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  00/00/0000 - por Otaviano Helene



Em 03/12/2010

"Como as instituições públicas podem oferecer cursos de boa qualidade, nas áreas de conhecimento de que a sociedade precisa e nos locais geográficos adequados, os retornos social, econômico e cultural que propiciam são bem maiores do que os das instituições privadas"


Há, no Brasil, uma série de mitos sobre a educação, muitos deles fortemente enraizados e que servem, até mesmo, como base para a tomada de decisões políticas em escala nacional.

Um desses mitos é quanto ao custo supostamente alto de um estudante em uma instituição pública de ensino superior, quando comparado com valores típicos cobrados por instituições privadas. A conta que dá substância a esse mito corresponde a dividir o orçamento de uma universidade pública pelo número de estudantes. Mas isso é totalmente inadequado.

Para compararmos duas coisas devemos colocá-las no mesmo pé de igualdade. Para isso, devemos considerar dois aspectos importantes. Primeiro, é necessário ver o que está contemplado nos orçamentos das instituições públicas e privadas para que possamos comparar seus custos.

Segundo, precisamos saber o investimento por estudante em cada curso, pois instituições privadas concentram seus alunos naquelas áreas onde os investimentos por estudante são menores e, portanto, médias gerais podem esconder informações relevantes.

Assim, vamos estimar qual o investimento necessário para manter um estudante de graduação em uma universidade pública de qualidade, no caso a USP, considerando os diferentes tipos de cursos.

Inicialmente, devemos lembrar que boa parte do orçamento da USP corresponde a pagamentos de aposentadorias. Esses gastos têm que ser desconsiderados se queremos analisar os investimentos necessários para sua manutenção e, também, se o objetivo é a comparação com a realidade das instituições privadas, onde essas despesas são feitas pelos órgãos previdenciários.

Os cálculos foram feitos considerando-se os orçamentos das diferentes unidades, excluídos os pagamentos de aposentadorias. Os investimentos por estudante de graduação e de pós-graduação foram supostos iguais. Parte dos orçamentos das unidades que oferecem uma quantidade significativa de cursos para outras unidades foi transferida para essas últimas na proporção do número de disciplinas oferecidas (entre as unidades estudadas neste trabalho, o Instituto de Matemática e Estatística, IME, e o Instituto de Física, IF, fazem parte desse conjunto). O orçamento do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) foi distribuído pelas várias unidades da área de saúde na proporção do número de disciplinas de cada uma delas.

Considerou-se que metade dos orçamentos dos hospitais corresponde a atendimento da população e metade a investimentos educacionais. Esta última foi então rateada entre as várias unidades que utilizam os hospitais na proporção do número de disciplinas de cada uma delas.

As despesas dos órgãos centrais - descontadas as despesas da Editora da USP (Edusp) e metade das despesas da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) -, as despesas correspondentes a "Outras atividades" e metade dos orçamentos dos museus foram distribuídas pelas diferentes unidades na proporção dos respectivos orçamentos.

Não foram consideradas as despesas com sentenças judiciais. Da mesma forma, não foram considerados os orçamentos das unidades especializadas, uma vez que elas, embora fundamentais para o funcionamento de uma universidade de pesquisa e de alta qualidade educacional, se dedicam a atividades específicas.

Foram analisados os investimentos por estudante de três grupos diferentes de unidades. Um desses grupos é formado por unidades cujos laboratórios são bastante simples e de fácil manutenção: Instituto de Matemática e Estatística (IME), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA).

O segundo grupo corresponde àquelas que têm laboratórios com equipamentos relativamente complexos: Escola Politécnica (EP), Instituto de Física (IF) e Instituto de Química (IQ).

O terceiro grupo corresponde a unidades com laboratórios de manutenção complexa e que incluem seres vivos: Faculdade de Medicina (FM), Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e Faculdade de Odontologia (FO).

O investimento médio por estudante e por mês das unidades do primeiro grupo foi estimado em R$ 780,00. No caso do segundo grupo, o investimento médio foi de R$ 1.770,00. Para o terceiro grupo, obteve-se R$ 3.300,00.

Esses investimentos médios são equivalentes às mensalidades de muitas das instituições privadas nos mesmos tipos de curso e mesmo abaixo das mensalidades daquelas consideradas de boa qualidade. Apesar de os valores serem totalmente aceitáveis, devemos considerar que neles estão incluídos os vários serviços prestados por uma universidade pública nas áreas cultural, científica, artística. Se a essas contribuições para a sociedade fossem atribuídos valores monetários a serem descontados do investimento educacional, este último se mostraria ainda menor.

Se, ao invés de considerarmos os investimentos por estudante, considerássemos os investimentos por jovem formado, o resultado seria ainda mais favorável às públicas, onde as evasões são significativamente menores. Como as instituições públicas podem oferecer cursos de boa qualidade, nas áreas de conhecimento de que a sociedade precisa e nos locais geográficos adequados, os retornos social, econômico e cultural que propiciam são bem maiores do que os das instituições privadas.

Outros aspectos importantes a favor das instituições públicas incluem as possibilidades de iniciação científica e pósgraduação, as atividades esportivas e culturais, o atendimento à saúde, alimentação e moradia subsidiadas, ótimas bibliotecas, acesso imediato aos docentes, bom ambiente de estudo e atividades culturais complementares.

Cabe, portanto, a pergunta: por que o Brasil (e em particular o Estado de São Paulo) seguiu tão intensamente o caminho da privatização se ele é mais caro, menos eficiente e não responde adequadamente às necessidades do país?

Certamente, não por uma impossibilidade econômica da sociedade, que em última instância é quem financia o sistema educacional, seja ele público ou privado. Talvez seja uma consequência da doença que nos assolou - e a muitos outros países -, cujo principal sintoma é a privatização, até mesmo nas áreas de interesse social, qualquer que seja seu custo.

Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Fonte: Jornal da USP, nº 910



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