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  00/00/0000 - por Vladimir Safatle



Para o bem e para o mal, o Chile sempre foi visto como modelo para a América Latina. No início dos anos 60, o país procurou implementar o mais ousado projeto de socialismo democrático que o continente conheceu.

Todos estavam atentos à situação chilena na esperança de que se abrisse lá outra via de mudanças sociais que preservasse conquistas da democracia parlamentar. Nos anos 80, o Chile foi o laboratório para as políticas neoliberais que, nos anos 90, assolaram Argentina, Brasil, Venezuela, Equador e outros países.

Graças aos "Chicago boys", economistas formados pelo receituário neoliberal de Milton Friedman, a ditadura de Pinochet pôs em marcha um processo de retomada econômica com desigualdade e fratura social. Depois dos primeiros anos de recessão profunda, o regime militar procurava recompor a economia chilena às custas, entre outros fatores, da privatização da educação, da saúde e da previdência.

Nada disso foi questionado nos 20 anos de outro modelo que o Chile procurou exportar para o continente, a "estabilidade política" através da Concertação, aliança centrista capitaneada pelo Partido Socialista e pela Democracia Cristã.

Não foram poucos os que sonharam com algo parecido no Brasil por meio da deposição de armas entre PT e PSDB.

Mas, nesse período, enquanto o país crescia, a população continuava a endividar-se para pagar a educação de seus filhos, já que mesmo as universidades "públicas" cobravam pesadas taxas. Famílias pobres precisam, muitas vezes, escolher só um de seus filhos para ir à escola, já que não podem pagar por todos.

O Chile volta a fornecer outro modelo para a América Latina: o de uma nova dinâmica de lutas políticas. Milhares de estudantes exigem "educação pública e de qualidade".

Para além de diatribes genéricas contra o capitalismo, temos uma questão concreta que só é pontual em aparência. Exigir do Estado que cumpra sua obrigação educacional implica, entre outras questões, mudar o perfil da política tributária, obrigar ricos a pagarem mais impostos, forçar o igualitarismo social. Ou seja, temos uma questão específica com força para abrir as portas a reformas sociais profundas.

Todos falam que a educação é a chave para o desenvolvimento, mas ninguém tem coragem de pagar o preço. Os estudantes chilenos resolveram expor a hipocrisia, recebendo apoio maciço da população. A maioria dos chilenos (77%) entende que as demandas estudantis são justas.
Não por outra razão, o presidente Piñera tem a menor taxa de aprovação da história recente do Chile (26%).

Quando o modelo do levante estudantil chileno chegar ao Brasil, saberemos que entramos em uma nova fase de recuperação da política.

Vladimir Safatle, filósofo e professor da USP, é especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) da psicologia e filosofia da música. (publicado na FSP, em 30.08.2011)



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