O cinismo é a única forma sob a qual as almas vulgares se aproximam do que seja a honestidade. Nietzsche
Iniciemos esta reflexão explicitando a questão central, o fio condutor deste texto: a compreensão segundo a qual todo político é corrupto é equivocada, imobilizadora e favorece a proliferação dos vigaristas e batedores de carteira do erário.
Apesar disso, político, partido político, deputado, Congresso Nacional, etc. são termos que causam ojeriza à grande parte da população brasileira. Mas quem seriam, de fato, os políticos? Segundo Aristóteles, o ser humano, a quem denominou de zoon politikon ou animal político.
Ainda que algumas criaturas humanas se declarem apolíticos, apartidários, nenhuma delas está isenta das decisões coletivas, embora alguns possam estar, por decisão pessoal, alienadas. Por este motivo, jogar a responsabilidade nos políticos profissionais pela corrupção funciona como uma desculpa esfarrapada para a falta de ação política da maioria das pessoas.
E o que seria honestidade? O aforismo nietzscheano dá o tom, ao indicar que ao falarmos de honestidade não estamos lidando com algo que, digamos assim, está dado, é consensual e claro.
“Honestidade” é comumente compreendida nos dias atuais, em sua vinculação com a veracidade da palavra, com o senso de justiça e o cumprimento das leis. Seria fácil constatar que, mesmo nesta compreensão simplista, já deveríamos excluir uma lista infindável de parlamentares, governadores e prefeitos, condenados em processos envolvendo o furto do dinheiro público.
Mas... como assim “compreensão simplista”? Explico: não basta o cumprimento das leis para garantir a correta aplicação dos recursos, já que é possível furtar dinheiro público legalmente. A serviço dos ladrões do erário encontram-se dispositivos legais como a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no. 101, de 4 de maio de 2.000), que torna o pagamento à bancos prioritário em relação ao investimento em educação e saúde, por exemplo. Outro dispositivo que legaliza a rapinagem é a Lei 11.079 de 2004, que institui normas para a contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Como já acontece em diversos setores, como educação, segurança e saúde, a referida lei dá guarida a relações escusas, nas quais o dinheiro público financia a iniciativa privada.
Assim, muitos políticos podem posar de honestos, simplesmente porque drenam milhões e milhões em verbas públicas para suas empresas privadas, mas o fazem de modo “legal”. De qualquer modo, como o fito deste texto não é tratar de ladrões, ao invés de listar uma infinidade de políticos que assim procedem, tratemos de falar dos que, ao contrário, buscam combater esta prática.
É provável que mesmo em muitos dos que dizem duvidar da honestidade dos políticos, os conhecidos nomes dos parlamentares Eduardo Suplicy (PT-SP), Francisco Praciano (PT-AM), Luiza Erundina (PSB-SP) e Cristovam Buarque (PDT-DF) possam despertar sentimentos contrários. Aos que não acreditam na honestidade destes, o que dizer da atitude do deputado federal José Antonio Reguffe (PDT-DF), que abriu mão dos benefícios a que teria direito no exercício do cargo, além de reduzir o próprio salário, promovendo a economia de R$ 2, 3 milhões nos quatro anos de mandato? Se alguém disser que isso é insuficiente, terei que concordar, mas não acredito que haja alguém que não seja tocado por tal ato de resistência.
É uma minoria, claro. No quadro nacional, esta lista preliminar, é pequena, simplesmente pelo fato de que, por enquanto, estamos falando de partidos financiados pelo empresariado, partidos que, majoritariamente, não se opõe à presença nefasta do grande capital na administração dos recursos públicos.
Quando, por outro lado, passamos a nos referir a partidos que se opõe a estas negociatas, a lista é bem mais numerosa. Se ainda não conhece, pergunte a opinião de quem acompanha a atuação dos seguintes parlamentares: os deputados federais Ivan Valente (SP), Chico Alencar (RJ) e Jean Willys (RJ), o senador Randolfe Rodrigues (AP), a ex-senadora Marinor Brito (PA), os deputados estaduais Marcelo Freixo (RJ) e Edmilson Rodrigues (PA) e a vereadora e ex-senadora Heloísa Helena (AL), todos do PSOL. Muitos dos que conhecem ao menos seus parlamentares nacionais poderão testemunhar e dizer que a bancada federal deste partido não é somente honesta, mas também a mais qualificada no Congresso Nacional.
