O novo governo acabou de sancionar o Orçamento Federal para 2019, no montante de R$ 3,262 trilhões. Dentre as despesas, sobressai o gasto financeiro com a chamada dívida pública, que consumirá quase 44% de todo o orçamento, ou seja, R$ 1,425 trilhão!
O gasto com servidores públicos – ativos e aposentados – consumirá R$ 350,4 bilhões, evidenciando que não são os servidores ou os aposentados do serviço público que estariam pesando nas contas públicas. As despesas com a Previdência Social (INSS) estão previstas para R$ 625 bilhões, bem menos da metade do que será gasto com a dívida.
O valor destinado a investimentos efetivos é insignificante para um país do porte do Brasil e com tantas necessidades: apenas R$ 36 bilhões.
Portanto, o rombo das contas públicas está claramente localizado nos gastos financeiros com a chamada dívida pública – que nunca foi auditada, como manda a Constituição – e não nas despesas com pessoal ou Previdência.
O governo anunciou ainda a existência de um “déficit primário” de R$ 139 bilhões no Orçamento 2019, ou seja, o montante de receitas primárias estaria inferior às despesas primárias, o que justificaria a necessidade de cortar gastos com pessoal e Previdência...
Entretanto, verificamos que diversas receitas estão sendo omitidas nesse cálculo primário, em especial as seguintes:
– Remuneração da Conta Única do Tesouro pelo BC: R$ 91,239 bilhões
– Resultado do Banco Central: R$ 26,365 bilhões
– Recebimento de juros e amortizações das dívidas dos estados e municípios com a União: R$ 22,498 bilhões.
Só essas três fontes já alcançam R$ 140 bilhões, ou seja, se fossem devidamente consideradas, haveria superávit, e não déficit.
O elevado valor da remuneração da Conta Única mostra também que há um enorme estoque de recursos no cofre do governo – atualmente de R$ 1,25 trilhão, o que desmente completamente o discurso de que “o Estado está quebrado” e que “a reforma da previdência é urgente”.
Outra montanha de recursos, da ordem de R$ 1,2 trilhão, está esterilizada no Banco Central, nas “Operações Compromissadas”, gerando um rombo com a sua remuneração diária aos bancos que somou quase meio trilhão de 2014 a 2017.
Ainda que utilizássemos a metodologia do governo, isto é, a de “déficit primário”, o argumento por ele apresentado está completamente equivocado, pois tal “déficit” não decorre de um suposto exagero nos gastos sociais, mas sim da queda das receitas, em decorrência da crise provocada pela política monetária suicida do Banco Central, que afetou gravemente a economia brasileira, com queda de 7% no PIB em 2015 e 2016 e desemprego recorde.
O gasto com a dívida no Orçamento/2019 compreende um gasto com “Amortizações da Dívida” de R$ 1,046 trilhão e um gasto com “Juros e Encargos da Dívida” de R$ 379 bilhões, somando R$ 1,425 trilhão!
Convidamos nossos leitores a refletir: se estivéssemos de fato “amortizando” a dívida, o seu estoque estaria reduzindo, certo? Como explicar, então, o fato de que o seu estoque tem se elevado exponencialmente?
A justificativa do governo para esse paradoxo – que se repete todo ano – tem sido a alegação de que parte desse valor seria mera “rolagem”, ou seja, substituição de títulos antigos, que estão vencendo, por novos títulos.
Ora, mais uma reflexão: se estivesse ocorrendo apenas essa substituição, o estoque da dívida se manteria constante, certo? Mas na verdade o seu estoque continua aumentando, e de forma acelerada! É evidente que há algo errado aí.
Na realidade, boa parte do valor indicado como “Amortização” corresponde a uma parcela dos juros nominais que estão sendo pagos mediante a emissão de novos títulos da dívida, embora o Art. 167, inciso III, proíba o pagamento de despesas correntes (dentre elas os juros) com recursos obtidos com a emissão de novos títulos.
Desde a CPI da Dívida Pública concluída na Câmara dos Deputados em 2010, foi enviada denúncia ao Ministério Público sobre a equivocada contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização, pelo simples fato de que a amortização é classificada como uma despesa de capital, burlando-se assim a norma constitucional.
Apesar desse grave problema ter sido detectado e denunciado desde 2010, até hoje nada foi feito sobre esse grave erro, que tem sobrecarregado as contas públicas de forma inconstitucional. A consequência desse erro é a seguinte:
– Se faltam recursos para a Educação ou Saúde (despesa Corrente), por exemplo, resta comprometido o funcionamento de universidades, institutos federais, hospitais etc.; são interrompidos diversos projetos de pesquisa; fechados laboratórios e cancelados diversos programas nessas áreas, e a população fica prejudicada em seu direito constitucional;
– Se faltam recursos para o pagamento de juros (despesa Corrente), os rentistas não ficam prejudicados, pois estão sendo emitidos e vendidos novos títulos da dívida e, para driblar a proibição constitucional (Art. 167, III), grande parte dos juros é contabilizada como se fosse amortização.
A auditoria é a ferramenta hábil para revisar essa e outras ilegalidades que estão impedindo o desenvolvimento socioeconômico do nosso rico Brasil, por isso é urgente a sua realização, e com participação cidadã.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e Rodrigo Ávila é economista da Auditoria Cidadã da Dívida.