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  10/08/2020 - por Lucas Ferrante, Wilhelm Alexander Steinmetz, Alexandre Celestino Leite Almeida, Jeremias Leão, Ruth Camargo Vassão, Unaí Tupinambás, Philip Martin Fearnside, Luiz Henrique Duczmal





 

Com 1.623.284 casos confirmados e 65.487 mortes em 08 de julho, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de casos e mortes por COVID-19[1]. O primeiro caso na região amazônica do Brasil foi relatado em 13 de março, no Estado do Amazonas[2]; essa região é particularmente sensível ao COVID-19 devido ao grande número de povos indígenas e seus descendentes, que fazem parte do grupo de risco do COVID-193.

 

Em 17 de abril, quando o número acumulado de casos confirmados no Amazonas totalizou 1.809 e as mortes confirmadas totalizaram 1.452, alertamos que seria necessário um distanciamento social estrito em Manaus e a restrição de viagens estaduais e interestaduais (rodoviária, aérea e fluvial) para evitar que o vírus SARS-CoV-2 se espalhe no interior do estado[3]. Nenhuma dessas medidas foi tomada e, entre a data do aviso e 04 de julho, os casos confirmados no Amazonas aumentaram 4.098% (atingindo 75.945) e as mortes confirmadas aumentaram 1.912%, totalizando 2.918, de acordo com dados da Fundação de Vigilância em Saúde[2], do governo do estado.

 

Segundo o prefeito de Manaus, o sistema de saúde entrou em colapso em abril, assim como os cemitérios da cidade[4]. Quase todas as unidades de terapia intensiva (UTIs) do estado estão localizadas em Manaus. Isso significa que o colapso do sistema de saúde em Manaus representa um colapso do sistema de saúde de todo o estado do Amazonas, que é o maior do Brasil em termos de área e ocupa aproximadamente um terço da região Amazônica do país.

 

Em 06 de maio, a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas aprovou um projeto de lei que permitia a reabertura de templos e igrejas[4]. A reabertura de lojas “não essenciais” ocorreu em 1º de junho. As informações científicas foram ignoradas pelos tomadores de decisão[4,5], que se basearam em “opiniões” não publicadas e não revisadas pelos pares, sugerindo o fim do isolamento social e colocando assim milhares de vidas em risco[6].

 

Argumentos não científicos também apoiaram novos processos movidos pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas e pela Federação da Indústria do Estado do Amazonas para impedir a declaração de um bloqueio[4]. O Ministério Público do Estado do Amazonas tentou estabelecer um “lockdown” (bloqueio) para conter a pandemia na cidadede Manaus, mas um juiz local negou o pedido, alegando falta de informações suficientes[7].

 

Estudos demonstraram que as infecções por COVID-19 podem ser significativamente reduzidas por medidas de isolamento social[8], e a duração ideal dessas medidas é superior a dois meses[9]. Esse não foi o curso seguido em Manaus, contrariando as recomendações de especialistas ao Ministério Público do Estado[4,5].

 

As escolas particulares de Manaus reabriram ao longo das duas primeiras semanas de julho e, em 17 de julho, o sindicato dos professores das escolas públicas votou para entrar em greve se o governo do estado cumprir seu plano de reabertura de escolas públicas em agosto sem uma série de adaptações de edifícios escolares, entre outras medidas.

 

A suspensão das atividades escolares e o fechamento do entretenimento e outros estabelecimentos comerciais têm se mostrado medidas críticas para retardar o avanço da pandemia[8]. Infelizmente, o nível geral de atividade nas ruas e estabelecimentos comerciais de Manaus voltou ao normal, apesar da maior parte da população não ter imunidade conhecida ao vírus.

 

A falha em tomar medidas para evitar um novo aumento de casos e no número de mortes é de responsabilidade dos governos federal, estaduais e municipais. O rápido aumento do número de casos no interior do estado (inclusive em comunidades indígenas) pressionará as UTIs em Manaus[5].

 

Em 08 de julho, o presidente Bolsonaro vetou medidas para proteger os povos indígenas do COVID-19, como distribuição gratuita de materiais de higiene e limpeza e desinfecção de aldeias, além de vetar o fornecimento de leitos hospitalares, unidades de terapia intensiva, ventiladores e equipamento paraoxigenação do sangue [10].

 

Para comunidades tradicionais, incluindo as dos povos indígenas, a perda de um cacique ou ancião da aldeia pode levar à extinção de suas culturas, porque as tradições são transmitidas oralmente pelos mais velhos. A manutenção da Floresta Amazônica está ligada à manutenção dos povosindígenas e outros povos tradicionais, uma vez que as terras destes grupos protegem um terço do que resta da floresta amazônica brasileira.

