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  27/11/2019 - por Emilson Frota de Lima e José Mário dos Santos Ferreira





 

O racismo no Brasil é fato e, como um câncer social, está presente em todos os setores da nossa sociedade, na escola, na família, no trabalho, na política, enfim está disseminado por todas as partes. Nas universidades o racismo já era percebido há muito tempo pela cor, raça e gênero, mas com o advento das cotas e da inserção de grupos ditos “diferentes” - como é o caso dos indígenas - o racismo contra esse grupo é mais recente. Isso porque não havia muitos indígenas nas universidades e os que transitavam por lá, muitas vezes, passavam despercebidos ou eram usados como vitrine. A partir das entradas dos indígenas, principalmente por cotas e programas/projetos governamentais, iniciou-se uma caça às bruxas, sendo estes indivíduos alvos de extrema perseguição étnica, começando uma longa discriminação, preconceito e racismo contra este grupo. A situação em muitas universidades chegou ao extremo de se criar grupos somente para discutir a continuação ou não das cotas. Circulam, nos corredores dessas instituições, grupos de universitários que, sem nenhum pudor, violentavam psicologicamente discentes indígenas batendo em seus ombros dizendo frases pejorativas como: “Passou na cota né, índio?”


O racismo contra as minorias não afeta apenas as possibilidades de acesso de povos indígenas ao ensino superior, mas principalmente a qualidade na formação que estas instituições universitárias disponibilizam, comprometendo a formação de cidadãos conscientes e da opinião pública. Se não bastasse isso, o racismo afeta drasticamente, na maioria das vezes, a formação de professores indígenas que saem das universidades com destino às salas de aulas de suas comunidades, irradiando o racismo para o sistema da educação.  Essa situação prejudica não só as pessoas e aldeias desses povos indígenas, mas todos em sua volta como a sociedade envolvente que fica privada dos conhecimentos sócio-culturais desses povos que poderiam solucionar problemas sociais e ambientais.


O racismo, seja em qualquer lugar e contra qualquer indivíduo, é intolerável. Vivemos em pleno século XXI, sendo inconcebível que a discriminação, ainda, ocorra tão descaradamente em setores que deveriam combater esse tipo de ação, como a discriminação étnico-racial que aflora, segundo nossa percepção, unicamente pelo fato de que os indígenas estão ousando ocupar lugares que, supostamente, não os pertencem, pois, retira de cena o filho do juiz, do promotor, do médico, do advogado e assim por diante. No entanto, os povos indígenas estão no lugar que de fato e de direito os pertencem e constitui dever do Estado fazer a reparação da dívida que se arrasta pela história desse país com os povos indígenas.


O acesso de estudantes indígenas nas grandes universidades brasileiras


O número de ingressantes e concluintes indígenas nas universidades públicas e privadas do país aumentou significativamente em 2016 em relação a 2015. De acordo com dados mais recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de alunos ingressantes cresceu 52,5% e o de concluintes, 32,18%. A mudança no tecido social das universidades brasileiras está nos relatórios do último Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação em 2017. A pesquisa mostra que o número de indígenas matriculados em instituições públicas e privadas cresceu 52,5% de 2015 para 2016, passando de 32.147 para 49.026.

 

Os progressos na Educação Escolar Indígena têm contribuído para que cada vez mais estudantes se interessem em cursar o nível superior. As ações afirmativas e as políticas específicas também protagonizam a boa notícia. No entanto, inúmeros são os desafios enfrentados para o ingresso e permanência na universidade.


A Funai tem participado ativamente na articulação, junto ao Ministério da Educação e às instituições de ensino superior, no intuito de contribuir para a efetivação e aperfeiçoamento de políticas públicas para esse fim, por meio de convênios, acordos, análises técnicas e participações em comitês específicos. A Universidade de Brasília (UnB) é uma das instituições que mantêm Acordo de Cooperação Técnica com a Funai, firmado em 2015, que por meio do Acordo 002, prevê a supervisão técnica do Vestibular Indígena que abre vagas anualmente para diversos cursos. Atualmente, a UnB mantém em seu quadro 142 estudantes indígenas e mais 38 aprovados em 2018, no último vestibular, ingressarão.


Os dados expostos acima mostram um número significante de ingresso de indígenas nas universidades brasileiras, mas outros fatores não são levados em conta como, por exemplo: os cursos, em sua maioria, são feitos nas sedes dos municípios, quando nestes existem universidades, ou nas capitais dos Estados onde se concentram as grandes instituições universitárias. Isso faz com que um número grande de indígenas volte para suas comunidades, pois estão longe delas e o choque cultural é grande, começando pela ausência de sua família, seus costumes que não são levados em conta, a alimentação drasticamente mudada, entre outros fatores. Talvez, uma das maiores dificuldades seja a permanência destes alunos nos centros urbanos.


Permanência de alunos indígenas nas universidades


A trajetória social e histórica para qualquer estudante que almeje conquistar um diferencial competitivo para sua entrada no mercado de trabalho encontra-se vinculada ao ingresso no Ensino Superior. Para o estudante indígena, este caminho poderia parecer simples, em um primeiro momento, em razão do novo paradigma da educação escolar indígena que privilegia a diversidade cultural, mas, à medida que os índios avançam em direção à consecução dos seus próprios projetos de conquista, esbarram com duas questões: o ingresso na educação de nível superior e a permanência/conclusão nas universidades.


