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  15/09/2015 - por Welton Oda



"Há um governo mundial tecnoditatorial dos grandes grupos. O governo mundial é privado". (José Lutzemberger)              

Sou um marginal. Para me autoelogiar usaria, sem titubear a expressão, muito bem empregada para adjetivar a poesia feita pela chamada “geração mimeógrafo”, composta por figuras como Oiticica, Leminski, Waly Salomão e Chacal. Pelo mesmo motivo, gosto da expressão “periferia” (que define bem o meu lugar, de filho de família pobre), termo que é empregado, dentre outras coisas, para fazer referência a movimentos como o hip hop, o mangue beat e tantas outras preciosidades contemporâneas, para falar de um lugar de contestação aos costumes, valores, relações e à moralidade da sociedade hegemônica. A marginalidade do sistema é e sempre será o lugar da contra-hegemonia, da contestação, da criação, do novo.

Em oposição a este lugar, está o do homem branco, de classe media, defensor da tradição, da propriedade privada, dos valores da sagrada família dita cristã, heterossexual e consangüínea. Este é também o lugar do chamado “estado de direito”, da legalidade, definida não como relativa à promoção da justiça, mas, ao contrário, como espaço do absolutismo, de opressão, da mão pesada do estado sobre os mais pobres, sobre os quais caem, dilacerantes, os tentáculos do Leviatã.

A justiça é cega, mas tateia, procurando sempre a maciez dos tapetes persas, das poltronas estofadas, dos lençóis de cetim, das mãos macias e ociosas da canalha endinheirada. É por isto que o grupo econômica e politicamente hegemônico pode, mesmo quando comete as piores arbitrariedades, alegar sempre estar ao lado da legalidade. Não porque cumpra a risca preceitos constitucionais ou porque esteja em dias com o pagamento de tributos, impostos e obrigações financeiras, mas, ao contrário, porque mesmo que infrinja qualquer destas normas, poderá, mesmo assim, contar com o amparo da “lei”.

Apesar disso, uma situação bastante curiosa, que escapa a esta “normalidade”, vem acontecendo por ocasião da presente greve de professores e técnico-administrativos da Universidade Federal do Amazonas[1]. No caso do movimento dos técnico-administrativos não houve qualquer questionamento, por parte da administração superior da UFAM, quanto a aspectos legais ou de legitimidade. A greve foi deflagrada por unanimidade, em assembleia lotada. A administração superior, apesar disso, como é praxe nas greves deste segmento, buscou ignorá-la e prosseguir com as atividades institucionais. No caso dos docentes, houve um movimento, liderado por diretores de unidade, chefes de departamento e por integrantes da administração superior, para arrebanhar professores novatos, em estágio probatório e temporários (não-filiados, diga-se de passagem), para que comparecessem à assembleia do sindicato, com o fito exclusivo de, impedindo qualquer discussão sobre cortes orçamentários, reajuste salarial e outras questões conjunturais, votar, às cegas, contra a greve.

A estratégia não surtiu efeito e foi vencida, sobretudo, pela força de mobilização dos professores das unidades fora da sede, cuja precariedade das condições de trabalho é inegável. Greve deflagrada, não houve contestação legal por parte da Reitoria, que, em fala pública, reconheceu a legalidade e a legitimidade do movimento paredista. Apesar disso, estes “líderes” organizaram a oposição à greve de sua própria categoria, a partir de duas ações: 1) um coletivo autodenominado “Estamos em aula por tempo indeterminado”, que produziu um documento, com supostas 400 assinaturas (sendo diversas duplicadas, falsificadas, ilegíveis, etc.), dirigido à Reitora, pedindo que seu direito individual de prosseguir dando aulas fosse respeitado e; 2) uma ação junto ao Ministério Público, na qual contestavam a legalidade da deflagração da greve e acusavam o movimento docente de agressão a uma estudante, de depredação do patrimônio público, entre outras coisas. Ainda no campo jurídico, não satisfeitos, ingressaram com um mandado de segurança, pedindo que a justiça interviesse junto ao CONSUNI, para impedi-lo de deliberar sobre o pedido da ADUA de suspensão do calendário acadêmico.