Passemos ao que interessa, já que as eleições que se avizinham ocorrerão no âmbito municipal. Em quem votar para prefeito ou vereador de Manaus? Em primeiro lugar, não se pretende, com o presente texto, fazer campanha para qualquer um dos candidatos, apenas, como anunciado no início, convencer o eleitor mais cético, da existência de políticos a quem se possa confiar o voto. Deste modo, não estarei explicitando divergências ideológicas de outra natureza, deixando esta avaliação crítica para cada um dos eleitores-leitores.
No caso das eleições para prefeito, os candidatos Luis Navarro (PCB) e Herbert Amazonas (PSTU), a despeito das nulas chances de vitoria no pleito, são pessoas sérias e comprometidas com a sociedade manauara (assim, não nos coadunamos com o argumento do “voto útil”). Na outra ponta, o pior resultado eleitoral (Benza, Deus!) seria uma eventual vitória do grupo político encastelado no poder amazonense e que já governa o Estado, mal disfarçado sob o curto e grosseiro manto de uma candidatura popular. A referida candidatura é o retrato fiel do cinismo nietzscheano.
Por trás da espetacularização eleitoral debordiana da fartura de candidatos, esconde-se, como se vê, uma aridez quase desértica! Isso vale também, em proporção geométrica, para a disputa entre os candidatos à Câmara Municipal de Manaus: muitos nomes, pouca honestidade. Dentre os candidatos, alguns valerão uma especial referência. Evidentemente, não se pretende aqui fazer um julgamento das quase oitocentas candidaturas ao cargo deferidas, mas tão somente referendar alguns candidatos por seu histórico e reconhecido envolvimento com o interesse público e com os movimentos sociais.
Neste sentido, dentre os candidatos que já exerceram o cargo, somente um se enquadra nestes requisitos: Waldemir José (PT). Um dos fundadores do conhecido Núcleo de Petrópolis, o candidato constitui, ainda hoje, na cidade de Manaus, uma das raras candidaturas efetivamente populares da história de nossa cidade. A bela trajetória de um movimento popular crítico, distante da velha receita assistencialista dos velhos coronéis, de uma candidatura financiada, coordenada e efetivada por comunitários de Petrópolis, encontrou abrigo no mandato popular do referido vereador, que manteve-se coerente com as posições defendidas anteriormente, contrariando a velha ideia de que o político é honesto somente até assumir o cargo. Outra candidatura emersa desta mesma história de lutas no Petrópolis é a de Edmilson Lima, o gatinho, hoje candidato em outro grupo político.
Outra importante candidatura envolve o nome de Jevaldo da Silva (PSOL). Professor de Geografia, Jevaldo sempre esteve envolvido nos movimentos sociais. Participou ativamente no movimento estudantil, integrando as diretorias do Centro Acadêmico de Geografia (CEGEO) e do Diretório Central dos Estudantes (DCE/UFAM). Como educador, atualmente participa com afinco no movimento dos professores da rede pública, integrando a oposição sindical, que denuncia a inoperância do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Amazonas (SINTEAM), que hoje atua contra os próprios docentes, defendendo seus patrões. Jevaldo atua ainda no Conselho Local de Saúde em Santa Etelvina.
Importante referir também algumas figuras expressivas que atuam nos movimentos sociais. Mesmo não conhecendo sua trajetória com tantos detalhes, é certo que sua presença e envolvimento nas lutas de certos segmentos sociais e em acontecimentos marcantes da história recente de Manaus são credenciais importantes para quem almeja tornar-se vereador de Manaus. Dentre outros (com o perdão do esquecimento): Gilberto Vasconcelos (PSTU), Luiz Carlos Sena (PSOL) e Francy Junior (PT).
Estas são algumas alternativas! Outra alternativa é anular seu voto! Há quem, conscientemente, defenda esta alternativa, como os integrantes do Movimento Candiru. É claro que para que se constitua numa ação que não gere imobililidade, é fundamental, como fazem estes militantes, que tal decisão seja tomada coletivamente e esteja aliada a outros instrumentos de luta política.
A escolha é sua! Como diria Brecht: o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
*Welton Oda é professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) |