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  13/03/2017 - por José Seráfico



Data: 13/03/2017

Como eu, muitos dos professores aposentados da Universidade Federal do Amazonas terão ficado entre surpreendidos e decepcionados quando viram a UFAM convocar as eleições do próximo dia 22 de março. A decepção funda-se na comparação entre os procedimentos de que fôramos partícipes, nos anos 1980; a surpresa, pela institucionalização de um processo que vinha dando certo, sob a iniciativa e controle das entidades de docentes, discentes e servidores da Universidade.

Logo me veio à cabeça o clima de entusiástica participação, que engolfava parcela expressiva da comunidade, fazendo-a assumir responsabilidades e pugnar pela abertura de espaços onde possa de fato prevalecer o espírito acadêmico. E até não eram muitos os que se dedicavam integralmente às atividades universitárias. Mesmo assim, parecia haver o desejo de deixar claros os compromissos coletivos, a partir da constatação de, privilegiados por termos chegado aos bancos da escola superior, isso não nos afastava da sociedade em torno, a mesma que assegura os recursos que nos mantêm estudando.

Quando ADUA-SS, DCE e ASSUA iniciavam o processo eleitoral, era certo que a voz dos que ocupam o andar de baixo se fazia ouvir. Chegou um momento em que mesmo o andar de cima, instalado nos órgãos de deliberação mais altos da instituição universitária, não pôde mais fingir surdez. Elegemos, assim, o primeiro reitor eleito pela comunidade e acatado pela cúpula administrativa.

Derrotados em votos, sentimo-nos, eu e os demais integrantes da chapa (Nélson Fraiji, Néliton Marques, Bruce Osborne, Jucelem Ramos e Arminda Mourão), recompensados pela beleza do espetáculo. O tempo gasto na discussão dos temas, diferente do que hoje se verifica, não se limitou a oferecer mais do mesmo. O que desejávamos, todos, era marcar nossa presença na Universidade, ao mesmo tempo marcando a Universidade na luta pela emancipação dos amazônidas. Embora não fosse regionalista a perspectiva da qual apreciávamos e participávamos do quadro, nosso desejo era mostrar que neste pedaço quente e úmido do Brasil há pensamento vivo.

Mais uma eleição se aproxima, e os tempos são outros. Daí ser quase uma temeridade confessar que a tônica das ideias em debate parece encaminhar-nos para escolher entre uma coisa e a mesma coisa. Porque, salvo uma das chapas, as propostas de que tomei conhecimento dão a impressão de que a Universidade é um gueto, cuja autonomia deve ser preservada a qualquer custo. Mesmo o custo de desligamento das agruras por que passam os que asseguram, com seu trabalho e seu imposto, a manutenção e o funcionamento da academia. Uma certa forma de autonomia negativa.

A insistência em manter neutralidade de que Howard Zinn desconfiaria, tanto pode ser revelação de prudência quanto de desinteresse. Talvez a história contada pelo professor norte-americano morto em 2010 (Você não pode ser neutro num trem em movimento, uma história pessoal dos nossos tempos, Curitiba, PR, L.-do Pa, 2005), mais que uma autobiografia, é aula a que nenhum acadêmico pode estar ausente.

 Percebo certo apego às coisas tais como elas estão, na maioria das propostas apresentadas pelas chapas. É como se tudo estivesse pronto, cabendo apenas aprimorar, melhorar, expandir – ou seja, reiterar nas mesmas práticas, renunciando às críticas, tão necessária quão justificativa da existência de universidades.

Vejo enorme risco, nessa conduta, pelo que ela tem de conservadora e acomodada. Até porque, como se pode sentir no seio de boa parte da comunidade, há muito por fazer; muito do que foi feito não aproveita à construção de um espírito inquieto, desejoso de mudar a sociedade; e a impressão que se tem é a da absoluta conformidade com a realidade atual. Sintetizando: a renúncia a qualquer tipo de utopia, como se esta estivesse definitivamente morta e sonhar fosse proibido.

Discutir a Universidade, descortinar horizontes ainda não vislumbrados, explorar possibilidades – eis quanto de melhor poderá ser feito pela Universidade Federal do Amazonas. Por todas as Universidades, se merecem a maiúscula inicial, porque maiúsculas as finalidades a que se devem dedicar.

É com esse espírito que sufragarei a chapa que me parece mais preocupada com os problemas que me afligem. Lembro Zinn, presto-lhe reverência e peço aos colegas: esqueçam a neutralidade! Ela só existe para quem não tem sangue a correr-lhe nas veias.

Se tomamos a realidade como algo insubstituível e impossível de ser profundamente alterada, estaremos incidindo na neutralidade rejeitada por Howard Zinn. Mais grave, ainda, estaremos concorrendo para aprofundar os problemas que afligem toda a comunidade (e, nesse caso, não só a que se exila no interior dos muros universitários), em flagrante oposição àquilo que me parece dívida inegável para com os que financiam a escola pública. Porque é nestes que vamos encontrar, em primeiro lugar, a própria razão da Universidade. Depois, porque a manutenção do status quo dispensa maior conhecimento e qualquer esforço para pôr em funcionamento instituições que se ocupem de mostrar caminhos, estudar e propor alternativas e seguir atentas a trajetória da comunidade em que se inserem.
 
Se alguma neutralidade é nociva, mais ainda o é a que cerca a atividade da qual a sociedade tanto espera. E paga para que de lá possa resultar algo benéfico à coletividade. Esse é o espírito que me fez escolher uma chapa, na qual depositarei meu voto e minha confiança.

José Seráfico é advogado e professor titular aposentado do Departamento de Administração, da Faculdade de Estudos Sociais (FES) da Ufam.

Fonte: ADUA



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