Data: 12/07/2018
Tornou-se comum no Brasil separar a dinâmica da política da dinâmica da economia. Quando muito, os que assim observam a realidade social admitem que os eventos políticos repercutem sobre os econômicos e vice-e-versa. Admitem, assim, a existência de falhas do Estado que precisam ser sanadas pela ação do mercado ou falhas do mercado que precisam ser sanadas pela ação do Estado. No mundo ideal dos que pensam a economia e a política como campos distintos da realidade social, existiria um ponto ótimo de equilíbrio entre Estado e mercado. Mas é aí que começam os problemas. Nem a economia nem a política são feitas de entes abstratos cujo agir se pauta pelo alcance do “bem comum” – seja lá o que isso queira dizer.
Como prova a realidade, o mundo e o Brasil, em particular, vem assistindo a um fenômeno que para alguns soa paradoxal: o simultâneo aumento das desigualdades sociais e do número de indivíduos abastados. Também assistimos no Brasil um golpe jurídico-parlamentar ser coroado com a aprovação pelo Congresso de medidas de contingenciamento e congelamento de gastos sociais pelo prazo de 20 anos e de contrarreformas da legislação trabalhista e da Previdência Social acompanhadas da preservação dos interesses do setor financeiro, que já arrebata cerca de 45% do orçamento público brasileiro.
Mantém-se, como parte da urdidura da gravíssima crise nacional, uma campanha midiática para levar os cidadãos a crer que o inimigo nacional número 1 é a corrupção. Os mesmos meios de comunicação, porém, calam diante da absurda transferência de riqueza líquida para os agentes do mercado financeiro. Juntos, em conluio explícito, meios de comunicação, os setores financeiro, do agronegócio e do que resta de um combalido empresariado nacional, tangem frações majoritárias do Congresso, a um cerco político ao orçamento público, dando vazão a um exercício de economia política cujo fim é privar o povo de direitos e transformar cada cidadão em, se tanto, consumidor de mercadorias.
Não é à toa que esses mesmos setores, dizendo-se defensores da democracia, também defendam, sem nenhuma vergonha, o que chamam de medidas impopulares – quando não, anti-populares. Ora, como se pode, numa democracia, admitir medidas impopulares, medidas que contrariam os interesses da maioria?!
A dificuldade de assumir tal posição se traduz num esforço hercúleo feito por articulistas, consultores e experts em afirmar que as questões econômicas são de cunho técnico e que, portanto, não devem ser tratadas nem decididas pelo povo. Nisso, se revela o elitismo enrustido na defesa abstrata da democracia. O recado é claro: a democracia é boa desde que quem mande sejam suas excelências, os beneficiários da farra financeira!
É nesse conluio, que envolve as elites econômicas, políticas, intelectuais, eclesiais e culturais do país, que reside a origem da crise. E o agravamento dela só os beneficia, pois a crise é uma fase violenta de depuração do processo de acumulação de capital. Sobrevivem os mais aptos e ajustados a todo tipo de brutalidade. Progressivamente, garantem-se as condições necessárias à alta concentração e centralização de poder político e econômico em grupos minoritários da sociedade. Enquanto esses setores não forem desafiados em seu poder, enquanto não se os enfrentar diretamente, é ingênuo imaginar que viveremos num país mais igualitário, democrático e justo.
• Marcelo Seráfico Doutor em Sociologia e professor do curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Ufam.
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