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  13/01/2020 - por Alfredo Coello





Apresentação

 


Como parte das comemorações pelos seus 40 anos de resistência na defesa dos direitos das/os docentes de ensino superior, a atual direção da ADUA-SSind. decidiu criar uma revista dedicada à reflexão crítica sobre o nosso país, a nossa sociedade e a nossa Universidade, uma revista de estudos e debates sobre o nosso tempo e os temas que nos dizem respeito.

 


Nesse sentido, o nome da nossa revista não poderia ser outro: Resistências – Revista da ADUA, afirmando o papel do nosso sindicato e de cada um de nós como sujeitos políticos críticos no mundo e resistentes no tempo em que vivemos.

 


Para este primeiro número, o tema escolhido foi Ecos e permanência da Ditadura na Amazônia. Com esse tema, Resistências aprofunda o debate sobre o atual momento político que vive o Brasil, inegavelmente um momento delicado, marcado por permanente crise política que se arrasta já há vários anos, colocando em risco tanto as instituições nacionais como as próprias condições de vida em sociedade.

 


Evidentemente a escolha deste tema não foi gratuita. Inegavelmente podemos caracterizar o governo Bolsonaro e os interesses que se uniram para levá-lo ao poder como uma reedição da Ditadura de 1964-1985, uma Ditadura Reeditada, inquestionavelmente piorada, se é que pode alguma ditadura ser considerada como melhor que outra.

 


Vale a pena lembrar as palavras de Florestan Fernandes em seu artigo “O significado da ditadura militar”, publicado em 1997, ao analisar as alianças de interesses que levaram ao golpe de 1964, palavras premonitórias e incrivelmente oportunas para descrever os dias atuais em nosso país: “[...] Os fios da contrarrevolução chegam aos nossos dias e de uma perspectiva militar que empobrece e inquieta as próprias forças armadas. [...] A ditadura, como constelação social de um bloco histórico de estratos militares e civis, não se.[...] A hegemonia militar perde [perdeu] terreno. A posição estratégica das elites militares – antigas ou renovadas – adquire, todavia, perspectivas de duração e de influência ultracompensadoras. Aquelas elites fixam-se ainda mais como esteio da defesa da ordem. Em suma, elas desprenderam-se da batalha militar (que não ultrapassou a encenação e alguns combates singulares), mas ganharam a guerra política. [...]” (Fernandes, 1997, 147-148).

 


Se hoje podemos dizer que vivemos uma ditadura disfarçada, devemos reconhecer que essa é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, uma vez que a concepção de país e sociedade que têm os militares hoje no poder, e os civis que a eles se aliam, é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, que levou o país aos desastrosos 21 anos Regime Militar e Ditadura.

 


Em sua maioria, os artigos reunidos neste nº 1 de Resistências foram escritos por colegas docentes da Ufam e outras Universidades, que responderam à “chamada para artigo” de parte da ADUA. Os 28 artigos aqui reunidos apresentam formatos diversos – ensaios, testemunhos, artigos de opinião e artigos acadêmicos – conformando quatro seções:

 


- Abrindo o Debate, seção especial com o mencionado artigo de Florestan, que, atualíssimo, lança luzes sobre o atual contexto político brasileiro;
- Ecos da Ditadura na Amazônia, artigos que discutem o impacto e efeitos da Ditadura na formação pessoal e da sociedade local amazonense;
- Permanências da Ditadura, artigos que analisam a herança do Regime Militar e da Ditadura ainda hoje presentes na vida nacional.
- A Ditadura Reeditada, seção especial com o artigo “Conspiração e corrupção: uma hipótese muito provável”, de José Luís Fiori e William Nozaki, que explicita antigos interesses sempre renovados, que constrangem a política nacional à “conspiração” por regimes de exceção, que assinala estratégias, sempre renovadas, de perpetuação da subordinação nacional a interesses imperialistas.

 

 

Com Resistências, a Diretoria da ADUA convida à reflexão crítica sobre o tempo em que vivemos, condição indispensável para a construção de uma sociedade mais justa, que acreditamos seja o propósito de todos nós docentes, sindicalizados ou não.
 

 

Boa leitura a todas e a todos!

