanecem como letras, somente letras, o que nos faz lembrar um trecho da peça teatral, “Hamlet”, de William Shakespeare, em que um personagem pergunta a Hamlet o que ele estava lendo. Hamlet responde: “palavras, palavras”.  Para nós, esse país parece mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Esse estado burocrático se orgulha de suas universidades (que mais parecem um conglomerado de escolas superiores, no dizer de Florestan Fernandes) que produzem desembargadores/as, juízes/as que se pronunciam publicamente ou elaboram suas sentenças com base em ideias preconceituosas contidas nas ordenações joaninas, manuelinas ou felipinas. Os governadores e secretários de segurança do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por São Paulo (locomotiva do país!), e pelo Rio de Janeiro (cidade maravilhosa!), têm sido incompetentes para punir policiais e políticos que cometem crimes e abusos de autoridade. Houve e ainda há discussão sobre a necessidade de formação universitária para os jornalistas, porém temos visto que um bom número desses profissionais consideram as classes política, militar e policial incapazes de cometerem crimes e injustiças. Jornalistas, juízes e outros profissionais liberais que expressam ideias do senso comum  não  precisavam cursar um curso superior. Aos governadores, juízes, militares, policiais, secretários de estado e jornalistas, é bom lembrar que no Brasil Colônia, esses funcionários existiam para perseguir os nativos indígenas, os nativos africanos e os plebeus portugueses e estrangeiros, enfim todas as classes desfavorecidas, conforme determinavam as ordenações publicadas pelos reis de Portugal. As caravelas que saíram de Portugal traziam navegadores e soldados armados para combater gentes desarmadas, consideradas previamente inimigas do reino português.

 

Os serviços públicos do estado burocrático de uma sociedade colonizada precisam ser analisados de acordo com a filosofia (ou mais precisamente, a ideologia) que orienta a sua aplicabilidade. A proposta de reformá-los precisa considerar por quê e para quem tal reforma está sendo feita. A primeira questão a ser colocada é saber se tal reforma será a primeira ou se já houve alguma reforma dos serviços prestados pelo estado que foi totalmente inócua. Começaremos perguntando sobre a condição do estado burocrático de direito atual. O Brasil e o estado do Maranhão, Grão-Pará e Ceará constituíam dois estados ligados diretamente ao reino português, o primeiro desde 1549, quando da criação do governo geral, e o segundo quando foi criado em 1619. Estes dois estados tinham burocracia estatal (governo, câmara de representantes, autoridades militares, jurídicas e policiais) que existia em função dos interesses das classes privilegiadas europeias. As classes favorecidas e as classes desfavorecidas deveriam contribuir com suas atividades para enviar recursos e riquezas para a metrópole. Os recursos e a riqueza produzidos pelas classes desfavorecidas nacionais serviam para manter condições e privilégios das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas portuguesas. Cabia às classes favorecidas administrar os aparelhos do estado burocrático de direito em seu próprio favor e em favor das classes privilegiadas de Portugal. Cabia às classes desfavorecidas trabalhar, trabalhar, produzir, produzir, para que as classes favorecidas e as classes privilegiadas usufruíssem o produto do trabalho das classes desfavorecidas. Quem vai fazer as reformas? Os luso-brasileiros são confiáveis para fazer reformas para um país que continua colonizado? Talvez seja hora de os luso-brasileiros consultarem os povos indígenas que já sabiam administrar os recursos naturais dessa terra muito antes de entrarem em contato com a  pseudo civilização e o pseudocristianismo trazidos pelos portugueses do século XV, ideias e conceitos  remanescentes do período medieval português, propagado pelos jesuítas a serviço dos colonizadores. É bom lembrar que, no século XIX, os aprendizes de cientistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estavam preocupados com o futuro da nação brasileira, considerando os poucos conhecimentos civilizatórios dos descendentes dos nativos indígenas e africanos. Eles se esqueceram  de analisar  os comportamentos pseudo civilizatórios dos luso-brasileiros, incluindo os próprios aprendizes de cientistas. Hoje, os nativos dos descendentes indígenas e africanos podem realizar a análise esquecida pelos aprendizes de cientistas no século XIX.

 

*Pofessor aposentado da Faculdade de Educação/UFAM



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