A Justiça do Trabalho, no Brasil, foi instituída pela Constituição Federal de 1.934 e organizada, em 02 de maio de 1.939, através do Decreto-lei n. 1.237, sendo que a partir da Constituição de 1.946 passou a integrar o Poder Judiciário, com a finalidade de julgar os conflitos oriundos das relações entre capital e trabalho, reguladas na legislação social.
A legislação do trabalho sempre foi classificada como direito social, tendo em vista que o trabalhador sempre foi e sempre será hipossuficiente em relação ao poder do capital.
No ano de 1999, o extinto Partido da Frente Liberal – PFL apoiou a extinção da Justiça do Trabalho e o então Senador Aluísio Nunes (PSDB) propôs a transferência da Justiça do Trabalho para a Justiça Federal e a extinção do Tribunal Superior do Trabalho. Referidas propostas foram rejeitadas pelo Senado Federal
O fim da extinção da Justiça do Trabalho tem como mote a eliminação dos direitos classificados como sociais e sua transformação em direitos disponíveis, donde o negociado sempre prevalecerá acima do legislado, não havendo, assim, necessidade de manutenção de uma justiça especializada para julgar as causas derivadas dos conflitos entre capital e trabalho. Não é à toa, a aprovação e instituição da reforma trabalhista através da Lei Federal n. 13.467/2.017.
Com a aprovação da reforma trabalhista, o atual governo aponta que pretende reduzir ainda mais os direitos trabalhistas e extinguir a Justiça do Trabalho, e para tanto, cita informações não verdadeiras sobre o tema.
Primeiro porque, a afirmação de Bolsonaro quanto à existência da Justiça do Trabalho somente no Brasil é mentirosa. Países como Alemanha, Argentina, Bélgica, Chile, Dinamarca, França, Finlândia, Espanha, Inglaterra, Israel, México, Nova Zelândia, Noruega, Paraguai e Suécia possuem sistemas de justiça especializada em demandas trabalhistas.
Em segundo lugar, a chamada “modernização” do direito do trabalho retroage ao período da Idade Média, quando o trabalho era classificado como direito das coisas e não derivada do seu valor social. Tal modelo derivado da Idade Média foi denunciado na Revolução Francesa e combatido nas revoluções ocorridas nos séculos XIX e XX em tantas outras barricadas promovidas pela classe operária.
Cito, por exemplo, a greve ocorrida no ano de 1.907, na cidade de São Paulo, cujas reivindicações foram: jornada de oito horas diárias de trabalho, direito a férias, proibição do trabalho infantil, proibição do trabalho noturno para as mulheres, aposentadoria e assistência médica hospitalar. A manifestação iniciada por trabalhadores da construção civil, da indústria de alimentos e metalúrgicos acabou contagiando outras categorias e atingindo diversas cidades do estado, como Santos, Ribeirão Preto e Campinas. Os exemplos, ao longo da história, são incontáveis.
Em verdade, as propostas do Governo Bolsonaro, sejam na esfera trabalhista – com a extinção da Justiça do Trabalho – sejam na esfera previdenciária (regime de capitalização) – flertam com os ideários do Governo de Augusto Pinochet.
Augusto Pinochet, ao extinguir a Justiça do Trabalho, tinha como base argumentativa que os sindicatos representam apenas pequena fração dos trabalhadores privilegiados e que estes estariam em disputa com os demais não sindicalizados, reais necessitados. Afirmava que esses trabalhadores estão em concorrência uns com os outros, e que um sindicato somente servia para retirar a fração da renda do trabalho dos demais trabalhadores e que os sindicatos não eram uma arma para redistribuição de renda entre capital e trabalho, que estaria ligada a outros fatores como tecnologia e abundância relativa do capital (in PIÑERA, José. La Revolución laboral en Chile. Tercera Edición. Santiago: Chile, 1990. Versão da Internet. Encontrável em www.josepinera.org, acesso em 23/06/2016. Em suas palavras, “o Plan Laboral não tem nada a ver com o direito individual do trabalho. O Plano Laboral em realidade é única e exclusivamente um Plano Sindical e se o batizamos assim foi porque as duas palavras não nos soavam bem. Era muito mais charmoso o título de Plano Laboral.˜, Página 50).
Então, longe de ser uma proposta “moderna”, Bolsonaro aponta que no seu governo fará ataques à classe trabalhadora aos moldes de Pinochet, com a finalidade de tentar consolidar o negociado em face do legislado e sem a interferência dos Sindicatos e da Justiça do Trabalho, em típico retrocesso a Idade Média.
A Justiça do Trabalho deve se destinar a combater as desigualdades sociais, tais como: discriminações de gênero, raça, nacionalidade, sexual etc.; eliminar o trabalho escravo ou análogo a tal; aplicar pesadas multas aos empregadores que não cumprem com as normas de segurança e medicina do trabalho e ou não remuneram os direitos mínimos dos trabalhadores. Isto é, a Justiça do Trabalho deve servir ao fim da opressão sobre a classe, motivo pelo qual não pode ser extinta.
Sobre a proposta de extinção da Justiça do Trabalho, diversas entidades jurídicas já manifestaram seu repúdio, tais como: ANAMATRA, Associações dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª e 15ª Regiões, Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, Federação Nacional dos Advogados, Associação Latinoamericana de Juízes do Trabalho, Foro Federal de Institutos e Comisiones de Derecho del Trabajo de Colegio de Abogados y Procuradores de la República Argentina, Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, dentre outros.
No próximo dia 21 de janeiro, a partir das 10 horas, haverá grande ato público em defesa da manutenção da Justiça do Trabalho, no Fórum Ruy Barrosa (Barra Funda), promovido por advogados, juízes e servidores; e ainda estamos constituindo um comitê de defesa dos direitos sociais, iniciando-se, assim, grande jornada de luta.
*Sérgio Augusto é advogado da CSP-Conlutas |