Apesar do golpe em Honduras ser mais um golpe dentre tantos ocorridos na América Latina, ele ocorre num momento distinto: a ascensão do bolivarianismo no continente, encabeçado pela Alternativa Bolivariana para as Américas, tendo a maior expressão no governo da Venezuela; e o enfraquecimento da política norte-americana para o continente, devido à crise mundial e ao atoleiro no qual se tornaram as duas guerras no Oriente Médio. Nessa conjuntura o fato é que toda a diplomacia internacional tem se manifestado contra o golpe de Estado, apesar do imperialismo pressionar à negociação com os golpistas. Neste momento se faz importante uma análise sobre os fatos, mostrando as semelhanças e diferenças do período anterior, para denunciar o governo fascista de Micheletti e nos armar para a luta socialista e internacionalista neste continente no próximo período.
A América Central sempre esteve no epicentro da luta de classes no mundo, desde os processos de independência até as revoluções no início dos anos 1980, como a nicaraguense, a salvadorenha e a guerra civil guatemalteca. Com a necessidade de dar resposta ao modelo neoliberal imposto a esses países, como ao conjunto da América Latina, a Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua e o movimento Farabundo Martí em El Salvador retomam o poder, mas dessa vez com um programa de conciliação com a burguesia local e com o imperialismo, chegando ao ponto de Daniel Ortega, Presidente da Nicarágua, ter sido um defensor do Tratado de Livre Comércio. Ainda assim, o contexto de ascensão dos governos independentes ligados ao bolivarianismo e o enfraquecimento da influência norte-americana na região fazem com que esses governos passem a refletir a situação latino-americana e acabem se incorporando à ALBA.
Em Honduras ocorreu um processo similar ao desses países. Apesar do governo de Zelaya pertencer ao tradicional Partido Liberal, ele acabou por espelhar essa situação e se radicalizando até ao ponto de adesão à ALBA. É importante destacar que inclusive setores da burguesia viam com bons olhos o Petrocaribe que acompanharia essa adesão, porém o acirramento da luta de classes em um país com forte expressão popular, mobilização e greves, tais como a dos campesinos e professores, abriram um novo cenário provocando uma forte reação da burguesia. Logo, Manuel Zelaya, presidente eleito, tomou medidas de caráter popular, como elevação do salário mínimo e investimentos em programas sociais, apoiando-se na mobilização que crescia. A partir desses processos há uma polarização cada vez maior entre os tradicionais setores golpistas, como a Igreja Católica, um grande setor do Partido Liberal, uma parte importante da burguesia hondurenha e a cúpula militar, em contraposição a setores populares que tem sua expressão mais forte na Via Campesina.
Junto a esse cenário, a Alternativa Bolivariana para as Américas, ALBA, impulsionada pelo governo Venezuelano oferecem uma alternativa de desenvolvimento social, popular e recursos para a América Central e o Caribe. O avançar no processo de lutas de classe nesse país e a crise financeira mundial fazem com que Honduras se incorpore nesse grupo no dia 10 de outubro de 2008. A partir da entrada na ALBA, a direita golpista hondurenha passa a conspirar de maneira mais incisiva contra o governo de Zelaya, ao mesmo tempo em que a ofensiva popular aumenta, exigindo uma mudança institucional profunda de um sistema que privilegia apenas as multinacionais e a oligarquia local. A resposta a essa batalha seria uma reforma constitucional que garantisse os direitos do povo hondurenho e radicalizasse a democracia.
A entrada na ALBA o tornou inimigo das elites. A forte mobilização popular faz com que no início do ano de 2009 a discussão sobre a reforma constituinte passe a ganhar força, apesar da forte oposição da burguesia. Com a falta de apoio das elites, o vice-presidente se afasta a fim de concorrer à presidência no fim do mandato.
Com a oposição do Congresso, com a maioria do partido de Zelaya e do Judiciário, e através da Suprema Corte, da Igreja, e dos militares a direita faz com que se torne impossível a aprovação de uma reforma constituinte ou um referendo probatório. Logo, a fim de se apoiar no movimento de massas, aumentar a popularidade e conseguir forças para estabelecer uma assembléia constituinte, Zelaya propõe uma consulta popular para a construção de uma nova constituição.
Ao fim do mês de junho, nos dias que antecederam à consulta, o exército hondurenho invadiu a casa do presidente democraticamente eleito, Manuel Zelaya, o prendeu e deportou para a Costa Rica. Ao mesmo tempo que a Suprema Corte, o Congresso, grande parte das religiões e o exército nomeavam o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, presidente interino de Honduras.
