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  12/06/2019 - por Isaac W. Lewis



Na Antiguidade, sacerdotes, escribas, letrados e legisladores concentraram-se em destacar palavras como alma, espírito, fantasma, destino, acidente, contingência, incidente, sorte, fortuna, mistério para explicar fenômenos e acontecimentos supostamente incompreensíveis. Tais palavras passaram a representar seres mágicos poderosos. Depois, foi acrescentada a ideia de que esses seres seriam capazes de propiciar felicidade ou infelicidade aos seres humanos. Para tanto, sacerdotes, letrados, e legisladores declararam  ser os mediadores, para o bem ou para o mal, entre esses seres e os pobres seres humanos, destituídos de saberes e poderes mágicos.

Iniciou-se, desse modo, a justificativa para explicar fenômenos e acontecimentos que não poderiam ou não deveriam ser investigados a fundo pelas autoridades competentes, ou seja, os próprios sacerdotes, escribas, letrados, legisladores. Há mais de dois mil anos, incompetência profissional, crimes contra humanidade, genocídios, massacres foram justificados como acidentes, incidentes, contingências ou explicados como fatalidades do destino ou da vontade do espírito, da alma ou de algum fantasma ou fazendo parte de algum mistério, de alguma sorte ou fortuna.

Até a Idade Média, podemos entender que explicações metafísicas fossem aceitas pela maioria da população (incluindo acadêmicos e letrados), pois os conhecimentos sobre a realidade natural e humana eram bem precários. É surpreendente que alguns cientistas, estudiosos, acadêmicos, legisladores, médicos, professores, em pleno século XXI, insistam em justapor seres inexistentes ou abstratos a certos acontecimentos, fenômenos ou a certas incompetências profissionais reais que ocorrem na realidade natural, social ou humana. Por que essa insistência? Será que tais estudiosos não conseguiram se libertar das ideias inventadas por sacerdotes comprometidos com os interesses patriarcais, patrimoniais ou políticos das classes privilegiadas do mundo antigo e do mundo contemporâneo?

Um exemplo de coragem e honestidade intelectual nos é dado pelo cientista Pierre-Simon Laplace (1749-1827), ao responder à indagação feita por Napoleão Bonaparte pelo fato de esse cientista não ter se referido ao construtor do universo em seu livro, o qual versava sobre o sistema do universo: Napoleão: “Me disseram que você escreveu [...] sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu criador”. Laplace: “Eu não precisei fazer tal suposição.”

É preciso honestidade e competência intelectual para que estudiosos, legisladores e políticos brasileiros se manifestem vigorosamente e indignados contra o episódio em que soldados dispararam  mais de oitenta tiros contra uma família que viajava em um carro. Para a História, isso não foi um “incidente”, nem um “mistério”.  Esse episódio exige um estudo sério e rigoroso sobre o curso de formação de oficiais, sargentos e cabos das Forças Armadas brasileiras e sobre o treinamento técnico e intelectual dos soldados, de modo geral. Afinal de contas, é papel das Forças Armadas de países do Terceiro Mundo combater os naturais de suas próprias nações e manter a ordem na periferia do capitalismo através da mediação da Organização das Nações Unidas em prol de países do Primeiro Mundo?

Se houvesse a predominância de honestidade intelectual entre os estudiosos e os legisladores brasileiros, os crimes perpetrados por policiais e militares covardemente contra civis seriam investigados a fundo, punidos seus autores (executores e comandantes), obrigado o estado brasileiro a indenizar suas vítimas dignamente. Então, poderíamos concordar, com estudiosos, legisladores e políticos, que vivemos em um estado democrático de direito.



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