Há um ano, a estrutura do Ministério da Educação passou por alterações profundas e não explicadas à sociedade brasileira. A criação, por meio do Decreto nº 9.467/2019, da subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares é uma delas tornando-se o instrumento por meio do qual o Governo Jair Bolsonaro pretende avançar na política de militarização da Educação.
A experiência, neste século, tem como projeto-piloto um conjunto de escolas instaladas no Distrito Federal e, aproximadamente, uma população de 7 mil estudantes dessas unidades. A estas irão se juntar outras escolas por motivações difusas, pelo medo, por imposição das instâncias de poder nos Estados e nos municípios sob o afago de ter fatias mais gordas de recursos financeiros.
É urgente e crucial problematizar já o tema militarização da educação ou a educação militarizada. Exige ser enxergado como pauta prioritária e debatido, amplamente, nas escolas, nas comunidades, no parlamento, nas instâncias de representação de professores, estudantes e comunitários. Prevaleceu até este momento a determinação do presidente da República e de assessores mais próximos em fazer valer uma percepção prevalente sobre o terreno da educação brasileira. Aquela de viés ideológico militar.
Por que militarizar a educação? Seria essa a resposta solucionadora das questões de fundo nessa área? Que tipo de estudo foi feito para a tomada de decisão abrupta (no dia seguinte após a posse do novo governo), de redirecionamento do modelo educacional do País? Ou se trata de mais um ato no escuro, movido pela política apequenada, a ideia de revanche e nocaute típica das lutas de rua de outros tempos e muito distante do pensar e agir no setor da educação?
Entre as nuanças dos elementos motivacionais para fomentar um modelo militar de educação em nível nacional aparece o efeito duplo violência-segurança pública. O remédio ao mal do qual somos vítimas nesse novo arranjo do governo brasileiro é fomentar escolas cívico-militares na suposição de que nesse tipo de ambiente a violência, o medo e a insegurança não existem. Em si, o ato em execução é a expressão do autoritarismo que cerca a abordagem do tema.
A nota técnica confeccionada por um grupo de especialistas em Educação, e lançada em março de 2019 pelo Centro de Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (pode ser acessada em redebrasilatual.com.br), apresenta indicadores relevantes e oportunos. Ajuda a compreender o que está ocorrendo, situar o tamanho do problema produzido pelo governo, e a buscar formas de lidar, criticamente, com as tensões em andamento a fim de que sejam construídos posicionamentos mais coletivos por parte dos que atuam no setor da Educação (professores, estudantes, técnicos-administrativos) e da sociedade civil.
Dois aspectos são aqui reproduzidos: um sobre a responsabilidade da escola pública no Brasil, com 50 milhões de estudantes em 150 mil escolas. A gestão desse universo cabe aos Estados e aos municípios enquanto as escolas militares estão subordinadas ao Departamento de Educação e Cultura do Exército, ou seja, a um ente federal, e foram criadas dentro de uma modelagem voltada ao atendimento da demanda produzida pelos dependentes dos militares. São 15 mil estudantes e 13 escolas militares (dados de 2019).
A decisão do governo Bolsonaro em relação ao fomento é marcada pela disparidade entre um e outro modelo de escola. Na escola cívico-militar, o orçamento anual previsto é de R$ 19 mil por aluno da escola, e, na escola pública, R$ 6 mil, em igual período.
Se mantido o que dispõe o Decreto nº 9.467/2019, e a ele reunidos outros elementos da disputa por espaço de poder, o país marcado pela desigualdade normatizará outros patamares do tratamento desigual. Na Educação, colocada como uma das plataformas mais significativas do mundo para a construção de caminhos que superem a desigualdade e promovam a formação de sujeitos ativos, livres e autônomos, o governo do Brasil insiste noutra direção.
Enquanto uma porção de brasileiros e brasileiras lutam, há décadas, pela instituição efetiva do direito à educação, do acesso à escola e da existência de escolas decentes, pluriétnicas, o outro projeto é imposto. Autoriza aumentar os guetos, proporcionar privilégios e fazer da obediência servil uma postura de vida. Os povos da Amazônia, submetidos a severos projetos de encaixamento educacional, fazem da resiliência um jeito de enfrentar os estragos realizados, superá-los e instaurar outros saberes, outras pedagogias que contemplem a performance de suas culturas em diálogo com as outras experiências. Este deveria ser, hoje, o compromisso do governo brasileiro.
A escola é parte do ambiente de formação baseado em princípios de um longo tecimento da pedagogia da autonomia onde o ato de ensinar se realiza na capacidade de “ler o mundo” e transformar aquilo que oprime, adoece e desrespeita os humanos e não humanos desse mundo.
A liberdade restringida, como pressupõe a militarização na educação, é típica de regimes fechados e, na história das sociedades, sejam elas no Ocidente ou no Oriente, tem provocado pesadelos, confrontos, mortes, e gerado um saldo em milhões de pessoas doentes, transtornadas, infelizes.
Não é este o caminho do Brasil. O atalho dado a partir do resultado das eleições de 2018 tenta nos conformizar nele. Aceitaremos ou seguiremos em marcha na estrada das lutas por um país onde a educação pública seja recepcionada na porta da frente da nação e esteja firmemente entrelaçada ao projeto permanente da construção de uma sociedade democrática?
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