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  01/04/2020 - por Telma Gurgel





Os inimigos duvidam de nossa resiliência
Imaginam eles, que em tempos de derrotas históricas
E de soberania das desilusões,
Não é possível resistência.
Como todos os tolos, pensam que nos derrotaram.
Quanto engano!
Mal sabem eles que trazemos em nós
A coragem para a luta e a leveza da ousadia.
E assim como a centeia do amanhecer de cada dia.
Romperemos com firmeza cada desafio aos nossos sonhos.
Pois seguimos em nossa estrada: a teimosia da esperança!

 


Quando fui convidada a trazer essas reflexões para o boletim da ADUA, a qual agradeço pela oportunidade, a primeira imagem que me veio foi das manifestações do ELE NÃO, em 2018. Naquela oportunidade, para além do fervor eleitoral, se colocava para as mulheres toda sorte de risco, pois estávamos no limiar para a eleição de um presidente que fez e faz de sua carreira política um palanque para a lgbtfobia, racismo, autoritarismo e todo tipo de preconceito de classe e de gênero que possa carregar a história da humanidade.


Ao mesmo tempo que Bolsonaro capitalizava a dupla moral burguesa, como nos falou Kolontai, com a crítica radical aos direitos sexuais e às bandeiras dos direitos humanos, também se apoiava nos interesses da fúria do mercado que buscava aprofundar o processo das reformas no Brasil, em busca de uma maior expropriação do trabalho mediante medidas de desregulamentação, flexibilização das leis trabalhistas e da própria constituição. Na equação das crises na economia e na política representativa, tivemos a concretização da vitória do quem todas temíamos.


Nos primeiros dias de governo já se evidenciaram suas caracteristicas: ultraneoliberal, reacionário e promíscuo. Um governo civil com direção militar, antipobre, misógino, racista e organizado sobre um plano ideológico completamente totalitário que chega até a ser néscio em alguns aspectos (o controle do coronavírus, tem sido emblemático, neste sentido).


Assim estamos nós, sob a égide deste governo que a cada dia tenta empurrar medidas que se traduzem unicamente no princípio da retirada de direitos sociais, do favorecimento do capital financeiro, da minimização do Estado em sua função de distribuição da riqueza nacional. E para tanto tenta a cooptação do congresso (no tradicional toma lá, dá cá), numa maior aproximação com setores conservadores religiosos e com líderes que em nível mundial reproduzem a xenofobia e o fim do Estado de Bem-Estar.


Por outro lado, a esquerda brasileira continua presa às suas referências eleitorais e ainda não conseguiu organizar uma forte resistência a este governo. Com isto, os movimentos sociais são desafiados a cumprir o papel de fazer avançar a conjuntura e apresentar saídas que respondam às demandas reais da classe.
Nesse texto, vou me deter nos desafios para o feminismo, situando-o como um sujeito com múltiplas expressões e com núcleos comuns de interesse sendo assim, um coletivo total com amplas possibilidades de ação política.


Neste sentido, o primeiro desafio seria estabelecer os nexos internos necessários à construção da unidade no campo do feminismo no Brasil. Quais as lutas demandadas pelas mulheres? Qual a avaliação que temos da conjuntura que pode nos aproximar na ação política? Estas reflexões são centrais neste momento de confronto direto e permanente com o governo atual.


Isto porque todo processo de redução das políticas sociais públicas atinge primeiramente as mulheres. Pois somos nós que nos responsabilizamos diretamente pela busca de serviços, programas e benefícios sociais para a família. E quando estes serviços falham são as mães, filhas, irmãs, avós, vizinhas ou comadres que ficam em casa em substituição ao Estado.


Assim, a luta por políticas públicas está na ordem do dia como em outras conjunturas em que o movimento conseguiu ampliar as ações governamentais, mesmo em tempos de redução dos espaços de reivindicação como foi a luta contra a carestia em plena Ditadura Militar.


Nesta direção, quanto mais o movimento se acerca do Estado nas reivindicações por políticas por meio da pressão direta das mulheres populares, mas se evidenciará a contradição entre as medidas de ajustes fiscais e as necessidades imediatas das famílias da classe trabalhadora. Tal indício pode também impulsionar a consciência feminista como nos lembra Cisne no sentido do questionamento ao próprio capitalismo e na defesa de um novo tipo de Estado e de uma nova relação entre a política e a economia.


