O debate sobre o planejamento urbano no Brasil e a questão dos planos diretores ao longo e a relação com a gestão das cidades configura-se como uma das expressões do ciclo capitalista em relação a questões políticas, econômicas e socioambientais. No atual momento histórico e de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, o debate sobre planejamento urbano e dos planos diretores está presente em muitas capitais estaduais e regiões metropolitanas, em grande medida, devido muitas sediarem jogos da copa do mundo em 2014 e pelo conjunto de obras sendo feitas para atender as exigências da FIFA.
Outra questão que está chamando a atenção no debate público sobre planejamento urbano é em relação à mobilidade e o trânsito nas cidades, devido às ruas e rodovias estarem a cada dia que passa com mais e mais automóveis, com uma persistente condição de precariedade do transporte público, pela insuficiência de veículos coletivos, pelos preços altos das tarifas, trajetos em condições consideradas inadequadas e a falta de estímulo para políticas públicas efetivas nesse tema.
Além desses dois aspectos que são temas correntes de debate em muitas cidades do Brasil, há o debate socioambiental motivado sazonalmente em diferentes regiões do Brasil devido, por exemplo, as enchentes no Rio de Janeiro e São Paulo e pela falta de abastecimento de água nas cidades do semiárido com as secas.
No caso do Rio de Janeiro, no início do ano fortes chuvas, enchentes, deslizamentos de encostas e morros com perdas materiais e de vidas são recorrentes. As cidades mais afetadas nos recentes anos estão localizadas na Região Serrana do estado com cerca de 35 mil pessoas desalojadas e centenas de vítimas fatais entre 2010 até esse ano, sendo que em 31 municípios do estado estima-se a possibilidade do deslizamento de 7.383 casas que estão construídas em locais considerados de risco.
No semiárido nordestino o estado com cidades mais acometidas pela falta de água é a Bahia com cerca de 260 municípios atingidos. Municípios de Alagoas e Piauí também estão, há meses, sem chuvas. Segundo dados divulgados periodicamente pelo Ministério da Agricultura (MAPA), 08 municípios da Zona da Mata em Pernambuco estão em situação de emergência devido à estiagem. No Maranhão, a estiagem chegou a municípios do litoral, como o de Barreirinhas nos Lençóis Maranhenses. No Norte de Minas Gerais, 125 municípios estão em situação de emergência devido à seca, inclusive com a seca de barragens.
Diante desse contexto, cabe considerar que se vivencia um momento de expansão e maior disponibilidade de subsídios públicos ao crédito para a produção habitacional no país, associado ao crescimento quantitativo da economia, o que têm estimulado um dos maiores ciclos de crescimento e especulação no ramo do setor imobiliário. Com esse crescimento, estima-se que cerca de 27 milhões de moradias terão que ser construídas no Brasil até 2023. O déficit atual requer a produção de 7,5 milhões de habitações.
A Região Sudeste, a mais populosa do Brasil, concentra 36,9% do total do déficit habitacional do País, seguida pela Região Nordeste com o segundo maior déficit com 35,1% do total. Comparada às demais regiões, a Região Norte apresenta o maior percentual em termos relativos, o déficit de 557 mil unidades habitacionais corresponde a 13,9% dos domicílios da região. Considera-se que 88% da concentração de favelas, sem as condições adequadas e necessárias para a uma vida digna ocorreram, estão nas regiões metropolitanas do Brasil. Apenas nas cidades e regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém estão reunidas 44% da população que vivem em favelas no Brasil.
Dentre tantos aspectos que podem ser mencionados, quando se pensa planejamento urbano é o política para abertura de estabelecimentos comerciais e as condições necessárias para a sua manutenção, no qual não pode-se desconsiderar nisso a questão das relações políticas e econômicas entre os órgãos públicos, governantes e a iniciativa privada. Esse debate veio com força na arena pública recentemente motivada pelo trágico incêndio em uma Boate na cidade de Santa Maria – RS, que estava aberta em situação irregular e sem as condições adequadas de segurança, no qual 249 jovens foram mortos (as) e com centenas de feridos (as) em estado grave.
São muitos elementos que compõem o conjunto de debates relativos ao Planejamento urbano, contudo percebe-se que muitos precisam ser desnaturalizados e pensados além de medidas paliativas e soluções de curto prazo para situações imediatas. A necessidade de elaborar um planejamento de Estado de longo prazo para a questão urbana e das cidades configura-se como uma das prioridades para o desenvolvimento sustentável do país associado aos debates da reforma agrária, da desigualdade social, do direito as cidades e ao seu território. Junto a isso parece ser necessário debater em sociedade a grande mudança geracional e demográfica com o envelhecimento da população nos próximos 20 a 30 anos, o que vai influenciar diretamente na dinâmica espacial de mobilidade, a acessibilidade a serviços e as políticas de assistência social em todo Brasil.
Algumas dessas questões e temas, no tão vasto debate sobre planejamento urbano não estão contidos na agenda de Estado e da grande maioria dos governos, bem como da nossa grande mídia conservadora. A renúncia e a omissão em realizar uma discussão ampla e aberta, junto com a sociedade, sobre o planejamento urbano no Brasil e o impacto dos grandes eventos, está sendo gerido pelo próprio Estado no Brasil, ao que tudo indica, e a favor de interesses dos grupos privados que almejam lucrar e especular nos espaços urbanos nesse atual estágio do capitalismo no mundo.
* Sérgio Botton Barcellos é pesquisador e doutorando no CPDA/UFRRJ, e assessor voluntário de movimentos sociais. (Publicado originalmente no Adital, onde pode ser conferido na íntegra) |