Está sendo debatida no Congresso a PEC 06/19, proposta sobre o que é hoje a agenda central do capital financeiro no mundo inteiro: a contrarreforma da previdência. A proposta se estrutura em três eixos: uma chamada “regra de transição”, que afeta o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras os quais possuem vínculo com algum regime previdenciário; a generalização da capitalização para todos os futuros trabalhadores; e, por fim, a retirada da previdência da Constituição.
Começando por este último eixo, é importante atentar que a atual PEC em debate é só o início da contrarreforma. Ela torna constitucional a regulamentação da previdência por leis complementares, o que facilita os governos alterarem permanentemente a previdência sem necessidade de maioria qualificada nas votações legislativas.
As chamadas regras de transição têm como horizonte o aumento de alíquotas e a redução de direitos. Nos regimes próprios, a proposta é aumentar de forma escalonada as alíquotas por faixa salarial e permitir contribuições extraordinárias no caso de supostos déficits, inclusive de aposentados e pensionistas.
A proposta, ao mesmo tempo em que aumenta as alíquotas, reduz os direitos e benefícios ao elevar a idade mínima para 62 e 65 anos para mulheres e homens, respectivamente, e o tempo de contribuição para 40 anos para que os/as trabalhadores/as tenham acesso à totalidade do valor da aposentadoria, uma média do conjunto dos seus salários.
É bom lembrar que a informalidade é um traço fundamental do mercado de trabalho no Brasil, reforçada pela contrarreforma trabalhista do governo Temer, e os enormes índices de desemprego fazem com que boa parte da classe trabalhadora nunca tenha tido qualquer vínculo com a previdência, ou o tenha perdido em vários momentos da sua vida.
Por um lado, o objetivo da contrarreforma da previdência é reduzir a participação dessa política no orçamento da União, dos Estados e municípios, redução que permitirá um comprometimento ainda maior dos recursos do fundo público com o pagamento da dívida pública e subsídios para o capital. Por outro lado, a contrarreforma pretende tornar obrigatória a capitalização da previdência para o conjunto dos novos trabalhadores públicos e privados.
A capitalização não é previdência social! A capitalização é um investimento de longo prazo e de alto risco. O Estado expropria parte dos salários dos trabalhadores/as para que este seja administrado pelos bancos, alimentando, assim, o circuito financeiro na compra e venda de ações, títulos e investimentos de todas as ordens. Não há nenhuma garantia que ao fim de sua vida laboral o dinheiro entregue pelo trabalhador/a aos bancos seja devolvido, visto que isso depende das oscilações do mercado de capitais.
A previdência social foi construída no início do século XX como uma auto-organização dos trabalhadores e trabalhadoras que solidariamente cotizavam em Caixas de Aposentadorias e Pensões com o objetivo de garantir, na morte, na velhice e nas enfermidades o seu sustento e o de suas famílias. Precisamos preservar essa memória, pois a previdência social não é senão uma forma de solidariedade.
Se, no futuro, a população será mais velha, tal fato é apenas um motivo para se defender que ela deverá ser mais protegida para que tenha melhores condições de vida. Defender a previdência social hoje é condição para a sobrevivência do conjunto dos trabalhadores/as. Essa é a tarefa urgente de todas as nossas organizações.
*Juliana Fiuza Cislaghi é mestre e doutora em Serviço Social, professora Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Orçamento Público e Seguridade Social.