O desafio é romper a bolha, chegar na periferia. Construir um feminismo radical e popular!!!


Como sabemos desde a campanha, o governo Bolsonaro detém uma base popular religiosa fundamentalista que precisa ser bem avaliada, mapeada e apreendida em toda sua complexidade.


Por outro lado, essa base está justamente nas periferias e nas comunidades num processo contínuo de convencimento em nome da prosperidade e da solidariedade dos irmãos e das irmãs de fé. Dentro de certas igrejas se vivencia além do controle da vida privada, uma rede de apoio que atinge todas as esferas da vida e da necessidade individual de tal forma que a pessoa se sente em dívida permanente com a comunidade que lhe estendeu a mão.


O feminismo, assim como a esquerda, deve ser capaz de compreender este fenômeno e traçar estratégias que consiga politizar o sentido da solidariedade de classe e impulsione a compreensão de que a realidade é uma construção histórica e não resultado de vontade superior e transcendente. Como fazer isto?


A experiência dos mutirões, feiras comunitárias, centros de distribuição de alimentos e restaurantes coletivos de alguns movimentos sociais, associações profissionais ou de moradores e grupos de mulheres em bairros pode ser destacada como um caminho importante a ser percorrido. São espaços de comunhão de projetos e desafios, de troca de saídas e de solidariedade que devem ser fortalecidos, principalmente em tempos de domínio do empreendedorismo.


Outro aspecto é nosso diálogo com as religiões e com as mulheres de fé. Temos muitas feministas no interior das igrejas e das religiões, elas cumprem um papel importante em seus espaços. Sem dúvida sem esta presença inquietante seria bem mais difícil a construção deste diálogo. Precisamos dialogar e nos aproximar destes grupos numa dupla direção de fortalecimento em que haja o reconhecimento das diferenças de crenças e a abertura para novas alianças políticas.


O desafio é politizar o sentido da fé na concretude da vida cotidiana!


Outro demarcador importante do governo Bolsonaro é seu ataque frontal aos direitos humanos e sua tática de destilar o ódio e instigar a violência contra os segmentos ou corpos sociais que confrontam o paradigma patriarcal e os “ bons costumes”.


Neste contexto, temos como desafio avançar na denúncia da violência contra a mulher em todas as suas dimensões e, em particular, sobre o feminicídio que teve uma considerável alta, de 7,3% em 2019, comparado com o ano anterior. No período do coronavírus, as denúncias de violência doméstica subiram 50%, no Rio de Janeiro, somente na primeira semana de confinamento, em março.


Na mesmo direção, o Brasil ainda se configura como um dos países com o maior número de crimes contra travesti, entre elas as mulheres trans. Crimes que, na maioria das vezes, são de alta crueldade e violência.


Ainda no campo dos direitos humanos, com o governo Bolsonaro mediante a continuidade da política de combate às drogas se aprofunda a política de “ morte aos pobres ” em que as balas perdidas e os “erros de operação” têm uma direção certa: os jovens negros das comunidades.


Por outro lado, o Estado faz vista grossa para a disputa de território entre as diversas facções do crime organizado pelo país, que soma números alarmantes que indicam o extermínio de toda uma geração de jovens da periferia.


Deste modo o feminismo se desafia a debater sobre a violência contra a mulher em relação com sua expressão estrutural, bem como em torno da violência do Estado que se expressa também por meio do racismo institucional, das violações de lares na periferia e da impunidade de policiais.


O desafio é relacionar as diversas violências que recortam a vida das mulheres nas periferias!!


Por fim, temos a provocação de manter viva a chama da rebeldia permanente. Devemos avançar na construção e fortalecimento de um movimento de mulheres amplo, com uma perspectiva de classe que acumule experiências com a luta popular e suas táticas, autônomo frente a governo, partidos e sindicatos. Que aprofunde o sentido da sororidade, como aliança política entre as mulheres. Com um programa que consiga articular a luta por políticas, com a crítica ao Estado em sua submissão aos interesses de mercado.


Talvez estas tarefas sejam difíceis e demoradas, mas isto não será um problema, pois trazemos em nós a teimosia da esperança


Telma Gurgel é professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais, pesquisadora do Grupo de Estudos Feministas- GEF/UERN e participante do Núcleo de Estudos sobre a Mulher 'Simone de Beauvoir".    

 



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