Após as primeiras declarações de Zelaya do exílio, manifestações de apoio ao presidente eleito e de repúdio ao golpe partiram de todos os países do continente e de diversos outros países do mundo. As mais surpreendentes vieram dos Estados Unidos e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que criticaram o golpe, porém sem deixar de apontar Hugo Chávez como principal estimulador da guerra civil em Honduras.
Os Estados Unidos, de um lado, sem retirar o embaixador e mantendo a base militar no território hondurenho, oferece como alternativa a negociação com o governo golpista, enquanto, do outro lado, os países bolivarianos, liderados por Chávez, não aceitam a negociação com o grupo golpista. Enquanto a primeira alternativa coloca Costa Rica, o eterno "pacificador" da América Central na figura de Óscar Arias, para mediar as negociações e envia dois assessores de Bill Clinton, Bennet Ratcliff e Lanny J. Davis a Micheletti, Chávez e os demais países do ALBA dão apoio incondicional a Zelaya, além de noticiar através da Telesur as manifestações populares, prisões e assassinatos realizados pelo governo golpista, conhecido como "Pinocheletti", que declarou Estado de Sítio e fim das liberdades civis na tentativa de conter os movimentos sociais naquele país.
Essa postura demonstra uma nova política imperialista para América Latina que vem sendo aplicada pelo governo de Barack Obama, de dominação não mais através do porrete, mas pela negociação. Nesse cenário, o Brasil do governo de Lula passa a ser o modelo a ser seguido, ou seja, a política do pacto de classes e das boas relações com os EUA. Com as preocupações voltadas para a Ásia e o Oriente Médio, os norte-americanos apresentam o modelo brasileiro em contraposição ao bolivariano para, assim, tentar conter os movimentos insurgentes que despontam neste continente.
Dentro desta conjuntura incerta dois desfechos parecem possíveis ao processo Hondurenho: o primeiro, é que negociações entre os golpistas e Zelaya resultem em um pacto com a elite golpista, o que levaria à fragilidade do governo quando de sua volta ou um ilegítimo processo eleitoral que não resolveria a fratura social criada nesse país. O segundo, um processo de resistência popular cada vez maior, que abre um período sem estabilidade no país e na região, e no qual a volta de Zelaya ao poder se coloca como uma tarefa da mobilização de massas que hoje já se inicia, e se espalha para outros grandes setores sociais da América Latina.
Se esta variante triunfa, Honduras se soma à Alternativa Bolivariana a fim de construir um país independente para um próximo período e incendiar a região, pois será o terceiro golpe derrotado pelo levante popular nesta década. A mobilização da população nas ruas no dia em que Zelaya tentou, sem sucesso, retornar ao seu país, mostrou que o segundo desfecho é possível, e a resposta foi dada por Zelaya: "a insurreição é a única alternativa que restou como medida de expressão do povo", além de reafirmar que esta é um direito constitucional e que "as greves, as manifestações, as ocupações, a desobediência civil são um processo necessário quando se violenta a ordem democrática de um país".
Nossa posição deve ser de solidariedade internacional ao povo hondurenho, com apoio incondicional ao movimento popular desse país. Devemos fazer uma crítica contundente à elite golpista que governa a 500 anos aquele Estado e condena o povo à pobreza e à repressão, e a crítica àqueles que, embora condenem o golpe publicamente, aplicam uma política de frear os movimentos populares em curso na América Latina atualmente. É importante nos posicionarmos ao lado de governos progressistas como o da Venezuela, o da Bolívia, o do Equador e de outros que se contraponham ao processo de negociação com a oligarquia hondurenha, pois nessa nova aliança latino-americana se demonstra a principal alternativa do movimento anti-liberal e anti-capitalista em nosso continente. Assim , a bancada parlamentar do PSOL e seus militantes espalhados por todo o país deverão denunciar o regime opressor imposto em Honduras, ao mesmo tempo que se colocar ao lado da Alternativa Bolivariana a fim de destruir os golpistas sem ceder às negociações com o imperialismo e a oligarquia local.
Por fim reiteramos a declaração do Seminário Internacional "Crise do capitalismo, recolonização e alternativas populares" em La Paz , Bolívia: "NOSSO CHAMADO É A SOLIDARIEDADE INTERNACIONALISTA MUNDIAL COM NOSSO IRMÃO, O POVO HONDURENHO. TODOS E TODAS SOMOS HONDURENHOS. ESTAMOS EM PÉ DE GUERRA. NOS DECLARAMOS EM ESTADO DE MOBILIZAÇÃO PERMANENTE."
Fred Henriques e Mariana Riscali são militantes do PSOL e colaboradores da Secretaria de Relações Internacionais do partido
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