Data: 23/11/2017
As tecnologias da comunicação e informação podem ser caracterizadas como máquinas auxiliares da produção da catástrofe social em escala planetária. O avanço das redes informacionais e as mutações produzidas com e por elas no seio do capitalismo tardio redesenha as formas de pertencimento laboral, cultural e social. Aliada ao estranhamento de sujeitos, o contexto de barbárie se associa ao grau de vigilância permitido pela expansão, em nuvens, da big data, um volume gigantesco de dados acumulados que são comercializados, sem consentimento efetivo dos usuários, para finalidades comerciais e militares (como denúncias de Snowden e Assange revelaram).
A gramática da existência e pertencimento no mundo do capitalismo em fase de cooperação complexa estabelecem um campo digital capaz de centrifugar tanto a afirmação como também a negação da ordem. O sonho de Enzensberger de uma descentralização midiática como sinônimo de emancipação perde-se quando ela não é produzida pelos sujeitos sociais, mas dadas de antemão pelos conglomerados de mídia, cujo maior poder é criar os algoritmos que regem a espinha dorsal do mundo cibernético.
Associadas ao processo de desmonte de direitos sociais e corrosão do mundo do trabalho, – advindos da reestruturação produtiva e do neoliberalismo que ascende não só como forma de governo, mas também de governamentalidade –, as novas gerações, domesticadas no formato de neossujeitos (como Dardot e Laval enumeram) consentem (de forma fabricada como Chomsky já dizia) o livre-mercado. Alguns veem esse processo – a encubação cavalar do homem-empresa – como um avanço político. Ora, trabalhar em casa é melhor que bater ponto. Eles se extasiam pela "uberização" do mundo do trabalho e ignoram a precarização intensa do empreendedor.
Com o desmonte da intelectualidade e do compromisso com a exatidão aos fatos, crescem as fake news. As bolhas da internet dão vasão a uma grande onda conservadora, além de capturarem em sua estrutura a subjetividade da diversidade de usuários, mesmo os críticos. A mídia digital é muito mais do que uma plataforma de troca de informações, ela preenche o papel dos meios de massas enquanto uma maquinaria de construção de consciências. O fascismo mora ao lado e a rede parece proporcionar o encontro daqueles que antes sentiam-se isolados.
O Brasil, desde que as ruas voltaram a clamar por mudanças em junho de 2013, tornou-se um palco, mas também versão particular tupiniquim, de uma divisão política radical entre os novos personagens que entraram em cena. Mortadelas e coxinhas, lulistas e bolsominions, fascistóides e progressistas. Os nós da rede se rearticulam em um constante movimento em que os indivíduos buscam, mais do que apreender qualquer coisa, legitimar seu ponto de vista sobre o mundo, mesmo quando ele é claramente falso ou injustificável.
Nas redes tudo acha justificativa e, se não houver alguma disponível, a mentira ganha lugar sobre as luzes. “Sabem, mas fazem”, diz Slavoj Žižek reelaborando Marx para o mundo do cinismo da era da informação. Para os que militam, a saída é enfrentar o capital nos territórios materiais e virtuais em que ele se enraíza, o que significa apostar, com o saudoso Istvan Mészáros, em uma luta organizada contra o fetiche e a espoliação, forjando, na luta, uma nova subjetividade. Para isso, precisamos ir além tanto do Estado (irremediavelmente cúmplice do poder econômico) quanto do smartphone e enfrentar o capital como sistema total de reprodução do metabolismo social. Avante.
*Rafael Bellan pós-doutor pela Universidade de São Paulo (USP), docentes do Departamento de Comunicação e professor permanente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). |