 

É preocupante que o número de casos oficialmente confirmados pelo governo do estado seja maior do que na primeira quinzena de abril[2], que precedeu o grande pico de casos e mortes que desmoronaram o sistema desaúde em abril e maio[4]. Para evitar uma segunda onda de pandemia na Amazônia, medidas efetivas, como o fechamento de escolas e serviços não essenciais, precisam ser implementadas imediatamente.

 

Referências

1.WHO(World Health Organization). 2020. WHO Coronavirus disease (COVID-19) Situation Report –170. WHO, Genebra, Suíça. https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200708-covid-19-sitrep-170.pdf

 

2.FVS-AM (FundaçãodeVigilânciaem Saúde do Amazonas). 2020. Boletim Diário COVID-19 no Amazonas 18 de junho de 2020. FVS-AM, Manaus, AM. http://www.fvs.am.gov.br/media/publicacao/boletim-diario-de-casos-covid-19-18-06-2020.pdf

 

3.Ferrante, L. & Fearnside, P.M. 2020. Protect indigenous peoples from COVID-19. Science, 368:251.https://doi.org/1,0.1126/science.abc0073

 

4.Ferrante, L. & Fearnside, P.M. 2020. Porque precisa de “lockdown” em Manaus. Amazônia Real, 13 de maio de 2020.https://amazoniareal.com.br/porque-precisa-de-lockdown-em-manaus/

 

5.Ferrante, L., Steinmetz, W.A.C.,Duczmal, L.H., Teixeira, R.T.,Pereira, H.S., Leão, J.S.,Candotti, F.M., Baccaro F.B. &Vassão, R.C. 2020. Nota técnica de avaliação e diretrizes para tomada de decisão frente à pandemia da COVID-19 em Manaus. Ministério Público em Amazonas, Manaus, AM. https://www.mpam.mp.br/attachments/article/13077/NOTA%20T%C3%89CNICA%20MPAM%20COVID-19.pdf

 

6.Filho, J. 2020. Coronavírus: como Samy Dana promoveu um estudo desastrado usado para defender o fim do isolamento. The Intercept Brasil, 10 de maio de 2020.https://theintercept.com/2020/05/10/coronavirus-estudo-samy-dana/

 

7.Poder Judiciário do Estado do Amazonas Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública. 2020. Processo: 0814463-25.2020.8.04.0001 https://diretoaopontonews.com.br/wp-content/uploads/2020/05/document-10-1.pdf8.Hsiang, S., Allen, D., Annan-Phan, S., Bell, K., Bolliger, I., Chong, T., Druckenmiller, H., Huang, L.Y., Hultgren, A., Krasovich, E., Lau, P., Lee, J., Rolf, E., Tseng, J. & Wu, T.2020. The effect of large-scale anti-contagionpolicies on the COVID-19 pandemic.Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2404-89.López, L., Rodó, X. 2020. The end of social confinement and COVID-19 re-emergence risk.NatureHumanBehaviour4:746–755. https://doi.org/10.1038/s41562-020-0908-810.Ribeiro, L.Bolsonaro veta obrigatoriedade de leitos para índios. UOL, 08 de julho de 2020. https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/bolsonaro-veta-obrigatoriedade-de-leitos-para-indios,3abdc72829dde67c4926f38ff0a55323nymo8r7k.html

 

*Lucas Ferrante1, Wilhelm Alexander Steinmetz2, Alexandre Celestino Leite Almeida3, Jeremias Leão4, Ruth Camargo Vassão5, Unaí Tupinambás6, Philip Martin Fearnside1, Luiz Henrique Duczmal7

 

1Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) - Manaus, Amazonas, Brasil.2Universidade Federal do Amazonas (UFAM) -Departamentode Matemática, Manaus, AM.3Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) -DEFIM, Ouro Branco, MG4Universidade Federal do Amazonas (UFAM) -Departamento de Estatística, Manaus, AM.5Retirado do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan -São Paulo, SP.6Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) -Departamento de Medicina Interna, MG.7Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) -Departamento de Estatística, Belo Horizonte,MG.* Correspondência para: lucasferrante@hotmail.com

 

**Tradução do artigo: Ferrante et al. Brazil’s policies condemn Amazonia to a second wave of COVID-19. Nature Medicine, https://doi.org/10.1038/s41591-020-1026-x

 

Foto: Ricardo Oliveira/Revista Cenarium/Reprodução



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