 

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Um Brasil de Horizontes Nublados

Em memória: Carlos Moreira Neto

“A memória é a sentinela do cérebro”
William Shakespeare (Sonhos de uma noite de verão)

“Somos a memória que temos e a responsabilidade
que assumimos. Sem memória não existimos e sem
responsabilidade, talvez, não mereçamos existir.”
José Saramago (Cadernos de Lanzarote)


Um dia de domingo, 7 de setembro de 1969, chegam ao aeroporto internacional “Benito Juárez”, à cidade do México, quinze cidadãos brasileiros. Viajam a bordo de um avião Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB). Quem são estes brasileiros e por que chegaram ao México? Uma rápida resposta: são cidadãos que tomaram consciência crítica de seu momento histórico e participaram, desde diferentes campos de ação, na resistência contra a Ditadura Militar que se instalou no poder de seu país e com um Golpe Militar destituiu o presidente João Goulart em março de 1964.


São dirigentes do movimento estudantil, são dirigentes do movimento sindical de trabalhadores na indústria, são dirigentes do movimento de trabalhadores rurais no Brasil, também são jornalistas e intelectuais; que nesse momento histórico vivem oprimidos sob a bota militar. Todos eles foram presos e brutalmente torturados nas masmorras dos cárceres militares em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mas, por que estão chegando ao México naquele domingo que jamais esquecerão em suas vidas?


Aqui vai a explicação: acontece que no dia 4 de setembro de 1969 o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Ebrik, foi sequestrado por um comando da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). A notícia foge ao controle com que os militares oprimiam os meios de comunicação sujeitos à censura. Alguns jornais e estações de rádio publicam uma carta redigida pelo mesmíssimo embaixador, nesta a exigência é libertar quinze presos políticos em troca do diplomata estadunidense.


A Junta Militar “brasileira”, sob pressão de Nixon, cede e decide que será no México que se efetuará a troca de quinze seres humanos por um.


Brasil: é país pioneiro na América Latina a implementar a Lei de Segurança Nacional (1968), até então inédita em qualquer país de nosso continente. O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) decreta o que todo mundo já sabe: criminalizar a oposição e, inclusive, permissão para matar, torturar e desaparecer cidadãos de seu próprio país que tiveram diferenças com a ideologia militar que usurpou o processo democrático em que vivia o Brasil nos anos 1960. Como sucedeu? Com um Golpe Militar.


Qualquer coincidência com os tempos de hoje, nesta segunda década do século XXI, é tristemente uma coincidência difícil de acreditar. Talvez tinha razão John Dewey quando afirmou que: “O que ocorre no passado volta a ser vivido na memória”.  Com exceção de que, nos dias de 2019, os mesmos slogans fascistas e práticas ideológicas vividas naquela década dos anos sessenta e até oitenta no Brasil se repetem na realidade.


Aparentemente, ao final da segunda década do século XXI, o setor “universitário” que decidiu votar em “liberdade para eleger” um presidente militar, esqueceu a História de seu país. Hoje são abundantes, em nível internacional, as análises críticas de historiadores, politólogos, sociólogos, antropólogos e jornalistas, que caracterizam o atual governo brasileiro como neofascista. Aqui, então, está a coincidência atual com os fascistas da Ditadura Militar de 64. O fascismo é o regime em que a soberania pertence (de fato, e não de direito) a um partido militarizado que delega o poder a um caudilho, enquanto este viva. Sobram exemplos: Hitler, Mussolini… É uma definição clássica. E, por isso, é necessário deixar claro que se fala de neofascismo e não de fascismo clássico. É uma primeira abordagem à sua definição “moderna”. Bem, no Brasil, diríamos que boa parte da sociedade foi "democraticamente" usada e alienada e votou nas fake news e não em um candidato. Resultado: demência e ignorância dominam o cenário brasileiro hoje.


A pergunta necessária que deve ser feita hoje: é deste período selvagem de Ditadura que têm saudade as “massas populares” que saíram às ruas para manifestar a favor do neofascismo em seu país? Saudade da tortura, da violação dos direitos humanos; saudade da violência contra a dignidade de cidadania; saudade da possibilidade de que as suas filhas, irmãs, primas ou mães jovens bonitas, nunca as feias, sejam violadas fisicamente por um presidente racista, homofóbico, psicopata e fascista hoje no poder? Minha Nossa Senhora! E nisso, onde foi parar a saudade da alegria e do sorriso moreno dos Povos Indígenas, do mulato, do negro e do branco, amarelo, vermelho ou azul e de todas as cores que brilham humanas neste belo país que, embora hoje triste, se chama Brasil? Minha Nossa Senhora!