Contando com a solidariedade de classe e o apoio do Judiciário, os “hegemônicos” obtiveram acolhida da juíza federal Marília Gurgel de Paiva e Sales que, concedeu liminar aos impetrantes do mandado de segurança e determinou ao Conselho Universitário (CONSUNI) que se abstivesse de suspender o calendário acadêmico, contrariando o artigo 207 da Constituição Federal, que garante autonomia político administrativa às universidades públicas. A liminar foi confirmada dias depois, num trabalho em família (tradicional, é claro), por seu marido, o também juiz federal Ricardo de Sales. Assim, fazendo uso deste tipo de legalidade e moralidade, foi possível fazer com que direitos individuais de alguns docentes, cujo projeto político é ficar em aula por tempo indeterminado, se sobrepusessem, nos últimos meses, aos direitos coletivos, representados pelo sindicato, em sua luta contra os brutais cortes orçamentários e, portanto, em defesa da dignidade do trabalho e dos trabalhadores do ensino superior público e gratuito.

Tiro pela culatra: a estratégia dos fura-greves produziu o maior caos institucional da história da UFAM, criando uma espécie de laissez faire em relação ao calendário acadêmico. A posição da reitoria, foi ora de dubiedade - ao escorar-se na liminar e não tomar providências para coibir este desarranjo-, ora de conivência, ao infringir o Regimento Geral da UFAM, que prevê a realização de reuniões ordinárias mensais. O descalabro só não foi maior por ação do movimento docente que, intervindo na primeira reunião convocada, depois de mais de três meses, conseguiu pautar uma discussão sobre o calendário acadêmico e comprometer o CONSUNI a postergar o início do 2º semestre de 2015 (anunciado, inicialmente, para o dia 8 de setembro), garantir a reposição das aulas e a não sobreposição desta com o início do semestre seguinte, contrariando o anseio dos partidários das aulas por tempo indeterminado (e, portanto, do stress laboral).

Decisão tomada no CONSUNI, sob aclamação de seus conselheiros, (não)fomos surpreendidos por muitos professores (sendo alguns até diretores de unidade) que, contrariando a decisão deste conselho que é a instância máxima de deliberação da UFAM, ministraram aulas no dia 8 de setembro. A afronta à decisão legal e legítima desta instância de deliberação é somente mais uma dentre as tantas atitudes individualistas destes professores que, contrariando seus próprios discursos e valores alegados, vivem à margem da lei. Neste sentido, três docentes são exemplares, como lideranças do “Estamos em aula”: 1) Edson Andrade, médico, diretor da FCecon, estudante do curso de administração noturno e docente responsável por duas disciplinas no curso de Medicina, que, com estas tantas atividades, nos apresenta uma clara idéia da disponibilidade de tempo que possui para um planejamento adequado de suas disciplinas e; 2) Cícero Mota, diretor do ICE e, 3) Adriano Fernandes, advogado, os dois últimos, para preservar seus direitos individuais, foram signatários do tal mandado de segurança (o primeiro também afirmou ser favorável ao tal mandado) que feriu frontalmente o princípio da Autonomia Universitária, na UFAM, e, impediu o exercício da democracia, representado pelo voto livre dos conselheiros universitários, retirando direitos de cerca de dois mil de seus colegas docentes.

Justiça seja feita, eu e meus companheiros dos movimentos de docentes, estudantes e técnico-administrativos, estamos, desde o início da greve, amparados pela legalidade e ao lado da institucionalidade, enquanto aqueles que representam o status quo, mesmo com todo o apoio dos aparelhos do Estado, agem como foras da lei, agem como marginais.

[1] Ainda que se faça referência particular à greve no Amazonas, trata-se de uma greve nacional, envolvendo mais de 60 instituições federais de ensino.

* Welton Oda é professor do Instituto de Ciências Biológicas da Ufam. (Artigo publicado originalmente no Blog do Mestre Yoda, no dia 14.09.2015)



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