Atualmente, o número de casos confirmados de COVID-19 está em pleno crescimento no Brasil. O número de óbitos oficiais de COVID-19 supera a marca de 50.000, mas dado o número reduzido de testes efetuados, o número real de óbitos tendo essa doença como causa deve ser bem maior. No atual estágio da pandemia no país, o distanciamento social rigoroso é a única resposta eficaz para mitigar a perda de vidas humanas. Isso é um consenso esmagador na comunidade científica, comparável com aquele da ocorrência do aquecimento global ou da evolução de espécies por seleção natural.
A vida humana é o que a nossa sociedade moderna mais preza. Para ilustrar isso, lembramos que em 2012, em uma mina no Chile, a 700 metros de profundidade 33 mineiros ficaram presos. A mobilização para salvar essas vidas foi enorme, custou em torno de 20 milhões de dólares e o mundo inteiro se emocionou e aplaudiu quando esses mineiros saíram todos da mina com vida. Em 2018 tivemos um acontecimento parecido com uma equipe de futebol de meninos tailandeses com o seu treinador. Esses eventos ilustram quanto a nossa sociedade é disposta a investir em termos de dinheiro e tempo para salvar vidas, se existe um caminho. E para salvar vidas da COVID-19 conhecemos um tal caminho: o distanciamento social rigoroso.
Infelizmente, existe uma concepção equivocada de que a imposição do distanciamento social por parte de governantes é causa da atual crise econômica ou razão pelo seu agravamento. É verdade que possibilitar o cumprimento de medidas de distanciamento social rigorosas por toda a população, em uma sociedade tão desigual como a brasileira, exige esforços econômicos por parte da sociedade e políticas específicas de gestores públicos. Há uma parcela da população que simplesmente não consegue ficar em casa em quarentena sem uma ajuda financeira por parte do governo. Mas mesmo assim, evidências apontam que medidas de distanciamento social não são a causa da crise econômica, mas, pelo contrário, talvez possam até ajudar a amenizá-la.
Para entender isso, consideremos o seguinte. Em tempos normais, uma simples preocupação na população sobre o futuro econômico pode se traduzir em uma queda nos índices de confiança do consumidor, levando a efeitos negativos sobre a economia. Imaginamos então o efeito de uma pandemia nesses índices. Com um vírus respiratório em circulação, um vírus que se mostra capaz de lotar hospitais, naturalmente pessoas vão sair menos para restaurantes, bares e cinemas e vão viajar menos etc. – com, ou sem a imposição de um distanciamento social rigoroso por parte de governantes. De fato, a própria pandemia já possui um efeito extremamente prejudicial na economia.
Ademais, um estudo recente do Massachussetts Institute of Technology (MIT) analisou as respostas de diferentes cidades dos EUA à pandemia da gripe espanhola, que assolou o mundo entre 1918 e 1920. O estudo mostra que cidades que aplicaram medidas importantes de distanciamento social tendiam a sair mais cedo da crise econômica provocada pela pandemia e tiveram menos perdas econômicas. Desta forma, vemos que a própria pandemia é a causa da crise econômica e o distanciamento social pode, na verdade, até ser um remédio. Mesmo assim, a visão equivocada de que a imposição de medidas de distanciamento social é a causa das dificuldades econômicas atuais é muito difundida.
Surge, porém, a pergunta se não existe um remédio mais eficaz do que o distanciamento social rigoroso. Um remédio que salve vidas e combata com mais eficácia a crise econômica causada por essa pandemia. Infelizmente, no atual estágio da pandemia no país não há outro remédio, mas em um ponto anterior da pandemia tínhamos outros caminhos disponíveis. Diz-se que problemas na vida se resolvem muitas vezes de duas maneiras distintas: ou com força bruta ou com inteligência. É muito parecido com a crise gerada por essa pandemia. A solução de força bruta é a do distanciamento social e a solução inteligente seria uma baseada em ciência e tecnologia: por exemplo, com um programa de testagem em larga escala na população, implementado ainda nos estágios iniciais da pandemia. Outros países que fizeram isso, como a Alemanha, a Coreia do Sul e a Islândia, estão em uma posição bem melhor agora do que o nosso país. Contudo, uma tal testagem em larga escala não foi implementada no Brasil - principalmente por falta de preparo tecnológico e científico.
Nos Estados Unidos, o Conselho de Segurança Nacional (National Security Council) possui um “escritório de preparação para pandemias” (pandemic preparedness office) que é responsável para elaborar planos de ações em caso de pandemias e simulações para possíveis cenários de propagação. A resposta à pandemia nos Estados Unidos foi lenta e inicialmente inadequada, mas havia planos de ação para o caso de uma pandemia naquele país. Por outro lado, no Brasil, não há uma tal agência ou escritório e nem existiam tais planos. Isso prejudica com certeza a eficácia da resposta do Brasil a essa pandemia. No mais, foi sugerido repetidamente que o Brasil implementasse um programa de testagem por COVID-19 em larga escala, porém isso seria muito difícil de executar, pois os reagentes necessários estão atualmente em alta demanda mundo afora e o país não tem capacidade de fabricar esses reagentes em quantidade suficiente. Em grande parte, isso é devido à falta de investimento público e privado na ciência e tecnologia no Brasil nos últimos anos - o que parece bastante chocante, considerando que a pandemia não foi só um evento previsível, mas de fato previsto: em setembro 2019, um grupo de especialistas da OMS, chamado Global Preparedness Monitoring Board, alertou para o risco de uma pandemia por um novo coronavírus, recomendando ação urgente por parte de governos. Em consequência da falta de preparo tecnológico e científico, o Brasil precisa agora tomar um remédio bem amargo: o isolamento social e a quarentena.
Fica assim claro que a pandemia é causa, ao mesmo tempo, de uma crise de saúde pública e econômica e que o único remédio do qual dispomos atualmente no Brasil é o distanciamento social rigoroso. A implementação eficaz desse distanciamento é o verdadeiro desafio que se coloca para gestores públicos no Brasil nesse momento. O caminho oposto, o da saída do distanciamento social, não parece ser uma escolha racional à luz das evidências históricas - nem do ponto de vista humano, nem do econômico. Para o futuro, fica a esperança de que, para uma próxima crise dessa envergadura, que inevitavelmente chegará nas próximas décadas, o Brasil disponha de um preparo científico e tecnológico melhor.
*Wilhelm é professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O texto foi originalmente, publicado no dia 26 de junho de 2020, em dmice.ufam. edu.br.
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