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  08/01/2018 - por Cirlene Luiza Zimmermann



Data: 08/01/2018

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017. Foi desenhada com o propósito de mudar radicalmente as relações de trabalho para torná-las mais “modernas” e “flexíveis” em consonância com a dinâmica do mercado. Implementada, seria retomado o crescimento econômico com a criação de novos empregos.      
      
Com objetivos tão ousados, o governo exigiu uma tramitação célere do projeto de lei. Dispensou consultas sérias às organizações dos trabalhadores, ainda que fossem os principais impactados pela reforma, a despeito do compromisso que o Brasil assumiu perante à Organização Internacional do Trabalho de promover debates prévios e aprofundados em propostas legislativas que envolvem o mundo do trabalho. Por “sérias”, quer-se dizer com real possibilidade de influenciar o texto das mudanças, já que as audiências públicas serviram apenas para cumprir formalmente requisitos exigidos pela legislação. Ou seja, foram só para inglês ver.

A mesma seriedade faltou aos nossos congressistas, em especial aos do Senado Federal, que abriram mão do seu poder constitucional de revisores, diminuindo-se à condição de meros homologadores ou consultores do Poder Executivo. Em vez de apresentarem as emendas que entendiam pertinentes, dobraram-se aos interesses do Executivo e confiaram num acordo informal de veto ou de publicação de medida provisória. O projeto foi rapidamente sancionado sem vetos e a Medida Provisória nº 808 foi publicada no dia 14 de novembro de 2017, ou seja, três dias depois da entrada em vigor da reforma, com alguns textos e contextos bem diversos dos prometidos.

A democracia brasileira foi constrangida no trâmite legislativo da reforma trabalhista, o que, por si só, já seria o suficiente para questionar a legitimidade das mudanças trazidas ao sistema jurídico-laboral. A reforma da reforma por meio de medida provisória reforça o cenário de autoritarismo com que a matéria vem sendo tratada (“goela abaixo”). Ademais, quando o soneto é mal escrito, a emenda não resolve.

O débil debate promovido com a sociedade em meros quatro meses de tramitação, a medida provisória que trouxe 85 (oitenta e cinco) novidades ao ordenamento jurídico trabalhista sem atender aos requisitos constitucionais da relevância e da urgência e as alterações que violam frontalmente normas constitucionais e internacionais trazem mais insegurança ao empresariado do que supostamente trazia a legislação anterior.

O empresário sério e preocupado certamente não implementará as supostas facilidades da reforma sem uma consultoria jurídica prévia, ao passo que um operador jurídico trabalhista tem perfeita noção de que as diretrizes da nova lei afrontam o patamar mínimo de direitos sociais estabelecido em favor dos trabalhadores.
Flexibilidade, agilidade e modernidade não são sinônimas de melhoria das condições sociais dos trabalhadores e da sociedade, objetivo maior com o qual se comprometeu a República Federativa do Brasil na Constituição de 1988.

São alguns dos exemplos da flexibilização precarizante que a reforma pretende introduzir: o fomento à terceirização e à pejotização;  a criação das figuras do autônomo exclusivo (mitigada pela MP 808) e do empregado hipersuficiente; a prevalência do negociado sobre o legislado, inclusive, em tese, para impor prejuízos aos trabalhadores sem qualquer contrapartida e para renunciar a normas de saúde e segurança; a criação de obstáculos ao acesso ao Judiciário pelos trabalhadores, quando as estatísticas mostram que o processo judicial ordinariamente é buscado pelos desempregados; a suposta autorização incondicional da dispensa em massa; a tarifação da indenização nos casos de acidentes de trabalho, quando qualquer outro cidadão eventualmente vitimado no mesmo infortúnio não se submete a tal tarifação; a autorização do contrato de trabalho intermitente, que não garante renda mínima e nem acesso à previdência social se não houver complementação da contribuição, como ressaltado na MP 808; e a inanição dos sindicatos por meio da extinção da contribuição sindical obrigatória sem a indispensável reforma sindical, especialmente o fim da unicidade sindical.

Além disso, a reforma foi pensada com o inegável e questionável intento de podar a atuação da Justiça do Trabalho que, a despeito de ser a mais célere do país, conforme relatórios anuais do Conselho Nacional de Justiça, foi vendida injustamente como parcial e causadora de quebradeira generalizada das empresas. A Justiça do Trabalho não é parcial. O Direito em geral é um instrumento de proteção e o do Trabalho tem como pilar a proteção da parte hipossuficiente da relação trabalhista, que exige que a balança penda para o seu lado com o propósito de equilibrar a relação assimétrica de poder com o empregador, especialmente quando há empresas que se sentem no direito de não honrar direitos trabalhistas mínimos para quitá-los por meio de generosos acordos no Judiciário, pagando valores bem inferiores aos efetivamente devidos com benefícios como o parcelamento.

A menção à precarização não é pessimismo infundado. Reformas similares já foram implementadas, há alguns anos, em países europeus e latino americanos, com resultados desanimadores: a produtividade não aumentou, não foram criados novos empregos, os postos de trabalhos então existentes foram substituídos por trabalhos precários e a demanda do mercado interno permaneceu debilitada.

A promessa da criação de mais empregos certamente não se tornará realidade pela mera entrada em vigor da reforma ou da reforma da reforma, pois não são relações de trabalho mais flexíveis e econômicas que geram postos de trabalho. Uma empresa não abrirá novas vagas apenas porque está mais barato contratar e dispensar um empregado. Se não houver aumento de demanda, não há motivos para admitir novos trabalhadores. Mas como aumentará a demanda com a redução da massa salarial? Quem comprará os produtos e serviços? Somente a manutenção e o incremento da proteção normativa dos trabalhadores geram segurança e permite a retomada do crescimento.

A reforma está repleta de incoerências, contradições, inconstitucionalidades e inconvencionalidades. Se o verdadeiro debate, questionamento e formatação não foram oportunizados durante o processo legislativo, como deveria, a lei terá agora que enfrentar esse desgaste construtivo e se submeter à interpretação conforme a Constituição e as bases sólidas do sistema trabalhista, com aplicação em consonância com os fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.

A Reforma Trabalhista impôs novos desafios ao sistema de direitos sociais brasileiro e será preciso buscar nos princípios basilares do sistema justrabalhista, que não mudaram com a entrada em vigor da reforma, a capacidade de superá-los.

*Cirlene Luiza Zimmermann é procuradora no Ministério Público do Trabalho, mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e professora universitária.



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