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  29/08/2019 - por Isaac Lewis



Não resta dúvida de que o transplante de valores e concepções culturais europeias em países colonizados da Ásia, África e América (incluindo os Estados Unidos que preservaram valores e concepções dos colonizadores do século XIX) constituiu e ainda constitui distorção e equívoco para compreender o contexto econômico, político e social dos países colonizados.

No Brasil, explicações equivocadas da realidade social produzem a síndrome invertida Dorian Gray (ou talvez a síndrome invertida Dorian Gray produza explicações equivocadas). O escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), em sua obra O retrato de Dorian Gray, apresenta um personagem, fisicamente belo, o qual descobre que seu retrato degenera à medida que ele comete crimes e iniquidades contra seus semelhantes. Nos países colonizados, elementos das classes favorecidas cometem crimes e iniquidades contra os elementos das classes desfavorecidas e se imaginam e/ou se retratam como pessoas belas, civilizadas, cristãs, europeias.

No Brasil, em 1822, o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono de Portugal, proclamou a independência do Brasil de Portugal e ainda tornou o Brasil um império. Império de quê? Transplantaram-se títulos nobiliárquicos europeus para tornar traficantes, senhores e senhoras escravagistas (ignorantes e analfabetos) barões, baronesas, duques, duquesas, marquês, marquesas. Em 1889, traficantes, senhores e senhoras escravagistas falidos proclamaram a república no Brasil. Se estivessem na França em 1789, esses elementos teriam sido fuzilados ou enforcados pelos revolucionários franceses.

E para acentuar o exotismo de um país colonizado, seus estudiosos mamelucos transplantaram o lema Ordem e Progresso. Ordem significava, no Brasil, a manutenção paradoxal de ideias  do catolicismo medieval e de propriedade latifundiária, herdadas do reino feudal de Portugal. Progresso de quê? Para quem? No contexto da sociedade brasileira, tanto no império quanto na república, não havia burguesia, classes medias, proletariados, ou seja, nunca houve acumulação primitiva do capital para propiciar progresso, desenvolvimento econômico autônomo, independente, pleno. Houve, sim, há, sim, homens de negócios que compravam e compram produtos manufaturados de países altamente industrializados, vendiam e vendem produtos agrários para as metrópoles europeias. Também compravam e vendiam escravos, exploravam violentamente trabalhadores livres. Progresso, portanto, como lema não significava nada. Era e ainda é pura abstração das classes favorecidas brasileiras colonizadas. Basta lembrar que a expropriação das terras dos nativos, a monopolização dessas terras, a exploração dos recursos naturais e minerais, o modo de produção agrário-exportador, a relação de produção entre as classes favorecidas dos países colonizados e as classes privilegiadas dos países colonizadores, a relação de produção entre as classes favorecidas e as classes desfavorecidas nos países colonizados – tudo isso foi estabelecido pelas classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras.

Em 1964, oficiais das Forças Armadas implantaram ditadura militar no Brasil com apoio do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos e com a anuência das classes favorecidas brasileiras (empresários emergentes, latifundiários e católicos conservadores). O golpe militar reafirmou a vocação colonizada e subordinada das classes favorecidas brasileiras a uma metrópole imperial, no caso, os Estados Unidos que substituíam a hegemonia das metrópoles europeias que vigorou até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).  Agora, a classe favorecida, portadora da síndrome invertida Dorian Gray, explicava a necessidade da ditadura, da tortura e até de assassinatos políticos para implantar a democracia liberal no país.

Somente o delírio, provocado pela síndrome invertida Dorian Gray, explica que há no Brasil burguesia, classe média alta, classe média baixa, proletariado, tal como nos países capitalistas centrais. Os estudiosos não explicam por que muitos elementos dessas supostas classes se sentem vocacionados para se subordinarem a países imperialistas (primeiro, Inglaterra, depois, os Estados Unidos). Entendemos que o transplante de categorias sociais europeias não explica a mediocridade geral dos estratos sociais presentes na sociedade brasileira. O que temos no Brasil desde a invasão dos portugueses são classes favorecidas e classes desfavorecidas, ambas subordinadas aos interesses das classes privilegiadas dos países colonizadores. 

* Isaac é professor aposentado da Faculdade de Educação/UFAM.

 

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