A pandemia da Covid-19 é ocasionada por um vírus do grupo coronavírus, o Sars-coV-2 ou novo coronavírus, que provoca em suas vítimas desde sintomas leves, tais como uma indisposição, conhecida erroneamente como uma “gripezinha”, mas não é gripe, como também sintomas extremos, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave, sobrecarregando o frágil sistema de saúde brasileiro, além de já ter ceifado mais de 80 mil vidas no Brasil. Todavia, uma parcela significativa da população, segundo especialistas, 35% dela, não apresenta os sintomas clínicos, ou seja, aparentes, os chamados assintomáticos. Esses constituem um dos maiores problemas sob o aspecto da biossegurança, visto que, por ausência de informação e conhecimento ou sob “a luz” do negacionismo, se expõem com maior facilidade e maior frequência, expondo também outras pessoas ao contágio.
Ao longo da pandemia, alguns agravantes foram sendo identificados. Um deles é com relação ao R0, parâmetro que indica a velocidade de propagação de uma doença, podendo ser avaliado pelo seu número básico de reprodução. Para a epidemia de Influenza A H1N1, em 2009, o R0 apresentou valores entre 1,3 e 1,8, ou seja, que uma pessoa infectada é capaz de infectar de 1,3 a 1,8 pessoas. Para comparação, as estimativas iniciais de R0 para o SARS-CoV-2 variam de 1,6 a 4,1, com a ocorrência cientificamente comprovada de superdisseminadores ou superpropagadores, pessoas capazes de infectar até 100 pessoas em um único encontro. Mesmo assim vemos corriqueiramente imagens de festas, bares lotados, praias cheias, centro de compras movimentados. Não acompanhando esse ritmo, temos as Unidades de Terapia Intensiva que carecem de falta de ventilação mecânica, profissionais aptos a operar os equipamentos e a escassez de medicamentos importantes para sedação de pacientes. Em resumo, temos um colapso na saúde e no bom senso das pessoas.
Além disso, um grupo formado por idosos e pessoas acometidas por comorbidades é considerado como o mais suscetível a desenvolver a forma mais grave da Covid-19, dentre estes poderíamos citar: cardiopatas, hipertensivos, pessoas portadoras de doenças imunodeficientes, diabéticos, obesidade e entre outras. Todavia, é de extrema relevância ressaltar que mesmo pessoas com “histórico de atleta” são acometidas pela Covid-19, podem desenvolver a forma mais grave e muitas se tornam vítimas fatais. É preciso entender que o caráter genético individual já foi comprovado como responsável por diferentes formas de reação das pessoas infectadas, não podendo haver generalização para tomada de medidas de biossegurança, a não ser as que recomendam o distanciamento social, uso de máscara e higienização pessoal e de superfícies.
Os principais órgãos ligados à saúde publicaram diversas recomendações de biossegurança desde o início da pandemia, que já sofreram diversas atualizações, possíveis graças as inúmeras “balbúrdias” que vem sendo realizadas em Universidades e Centros de Pesquisa em todo o mundo. No início, a recomendação da OMS era do uso de máscara restrito aos profissionais de saúde. Atualmente, a recomendação é de uso irrestrito de máscara para todas e todos que necessitem sair de casa ou estejam passíveis de qualquer exposição ao vírus. Nunca se acompanhou de forma tão intensa e apreensiva os passos dos cientistas em todo mundo.
E como falar em biossegurança em um cenário em que ultrapassamos a marca de mais de 80 mil óbitos pela Covid-19 e mais de 2 milhões de pessoas comprovadamente infectadas no Brasil? É neste cenário que o Brasil hoje comemora a fase platô em muitos Estados, mas quando uma curva de contágio chega ao platô quer dizer que seu número se encontra estável. Essa estabilidade, na prática, quer dizer que estamos presos no topo da montanha do massacre de mil óbitos (média móvel) por dia no Brasil, só pela Covid-19. Quer dizer que temos uma média móvel de novos contágios em 24h em torno de 36 mil pessoas. Quer dizer que engatamos mais um recorde de contágios em uma semana. Como recompensa os gestores públicos e privados estão flexibilizando os setores. A pandemia da desinformação e da má gestão comprovando que o Brasil vive uma pandemia que não consegue quebrar o seu ciclo, falta de políticas públicas destinadas à saúde e à educação, sobretudo quando alguns alegam que “não estão acreditando nesses números”.