Falemos, pois, do contexto histórico em que no final dos anos 1960 se movia o mundo,  na Europa, no Japão, na China e em boa parte das capitais da América do Norte e da América Latina, quando os movimentos estudantis brotavam em sua rebeldia e questionavam o poder autoritário de seus governos. A rebelião era contra o Estado repressor. França é um dos paradigmas mais recorrentes para demonstrar como os estudantes unidos aos trabalhadores em seus protestos e nas ruas de Paris questionam e põem em xeque o poder déspota dos Estados em todo o mundo. Às manifestações estudantis se unem mais de dez milhões de trabalhadores apoiando o movimento dos estudantes da Universidade de Sorbonne, na Semana Raivosa, no bairro Latino de Paris.


É maio de 1968 e os slogans que os jovens estudantes exigiam correram o mundo: “Proibido Proibir”, “A Imaginação ao Poder”, “Sejamos Realistas, Exijamos o Impossível”, “Vocês devem abrir o cérebro todos os dias e tantas
vezes como a braguilha” e muitas mais, hoje tão atuais como nos anos 1960 do século passado.


Como e por que no Brasil a grande maioria dos estudantes universitários, ignorava a realidade dos estudantes em outros países? Por que toda uma geração de jovens brasileiros não leram Marx ou Kropotkin? Porque estava proibido pelos militares ler, pensar, criticar. Porque os militares que “governaram o país” não pensavam, não liam senão suas ordens e tampouco estavam capacitados politicamente para dirigir, no contexto internacional, una economia tão importante como a brasileira. Foram os militares que geraram a maior dívida econômica, até os dias atuais, de seu país no período de Ditadura Militar.


A Década Prodigiosa dos anos 1960 decretava na voz do poeta Beat Allen Ginsberg, em seu poema “Howl” (Uivo): “Estou contigo em Rockland onde as faculdades do crânio já não admitem os parasitas dos sentidos”.  Também nos muros da Universidade de Sorbonne, em Paris, apareciam tintas de uma geração que pintava suas demandas, suas reivindicações de pertencer como geração a um futuro incerto, ou então: “Nas avaliações, respondam com perguntas”.


O leitor deste escrito se preguntará: E o que tem a ver esta história com o Golpe Militar dos gorilas em 1964? ¡Por favor!, diriam os jovens estudantes do mundo em 1968 com muita razão. “Vocês devem abrir o cérebro todos os dias e tantas vezes como a braguilha”. Em 1968 o movimento estudantil em São Paulo e no Rio de Janeiro foi brutalmente reprimido: já é clássica a lembrança do dia que a polícia militar entrou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e prendeu Caetano Veloso e Gilberto Gil e os mandou para o exílio em Londres. 


Os militares expulsam de seu país os melhores cérebros. O exílio forçado ou voluntário de cientistas e artistas ameaçados de morte foi resultado do simples fato de contribuírem com sua inteligência e conhecimento crítico para um mundo livre e de liberdade no Brasil que começava a caminhar, alegre e saudavelmente para o seu futuro. A fuga de cérebros foi massiva depois do Golpe Militar em 1964. Um Golpe. Em termos sociológicos e de teoria política, “Golpe” não se define como “Revolução”, como pretende fazer acreditar uma historiografia golpista.


A escuridão atravessa todas as palavras de liberdade, ameaça as calçadas de sua vida com baionetas militares. A sombra das palavras "ordem e progresso" semeia medo em todas as portas e janelas do povo brasileiro, para que a história se esconda nas prateleiras de uma memória perdida de muitas memórias perdidas. A memória hoje não é a simples lembrança do passado; é um ato comemorativo do presente. 


“A memória não é útil apenas para adquirir bolsa de estudos, mas também para a conduta da vida. É a memória de eventos passados que dá um exemplo para deliberar sabiamente sobre os próximos eventos.” (Plauto). 


É necessário falar e lembrar os anos 1960 em outros países, para que os estudantes de hoje nas universidades no Brasil conheçam e aprendam, estudem, saibam e analisem em suas aulas e comparem o momento histórico que viveram os seus pais ou avós em 68 sob a ditadura fascista-militar brasileira e o que eles vivem hoje 55 anos depois.

 

Alfredo Coello, Antropólogo Social, pessoa240156@gmail.com



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