Há 55 anos o Brasil foi atirado a um dos períodos mais sombrios de sua história. O Golpe Militar que em 1964 instalou a Ditadura no país foi responsável direto por um longo – longuíssimo! – e traumático período de exceção que, de certa forma, ainda hoje marca negativamente a vida brasileira.
21 anos de tirania militar com o apoio de civis colaboracionistas, civis aliados reduzidos a funções técnicas e a submissão política. 21 anos em que o arbítrio dos quartéis comandou o medo, a perseguição, a desconfiança de tudo e de todos, o denuncismo, a tristeza, o medo de ser livre e a vergonha de ser brasileiro.
Para todos nós que vivemos o pesadelo da Ditadura, qualquer referência mais tênue aos “anos de chumbo” do Regime Militar é eufemismo inaceitável com o propósito de apagar da história e das mentes a tragédia cívica que foi o Golpe e o seu Regime Militar.
“Saudades da Ditadura”, “ditamole”, “redentora”, termos e expressões usados no passado, ou “movimento” e “revolução democrática”, como mais recentemente alguns pretendem conceituar, é revisionismo grotesco que só interessa a membros das forças armadas e àqueles que se fizeram cúmplices dos militares no poder usufruindo benefícios que hoje buscam preservar.
Não há como negar: a Ditadura foi o episódio de maior violência na história recente da vida brasileira. Mesmo as promessas de “Brasil Grande”, os empreendimentos faraônicos de um país dito “em desenvolvimento” e a conquista do tri campeonato mundial de futebol em 1970, feitos explorados à exaustão na propaganda oficial do regime, não faziam os brasileiros esquecerem o trauma de viver sob a Ditadura.
Como explicar que apenas 54 anos após a Ditadura os eleitores brasileiros elegeram para Presidente da República uma pessoa do perfil de Jair Bolsonaro? Um militar de baixa patente, com vasto comprometimento ético e moral em sua trajetória de quartel, e um parlamentar de desempenho medíocre, que pautou a sua campanha à presidência na pregação do ódio, no defesa da Ditadura e da prática da tortura, no elogio a torturadores.
Tentar compreender as motivações que levaram a maior parte dos eleitores a confiar em Bolsonaro como Presidente do país é tarefa difícil, e que está além do propósito e limites deste artigo.
Que Jair Messias Bolsonaro é uma pessoa de pouco senso, todos sabemos. Em seu primeiro ano de mandato, como a querer se desculpar perante os seus antigos superiores que no passado lhe expulsaram da corporação militar e que hoje ocupam postos no seu governo, Bolsonaro decretou ao país a “comemoração” da Ditadura.
Mas, “comemorar” a Ditadura e tudo que ela representou e representa para a vida brasileira não é só debochar da história recente do país, é uma afronta a todos que resistiram à imposição das armas. É, principalmente, um desrespeito à memória daqueles que perderam as suas vidas enfrentando o terrorismo do Estado militar para que os brasileiros voltassem a ter a possibilidade de ser e viver livres.
A Ditadura, seja a “descarada”, imposta ao país e ao seu povo pelo Golpe Militar de 1964, seja a de agora, disfarçada, camuflada, com os resultados das urnas, reeditada pelo arbítrio militar no poder, não é para ser comemorada, ou qualquer outro termo que de modo escamoteado tenha por objetivo celebrar o desastre democrático que foi o regime militar que o governo Bolsonaro pretende reeditar no país.
Depois de tudo que o país e o seu povo passou sob o peso da Ditadura Militar, o que mais precisamos é respeito cívico, para voltarmos a nos orgulhar enquanto nação. Respeito cívico e orgulho nacional não são impostos de cima para baixo, não são criados por decretos lei, não são ditados por ordens do dia, são construções coletivas afirmadas no exercício da cidadania livre, são conquistas partilhadas das quais o povo não pode ser excluído.
A Ditadura Militar não é algo a ser esquecido. A Ditadura é para ser revista criticamente, para ser pensada como alerta para que fatos desta ordem não mais voltem a se repetir como um imperdoável acontecimento errático da história que mancha a vida democrática do país e de seu povo.
Lino João de Oliveira Neves, Departamento de Antropologia, Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
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