Naturalizamos essa tragédia, não apenas porque nos falta empatia. Naturalizamos porque precisamos “enfrentar esse vírus como homem, pô, não como moleque”. Porque precisamos encarar filas desumanas em bancos em busca de informações por um recurso que é ínfimo para sobrevivência de famílias marginalizadas na sociedade. Naturalizamos o trabalho escravo e o chamamos de “empreendedor”, que está tendo que colocar todas as recomendações de biossegurança no bolso para não morrer de fome. Uma lástima que o vírus da Covid-19 e do poder não possuem discernimento pra isso.
Naturalizamos essa tragédia porque o Brasil nos últimos anos desenvolveu as linhas científicas da fake news e com ela vieram diversos kits. Evoluímos do kit gay para o kit Covid-19. Este último contém pílulas mágicas, tais como ivermectina e hidroxicloroquina que encorajam a população a sair às ruas achando que adquiriram superpoderes. Mas é preciso ressaltar que não há medicamentos preventivos à Covid-19, muito menos para tratamento. O que existem são medicamentos que atuam atenuando os sintomas decorrentes da infecção viral, que pode variar de um indivíduo a outro. O que previne à Covid-19 é: distanciamento Social, uso de máscaras, higienização das mãos e superfícies e políticas públicas eficientes ao combate da pandemia do vírus, da miséria e da desinformação.
Mas como é possível ter uma política de biossegurança em nações em que não há ministros da Saúde e da Educação, que o presidente não tem uma agenda política voltada à saúde, e que os dados confiáveis de notificações são emitidos por um consórcio independente de veículos de impressa, porquê para algumas pessoas, “70% vão pegar, não tem como, não vamos nos acovardar” e “todos nós teremos que morrer um dia”.
E com todos esses discursos fantasiosos, a população internalizou que tem que atingir a imunidade de rebanho através da contaminação massiva. Mas o que seria a imunidade de rebanho ou imunidade coletiva então? Ela acontece quando uma certa porcentagem da população é contaminada e, assim, ganha imunidade, evitando que outras sejam contaminadas. Para isso é importante que a infecção realmente traga imunidade, pelo menos para quem se cura. Todavia, qual seria o preço a ser pago por atingir a imunidade de rebanho através da infecção massiva? As pesquisas indicam que levando em consideração o patamar de 60%¹ para atingir a imunização coletiva, precisaríamos de 127 milhões de pessoas infectadas no Brasil e 1,3 milhão de vítimas fatais. Quem estaria apto(a) a se oferecer em sacrifício ou sacrificar os seus em prol da imunização coletiva?
Existiria outra forma de atingirmos a imunidade coletiva sem colocar vidas em sacrifício? Sim, a tão esperada vacina contra Covid-19. Ao total, em todo o mundo, existem 163 pesquisas destinadas ao desenvolvimento da vacina. Talvez, a única coisa positiva que teremos dessa pandemia é que ficou mais claro que investir em Ciência e Tecnologia é investir no presente e futuro da humanidade, deve ser uma prioridade de todas as Nações. Contudo, precisamos ressaltar que a vacina não será aplicada universalmente, e a pergunta é: como será a distribuição? Quem não terá direito? Se seguir o padrão de direito a um respirador e a renda para sobrevivência, já teremos essa resposta. Todavia, enquanto não temos a vacina, precisamos de políticas que garantam a possibilidade de distanciamento social, acesso a produtos de higiene pessoal, informações acessíveis a todas e todos e líderes sensíveis à existência humana.
Qual a viabilidade de elaboração e implementação de Planos de Biossegurança em um contexto negacionista? Em um país que não faz testagem o suficiente? Qual o posicionamento das instituições de Ensino perante o cenário negacionista? Qual o limite entre “estou exercendo um direito democrático” do “estou sendo vetor de uma arma biológica letal à vida”?
No mais, fiquem em casa; se sair, use máscara; mantenha a distância mínima de 1 metro e meio; leve consigo o álcool em gel; mantenha-se informado; alimente-se bem; pratique atividade física e cuide do próximo.
*Soraya Freitas é professora da área de Genética, Melhoramento Genético Animal e Estatística Experimental na Universidade Federal do Amazonas (ICSEZ/UFAM).
Imagem: Pixabay/Reprodução
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