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  14/07/2020 - por Isaac W. Lewis





Há, em nossa sociedade colonizada, uma confusão semântica que considera que o analfabeto absoluto ou o analfabeto funcional tem dificuldade somente em entender, apreender a grafia de letras ou palavras. Entretanto o analfabeto absoluto ou funcional sente imensa dificuldade em compreender, por exemplo, que o céu não existe ou que os anjos não existem e, por conseguinte, não existe paraíso e nem inferno fora do contexto social em que vivem seres humanos. Essa dificuldade surge numa sociedade colonizada onde o conhecimento e a cultura valorizados são os produzidos em metrópoles colonizadoras e aceitos acriticamente. Na verdade, o que os membros da sociedade colonizada assimilam são os reflexos tênues dos conhecimentos (às vezes, pseudoconhecimentos) produzidos em tais metrópoles.

 

Machado de Assis (1839-1908) retratou, ficcionalmente, como a assimilação acrítica de ideias e conhecimentos pode comprometer as ações de uma pessoa. Na novela, “O alienista”, ele apresenta um personagem que voltava da Europa, intoxicado com as últimas descobertas na área da Psicologia. Ele foi residir numa cidade do interior do Rio de Janeiro e conseguiu um cargo de alienista com o prefeito da cidade. Logo, o alienista começou a observar e estudar a população do município e concluiu que todo mundo era louco. E mandou internar todo mundo no hospício.  Certo dia, ele e a esposa preparavam-se para ir a uma festa. Enquanto o alienista aguardava a esposa, ele observou que ela punha e tirava vários vestidos, vários sapatos e demorava a se decidir. Ele concluiu que a esposa também estava contaminada pela loucura. Ele mandou internar a esposa. Logo, o alienista se deu conta de que todos estavam no hospício e só ele não era louco. Ele desconfiou de seu diagnóstico. Ele mandou soltar todo mundo. Então ele se internou. Só ele era louco. A novela termina.

 

Mas a novela fantástica da vida real na sociedade lusobrasileira não termina, apesar da “proclamação da independência” e da “proclamação da república”. Nesta sociedade, um secretário da cultura resolveu ser ator. E como ator, ele protagonizou um papel de um personagem que confunde farsismo com fascismo. O personagem Goebbels que ele pretendeu interpretar representou uma farsa na Alemanha nazista, pois ele não acreditava no que propagava para agradar o führer Hitler e, na vida real, era apaixonado por morenas eslavas que, em sua propaganda, considerava inferiores às louras “arianas”. Mas o nosso secretário da cultura não sabia que Goebbels representava uma farsa e resolveu representar uma farsa da farsa, ou seja, ele assimilou reflexos distorcidos da Alemanha nazista misturados com  reflexos distorcidos da Itália fascista.  Na prática, o secretário da cultura comportou-se mais como um secretário portador de ideias e conhecimentos distorcidos vigentes no Brasil Colônia (século XIX) do que com a ideologia política vigente em países europeus no século XX.   

 

*Isaac Warden Lewis é professor aposentado da Faculdade de Educação/UFAM



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