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  25/01/2012 - por Amy Goodman



Mais de 350 protestos foram realizados na semana do 10º aniversário de Guantánamo. Ainda permanecem lá 171 prisioneiros.


Há dez anos, Omar Deghayes e Monis Davis teriam sido vistos por qualquer um como um par estranho. Embora nunca se tivessem encontrado, partilham agora de uma ligação profunda, cimentada pelo tempo que passaram na notável prisão militar americana na Baía de Guantánamo, em Cuba. Deghayes esteve lá como prisioneiro. O Coronel da Força Aérea, Monis Davis esteve lá como procurador-geral das comissões militares de 2005 a 2007.

Deghayes foi preso no Paquistão e entregue às autoridades militares dos Estados Unidos. Ele contou-me: “Era feito um pagamento por cada pessoa que fosse entregue aos americanos. “…Éramos acorrentados, com a cabeça tapada, e a seguir enviados para Bagram [Afeganistão] – fomos torturados em Bagram – e depois de Bagram para Guantánamo.”

Em Guantánamo, Deghayes, um dos cerca de 800 homens que para ali foram enviados desde Janeiro de 2002, recebeu o tratamento modelo: “As pessoas eram submetidas a espancamento, amedrontadas diariamente, … sem nunca terem sido condenadas por qualquer crime.”

Enquanto Deghayes e os seus companheiros de prisão sofriam nas suas gaiolas, a administração Bush erigia um controverso quadro jurídico para processar os prisioneiros de Guantánamo. Rotulava-os de “combatentes inimigos”, argumentando que não tinham nenhuma proteção da Constituição norte-americana, nem quaisquer direitos nos termos da Convenção de Genebra. Guantánamo tornou-se num buraco negro legal.

Quando perguntei ao coronel Davis se ele achava que foi utilizada tortura em Guantánamo, ele respondeu:

“Não creio que haja qualquer dúvida. Eu diria que houve tortura. Susan Crawford, uma protegida de Dick Cheney, disse que houve tortura. John McCain, disse que afogamento simulado é tortura, e nós já admitimos que utilizamos afogamento simulado. Houve, pelo menos cinco juízes no tribunal federal e nos tribunais militares que disseram que os prisioneiros foram torturados”.

Acorrentados, mantidos em gaiolas vestidos com macacões laranja, sujeitos a interrogatórios duros e humilhações, com a sua fé muçulmana vilipendiada, os prisioneiros de Guantánamo começaram a oferecer resistência através da antiga tradição da não cooperação não violenta. Iniciaram então uma greve de fome. Em resposta, Deghayes e outros manifestantes foram usados como exemplos. Ele recorda: “Depois de me terem espancado na cela, arrastaram-me para fora, e depois um dos guardas, enquanto o oficial permanecia de pé, observando o que se estava a passar, [tentava] arrancar-me os olhos… Perdi a visão em ambos os olhos. Lentamente, recuperei de um deles, mas o outro piorou completamente. E foram fazer o mesmo na cela seguinte, e na seguinte e na seguinte…para amedrontar todos os outros e dissuadi-los de se manifestarem ou objetarem a quaisquer políticas.”

Deghayes agora vê apenas de um olho. O seu olho direito continua fechado. Após a sua libertação de Guantánamo, foi enviado para a Grã-Bretanha. Está a processar o governo britânico por ter colaborado na sua prisão e tortura.

O coronel Monis Davis, desgostoso com o processo do tribunal militar, demitiu-se do seu cargo em 2007, e em 2008 reformou-se da carreira militar. Foi trabalhar para o Serviço de Pesquisa do Congresso, Congressional Research Service. Depois de ter escrito um artigo de opinião crítico sobre o abraçar da administração Obama dos tribunais militares, que foi publicado no Wall Street Journal em 2009, Davis foi despedido.

Deghayes nota que centenas de homens que saíram de Guantánamo nesta última década foram libertados devido à pressão sobre os governos pelas campanhas dos movimentos populares. Por isso que mais de 350 protestos em separado foram realizados esta semana, no décimo aniversário de Guantánamo. Ainda permanecem lá cento e setenta e um prisioneiros, embora mais de metade tenha sido ilibado para libertação, mas definham de qualquer modo.

Para tornar tudo ainda pior, aquilo a que o coronel Davis chama de “um ato de completa cobardia”, o presidente Barack Obama assinou um Ato de Autorização de Defesa Nacional, dando ao governo americano o poder de deter qualquer pessoa, sem acusação, por um período de tempo indeterminado. Davis explica que “não é uma saída dramática do que tem sido a política dos últimos anos, mas agora é lei”.

Podíamos imaginar um movimento “Ocupar Guantánamo”, mas isso seria redundante. Os Estados Unidos ocupam Guantánamo desde 1903. Como mantêm um embargo esmagador sobre Cuba há mais de meio século, provavelmente porque não gostam das suas políticas, podia esperar-se que apresentassem um comportamento modelo no seu pequeno pedaço de Cuba. Mas fazem precisamente o oposto. É por isso que os movimentos populares são tão importantes. Com a corrida presidencial dos Estados Unidos a aquecer, podemos ter a certeza de que o partido Republicano e o partido Democrático irão estar de acordo em Guantánamo.



Amy Goodman é co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.

Dennis Moyniham contribuiu com pesquisa para esta coluna. Tradução de Noémia Oliveira. Publicado em Esquerda.net no dia 25.01.2012



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