Numa sociedade escravagista, colonizada, a coisa mais patética era um escravo que considerava natural ser escravo. Do mesmo modo, era patético traficante, senhor e senhora escravagistas considerarem natural e normal escravizar seres humanos em nome de Cristo. Já, numa sociedade colonizada, pseudo independente, como o Brasil que proclamou a independência de Portugal através da proclamação do príncipe herdeiro de Portugal, transferindo a política de colonização e espoliação do Brasil para a Inglaterra, país imperial hegemônico no século XIX, a coisa mais patética era um colonizado que considerava natural ser colonizado. A classe favorecida (traficantes, senhores e senhoras de escravos) do império falido de Portugal acreditava que se tornaria moderna, burguesa sob o império britânico. Ledo engano, pois independência política sem descolonização política é simulacro de independência.
Numa república de um país colonizado, também proclamada para inglês ver e não para usufruto de cidadãos nacionais, continuou e continua prevalecendo costumes, ideias, práticas desenvolvidas e assimiladas durante o período colonial português, como, por exemplo, as classes emergentes (latifundiários, pequenos burgueses, proletários, camponeses) imaginarem que vivem em um país livre e independente, aliado “voluntariamente” a um país imperial de plantão. Por isso mesmo, as classes favorecidas nunca compreenderam que, numa república democrática, deveria prevalecer a igualdade de acesso a direitos, à justiça e às condições dignas de vida para todos (civis, militares e policiais).
Nesse contexto pós-colonial, pode ser surpreendente que um descendente de negros/negras africanos/africanas escravizados/as insista em assumir a presidência da Fundação Cultural Palmares, instituição criada para resgatar a verdadeira história de lutas, sacrifícios, vitórias e derrotas de negros/negras na diáspora, afirmando peremptoriamente que a escravidão foi benéfica para os africanos escravizados pela força, violência e desumanidade cristã por traficantes, senhores e senhoras escravagistas interessados na exploração da força do trabalho dos escravizados. Essa declaração de um descendente de africanos/as escravizados/as é patética. É patética também a sua disposição para assumir um cargo de uma instituição que ele considera desnecessária. O Sr. Sérgio Camargo não se limita a ser patético na declaração e ação mencionadas acima. Ele consegue ser ainda mais patético quando afirma ser conservador e burguês. Percebemos que esse cidadão vive na ilusão da mesma forma que os outros membros das classes favorecidas emergentes, pois todos eles não se dão conta de que a pseudo burguesia brasileira está longe de pertencer a um clube restrito e seleto da burguesia dos países colonizadores.
O Senhor Sérgio Camargo desrespeita os seus antepassados escravizados e todos os antepassados de afro-brasileiras/os que viveram/vivem e lutaram/lutam dignamente para manter vivas sua cultura, sua história e suas tradições. Portanto não se trata de questão de opinião do Senhor Sérgio Camargo. Trata-se, na realidade, de ignorância e pura alienação.
Isaac Warden Lewis é Professor aposentado da Faculdade de Educação - UFAM
|