Tais questões podem ser resolvidas, por exemplo, com políticas de ação afirmativa que são políticas públicas ou privadas de combate à desigualdade estrutural de grupos mais vulneráveis à discriminação. Uma delas é a implantação, por parte das universidades, de políticas de acompanhamento para os acadêmicos indígenas. De certa forma, isso leva a crer que nas universidades, nas quais o número de desistências é elevado, a solução estaria na constituição e implantação de políticas mais sólidas de permanência para estes acadêmicos. Contudo, acredita-se que as dificuldades de permanência indígena no Ensino Superior envolvem uma trajetória que passa por outras questões que não sejam apenas estruturais, mas de ordem psicossocial desses estudantes que devem ser investigadas para que se possam compreender os fenômenos sociais e culturais implícitos neste processo de abandono e de tentativas de educação inclusiva.


Trabalhar com a diversidade cultural não é um processo simples, já que, frequentemente, docentes se deparam a todo instante no contexto universitário com situações de aprendizagem e de relacionamento que não sabem como lidar. Com os estudantes indígenas, esse processo não é diferente, pois não há curso ou treinamento que ensine o professor a trabalhar com uma cultura diferenciada da sua, principalmente, com as populações indígenas que possuem um contexto de socialização totalmente diferenciado da cultura “branca-ocidental”. O “diferente causa estranhamento”, como afirmou Goffmann (1988, p. 16).


Neste sentido, este artigo adotou como pressuposto a necessidade de saber transitar na esfera da cultura indígena, de forma que pudesse apresentar um panorama sobre a permanência e desistência dos estudantes indígenas que optam por esta ou aquela universidade. Traz um breve relato do que os estudantes indígenas passam nas universidades brasileiras, sem mencionar a dificuldade financeira. A falta de recursos financeiros dificulta na estadia, no traslado da casa para a universidade, na aquisição de livros e ou cópias de apostilas, na alimentação. Além disso, na maioria das vezes, os estudantes participam do sustento familiar.

 

Falta de política voltada para os os povos indígenas na Ufam

 


Vivemos em um Estado de maior número de populações indígenas no Brasil, pluricultural e com riquezas de saberes milenares, entretanto, dentro da estrutura universitária, tão grande e tão importante para o mundo acadêmico como a UFAM, não existe uma política estruturada no seu sistema voltado às populações indígenas. O que existem são programas pontuais nos institutos e que, a qualquer momento, podem ser extintos. Para esses programas serem travados, basta que as pessoas envolvidas com a causa indígena deixem de atuar neles.


Podemos trazer como exemplo de política institucional o Insikiran (Instituto de Formação Superior Indígena), na Universidade Federal de Roraima, uma unidade administrativa e acadêmica firmada conforme Resolução nº 009/2009. Isso não significa que não existem políticas afirmativas dentro da UFAM. A política existe, mas ainda de forma muito pequena, não suprindo a real necessidade dos povos indígenas.


Entendemos que para a grandeza da Universidade Federal do Amazonas e para a riqueza de diferenças culturais, muito ainda há para se fazer dentro dessa universidade. Precisamos quebrar o preconceito institucional que existe em relação aos povos indígenas dentre os quais se destaca a falta de sensibilidade para o ingresso.


A educação que o índio tem no início nem sempre possibilita o ingresso do mesmo, pois a forma como as vagas são ofertadas dificulta a concorrência entre o índio da aldeia e aqueles que estão em escolas do ensino básico no perímetro urbano.


São várias as desvantagens. Uma delas é a permanência do aluno indígena que vive em aldeia, que muitas vezes precisa percorrer longas distâncias de barco para chegar a escola e ainda precisa lidar com outro agravante que é o descaso do estado em manter esses transportes funcionando. Em alguns casos, os alunos ficam longos períodos sem aula por falta de combustível ou problemas mecânicos nestes transportes, enquanto o aluno de perímetro urbano não enfrenta tais problemas. As formas de ingresso não levam em consideração  dificuldades como estas.


Outro problema agravante é o de caráter pedagógico, tendo em vista que temos um conjunto de leis que, se colocado em pratica, teríamos a melhor educação escolar indígena do mundo. Contudo, esse mesmo Estado - que aprovou essas leis que ajudariam na concretização do direito a uma educação escolar indígena específica e de qualidade - prevarica quando o assunto é colocá-las em prática. É como no dito popular: “dá com uma mão e tira com a outra”, fazendo com que a qualidade da educação escolar indígena caia e, com isso, os povos indígenas sejam o elo fraco para ingressar nas universidades que também não fazem questão de mudar esse quadro dentro da instituição.     

     
Acreditamos que esse pequeno artigo sobre a situação de alunos indígenas e seus desafios nas universidades possa ajudar e/ou, pelo menos, contribuir para que se pense nas dificuldades enfrentadas por esses alunos e que assim sejam criadas novas estratégias e políticas educacionais voltadas, verdadeiramente, para os povos indígenas nas universidades brasileiras, pois, o que se percebe é cada vez mais o aluno indígena sendo aculturado nos moldes de uma educação integracionista, preconceituosa e racista, no sentido de sempre ensinar os valores do não-índio e deixando para trás os saberes dos povos indígenas.

 

*José é da etnia mura, professor indígena do povo mura, mestrando em antropologia social pela Ufam e atual secretário-executivo do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas (CEEI).


*Emilson é professor indígena e mestrando em antropologia social pela Ufam e atual presidente do Conselho de Educação Estadual Indígena do Amazonas.



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