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  01/07/2020 - por Cristiano da Silva Paiva





Com as voltas as aulas, voltam os estudantes dos bairros mais populosos da cidade, e com estes, voltam os contatos cruzados com as pessoas nas ruas, nas calçadas, terminais e ônibus. São 40 mil viagens por dia somente na capital e levando em consideração somente a UFAM, sem contar as demais instituições particulares, a UEA e IFAM.

 

Os dados mais recentes a respeito da flexibilização do isolamento social, demonstram que o número de contágios (oficiais) de corona vírus no Estado do Amazonas teve um crescimento de 52,67% e o número de óbitos foi de 28,97%. Ainda que não sejam os alarmantes números do início da pandemia no estado é importante salientar que diversas cidades tem começado a viver a segunda onda de casos. No caso de Manaus, há uma preocupação com o retorno as aulas e parto do pressuposto que o transporte foi e é o grande vetor da doença na capital.
 

A pandemia de corona vírus no território brasileiro evidenciou a inequidade do processo de desenvolvimento do país. A má distribuição da renda e as desigualdades da sociedade brasileira foram traduzidas no espaço urbano em situações diversas, dentre elas a ausência da cidadania. A dualidade urbana presente no contexto das capitais demonstra que há uma cidade formal, esta recebedora dos benefícios da urbanização e do desenvolvimento; e em oposição, a cidade informal, com uma quase inexistente infraestrutura urbana de serviços básicos como rede de esgoto, coleta de lixo, abastecimento de água e precário transporte público.


Uma das resultantes desta “modernização incompleta” na cidade é a face perversa da globalização. Através de novas formas de articulação e acumulação, reforça-se as desigualdades no que consiste ao uso do território. As políticas neoliberais e a seletividade espacial criam ilhas de prosperidade, sem comprometimento com crescimento futuro das cidades e da população, como resultado tem-se o afastamento dos menos favorecidos às ofertas de emprego, renda e torna os demais lugares em espaços de pobreza com deslocamentos precários e demorados.


Na complexidade do espaço urbano, a circulação tem um papel essencial no desenvolvimento das atividades humanas, e sua análise não deve estar limitada apenas às suas dimensões técnicas e econômicas.  Atualmente, são necessários menos de 24 horas em um voo entre a China e o Brasil, o que demonstra que a velocidade de propagação do COVID-19 poderia ter sido muito mais rápida em escala mundial. É neste ponto que moldo o prosseguimento e as discussões deste breve artigo.


Enquanto pesquisador foi possível observar que a disseminação do vírus está diretamente ligada à fluidez dos territórios, pois o vírus tem o seu potencial ligado a circulação e é importante discutir o colapso do sistema de saúde enquanto consequência da falha do modelo de outros sistemas como o financeiro, de transportes, de educação e habitacional da cidade moderna. Neste contexto, proponho uma reflexão a partir de minha dissertação  de mestrado sobre os deslocamentos dos estudantes da UFAM, diante da tentativa de retorno as aulas e o início do “novo normal”.


Os resultados referentes ao bairro de residência dos estudantes de graduação da UFAM apontaram para uma correlação muito forte entre a população dos bairros, a quantidade de matrículas ativas e a utilização do Cartão Passa Fácil. De maneira geral, notou-se que quanto maior a população, maior a quantidade de matrículas e utilização do Cartão Passa Fácil. Desta forma, com a volta às aulas voltam os estudantes dos bairros mais populosos da cidade, e com estes, voltam aos contatos cruzados com as pessoas nas ruas, nas calçadas, terminais e ônibus. São 40 mil viagens por dia somente na capital e levando em consideração somente a UFAM, sem contar as demais instituições particulares, UEA e IFAM.


Durante a pesquisa foi possível constatar que 46% dos estudantes de graduação utilizam o cartão passa fácil para acessar o campus da UFAM, enquanto 54% utilizam outros modos. Na divisão por gênero, é possível observar que a maioria pertence ao feminino, cerca de 56% dos utilizadores, em contraste com os 44% dos utilizadores, do gênero masculino. Com o número insuficiente de coletivos rodando e com a perceptível deterioração do sistema de transportes nos últimos anos, estas pessoas estarão expostas a uma frota de baixas condições de higiene em plena crise sanitária.


Os percursos para o campus apresentam diferentes contextos e estes podem interligar-se. Estas situações são influenciadas pelo caráter fragmentado do tecido urbano de Manaus somado à baixa disposição de vias alternativas para os deslocamentos. Os valores de tempo de percurso, utilizando automóvel e ônibus por bairro demonstra que os bairros da zona oeste e leste são os que apresentam maior tempo de deslocamento até o campus da UFAM. As viagens mais longas por ônibus podem chegar até 2h 54 minutos somente de ida. É de se imaginar a quantidade de contatos cruzados durante este tempo de viagem.


Pesquisas recentes revelam que a circulação de pessoas é o que mais causa a proliferação do vírus, não à toa diversas cidades paralisaram todas as atividades. Vamos supor que os estudantes da UFAM venham de famílias compostas por dois adultos e 2 filhos (dado usado nas operações matemáticas, assumindo que há 20 alunos na sala de aula com um irmão ou irmã cada), no primeiro dia de aula cada aluno será exposto ao contato com 80 pessoas. Esta é apenas uma hipótese para se ter uma base que ocorre apenas se não houver contato com alguém, fora da sala de aula e da casa da família.


No segundo dia, o contato cruzado chegaria a 880 pessoas, considerando exclusivamente as relações sem distanciamento nem máscara da própria classe e as das classes de irmãos e irmãs. A projeção em papel excede 15.000 contatos em três dias. O contágio de uma pessoa desse grupo acarreta um risco automático para todo o grupo e sistema. No entanto, a realidade é que nenhum desses cenários está sendo considerado no planejamento de retorno às aulas no momento.

 

* Cristiano da Silva Paiva é graduado em Geografia e mestre em Geografia Humana pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEOG-UFAM)

 



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