01. Sindicado é parte da estrutura do Estado burguês. Por força desse vínculo beira a contradictio o conceito de sindicato revolucionário. No limite, admite-se a existência de sujeitos históricos revolucionários no interior do sindicato. Na quadra histórica atual, já indicaria um avanço na luta a incorporação sindical da luta corporativa em defesa de sua categoria profissional. Mesmo isso rareia. A regra é o atrelamento governista. Na contramão do governismo e do atrelamento, o ANDES-SN mantem-se como ponto fora da curva ideológica ao combinar a luta corporativa, tecida de autonomia e democracia, com a opção classista contra o Estado burguês. Não é uma opção menor, haja vista que a categoria docente representada pelo ANDES-SN não é unificada nem por origem nem por posição de classe. Essa contradição, ao mesmo tempo heraclítica, hegeliana e marxiana e, por isso, dialética, longe de enfraquecer tem historicamente movido, fortalecido e orientado o ANDES-SN em sua trajetória socialmente emancipadora.
02. Seção Sindical do ANDES-SN, a ADUA, num percurso histórico de quase 40 anos, tem institucionalmente se afirmado como um sindicato autônomo, democrático, republicano, classista e intransigente na defesa da Universidade Pública, seguramente o mais importante patrimônio institucional do povo brasileiro. Para a ADUA, a defesa desse patrimônio é indissociável da defesa da justiça social e da institucionalidade democrática e republicana, fundamentos do Estado de Direito. Os avanços institucionais da sociedade brasileira, a despeito de inegáveis conquistas sociais resultantes das lutas históricas do povo, ainda não foram capazes de garantir a universalidade efetiva da democracia, materializada na isonomia de acesso às condições dignas necessárias à vida cidadã. Dizia Brecht que a justiça é o pão do povo. A distribuição do pão pode ter a marca da injustiça quando ao povo é negado o direito universal à quantidade e à qualidade dos bens distribuídos.
03. A marca institucional mais injusta e antidemocrática do Estado brasileiro é a de sua natureza oligárquica, fundada na secular, e nunca abalada, lógica de privilégios. O Brasil é ainda um Estado de poucos. Os avanços formais (como a Constituição de 1988), inegáveis e seguramente necessários, ainda estão longe de permitir grau de suficiência mínima à cidadania da vida do povo. A persistente dicotomia entre quantidade e qualidade do que é oferecido pelo Estado à maioria do povo depõe de forma imoral contra a existência do Estado Democrático de Direito.
04. A crise atual, aguda e grave no imediato do tempo e do espaço, não nasceu com o atual governo - sobre o qual, é preciso reafirmar, que a ADUA nunca escamoteou sua postura crítica à submissão consentida aos interesses oligárquicos das classes dominantes -, é uma crise de longo tempo, cuja permanência tem sido socialmente produzida por sucessivos governos, não sem a contribuição da era Lula-Dilma. A força ontológica da realidade social termina sempre, cedo ou tarde, por desfazer os artifícios lógicos do real fabricado pela propaganda. O marketing pode ser útil para ganhar eleição, mas é irremediavelmente péssimo para governar. Ademais, não pode reclamar do mau cheiro do enxofre quem deliberadamente se abraçou ao diabo. Mas se origem de classe não é destino, menos ainda posição de classe. Destino é construção. O campo da luta é o presente. Vale reafirmar o que a ADUA publicou em sua NOTA de 22 de março de 2016: É possível atacar a corrupção de governo mantendo intocado o Estado corrupto?
05. A quem serve o Estado burguês? A quem serve a crise, a crise imediata e a crise mais longa e profunda, cujas alternativas de percepção e de superação têm sido sempre obnubiladas e travadas pelo conservadorismo das soluções de superfície e de curto fôlego? Há mais de 150 anos Marx e Engels, no Manifesto, explicitavam como a burguesia controlava as instâncias do poder estatal: “o executivo do Estado moderno não é mais do que um comitê para administrar os negócios coletivos (dentre esses, a educação - acrescento) de toda a classe burguesa”. Do poder da ignorância socialmente produzida se alimenta a natureza venal do Estado brasileiro, administrado pelo rentismo e a serviço das oligarquias de sempre. Não há outro caminho que não o da política da razão crítica (práxis) para desfazer a aura de naturalidade de que se revestiu o jugo imposto ao povo brasileiro pela dívida pública? Soubesse o povo estabelecer as relações causais entre o pagamento religioso dos serviços da dívida e a miséria social que lhe subtrai vida e dignidade já teríamos um outro Brasil. É imoral, para dizer o mínimo, o silêncio (da maioria dos partidos, dos sindicatos, das Universidades, dos intelectuais...) sobre a injustiça social decorrente da dívida pública, cuja auditoria está prevista na Constituição Federal - Art. 26 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), até hoje (2016) por se cumprir.
06. O que nos cabe como intelectuais coletivos é manter a continuidade da luta nas trilhas da razão ética e da consolidação dos direitos coletivos, inclusive da natureza. Reafirmar a incontornável tarefa de criar mediações para evitar as saídas imediatistas. O papel do intelectual é sobretudo o de incomodar, sobretudo a si mesmo. Ao dormir, deve repousar a cabeça sobre o travesseiro da dúvida, não o da certeza. Falamos em defesa do estado democrático de direito. Qual? Em que patamar temos um estado democrático de direito no Brasil? Temos um Estado democrático ou oligárquico? De direito ou de privilégios? E a isonomia e a isegoria? Somos de fato todos iguais diante da lei? Têm todos o direito ao uso político da palavra? O velho estagirita, há dois milênios, já afirmava que a natureza da lei é seu alcance universal.
07. O que fazer para evitar o sono da razão, do qual procedem forças regressivas e obscurantistas? O que impedir nessa hora? Para dizer o mínimo: o estreitamento do uso público da razão, como preconizava Kant, que considerava um crime de lesa-natureza (lesa-razão) uma geração conspirar contra o sagrado direito ao esclarecimento. De Kant a Marx, sem contornar Hegel, permanece no presente de nossa opção classista a consigna de que sem a consciência da classe não haverá consciência de classe. Quando os partidos se demitem da luta em defesa da escola pública contribuem para adubar o solo apedeuta onde germina a “escola sem partido”, sem educação, sem debate, sem projeto e refratária à rica e necessária contradição de que é feito o ser social.
José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ex-presidente da ADUA. |