Nos dias atuais, tornou-se rotina confundir termos, conceitos, conhecimentos pré-históricos com conhecimentos medievais ou contemporâneos. Daí a crise social, a barbárie organizada e institucional, graças à educação que simula ensinar, visando distribuir certificados, diplomas e demais títulos acadêmicos.
Politicamente, confunde-se posição de esquerda com posição de direita, o novo com o velho, golpe com revolução, ditadura com democracia, terrorismo de estado passou a ser considerado política democrática de uma sociedade supostamente organizada. Projetos reformistas ou ultraconservadores são propagados como projetos revolucionários. Ideólogos brasileiros, treinados ou formados em instituições europeias ou americanas, retornam ao país, trazendo, em suas bagagens, cartilhas ou manuais político-ideológicos, contendo propostas que deverão ser aplicadas para resolver os problemas enfrentados pela sociedade colonizada. Na verdade, essas propostas nunca resolvem ou resolverão os problemas da sociedade colonizada porque são propostas que contêm projetos e medidas de interesse das classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras.
Os países colonizados apresentam problemas estruturais que foram transplantados em suas instituições sociais pelos colonizadores europeus que partilhavam de ideias, costumes e práticas culturais medievais de seus países. Costumes e práticas herdados da pré-história, como a ideia de que alguns humanos seriam superiores a outros seres humanos, os homens seriam superiores às mulheres, crimes e corrupções praticados pelos humanos privilegiados seriam mais tolerados do que os mesmos crimes praticados pelos humanos desfavorecidos, a organização social que privilegiava a concentração de renda de alguns e a pauperização da maioria, os preconceitos estabelecidos contra os humanos desfavorecidos.
Muitos desses costumes, práticas, ideias estão contidos em livros utilizados por várias religiões criadas na pré-história e muitos sacerdotes, padres e ideólogos proclamam que as palavras enunciadas nesses livros seriam sagradas e verdadeiras. Mesmo assim, no Brasil e em outros países da América Latina, do Caribe e da África, milhares e milhares de pessoas se surpreendem quando tomam conhecimento de que esses países são os mais violentos do mundo. Também ficam perplexos com os altos índices de homicídios, feminicídios, crimes e corrupções praticados por funcionários públicos (policiais, juízes, políticos, militares). Desde a chegada dos colonizadores ao Brasil, as classes privilegiadas metropolitanas e as classes favorecidas nacionais nunca deram exemplo de comportamento ético e cultural civilizatório.
Quase sempre, alguns desses funcionários propõem ampliar a repressão contra as classes mais desfavorecidas, e até chegam a propor morte sem julgamento de criminosos dessas classes. Talvez para impedi-los de delatar crimes praticados por funcionários das classes favorecidas ou protegidos dessas classes. Quanto aos criminosos das classes favorecidas, os funcionários públicos qualificados propõem que esses criminosos sejam julgados com os rigores da lei, o que, muitas vezes, significa protelação de qualquer condenação.
Em 1850, os deputados e senadores brasileiros estabeleceram que as terras devolutas só poderiam ser adquiridas através de compra ao governo brasileiro. Muitas dessas terras devolutas tornaram-se propriedades de particulares, atendendo interesses de donos de latifúndios. O objetivo da lei da terra de 1850 foi impedir que os desfavorecidos (índios, negros, os imigrantes europeus) tivessem acesso à terra, desequilibrando a oferta de mão de obra nas atividades agrícolas.
Há mais de quinhentos anos, as classes favorecidas brasileiras, aliadas e associadas às classes privilegiadas internacionais, têm negado, aos povos nativos, o direito à posse de suas terras. Isso é violência histórica. Paradoxalmente, também é violência histórica reconhecer o direito do estado de Israel de ocupar as terras partilhadas por palestinos e árabes no Oriente Médio. Coerentemente, porém, as confusões semânticas, tais como a barbárie institucionalizada, a violência, o racismo, o preconceito, a precária formação de profissionais em todas as áreas (do setor policial, jurídico, militar e acadêmico), com devidas exceções, fazem parte de uma nação colonizada, fundada num estado burocrático de direito, criado para atender as demandas de metrópoles colonizadoras.
A violência histórica praticada pelas classes favorecidas brasileiras contra os povos indígenas, contra os afro-brasileiros, por homens contra mulheres, por policiais e militares contra civis, pode ser explicada pelo estudo da ideologia que permeia a sociedade dividida em classes ou em castas desde a pré-história. Isso significa dizer que precisamos ler criticamente livros supostamente qualificados de “sagrados” para combatermos a violência, a barbárie, a injustiça e a desigualdade presentes na sociedade brasileira há mais de quinhentos anos. É essa leitura crítica que permitirá a construção de uma sociedade justa e igualitária
*Isaac Warden Lewis é professor aposentado da Faced/Ufam
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