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  18/12/2014 - por Luiz Fernando Souza Santos



Com o frisson causado pela estreia da sequencia final (primeira parte) de Jogos Vorazes, decidi finalmente conhecer esse universo e assisti aos dois primeiros filmes. Surpreendentemente, por efeito de paralaxe (que o Žižek explica bem), eles me pareceram, principalmente o primeiro, falar da arena voraz dos jogos acadêmicos.

Capital, tecnologicamente e militarmente hegemônica, submete os 12 distritos anualmente a uma batalha em que são representados por dois tributos cada um. Apenas um tributo sobrevive aos jogos. Mas essa é uma vitória de pirro. Pois como diz a personagem Haymitch, nesses jogos não pode haver vencedores, só a sensação de vitória.

O efeito ideológico esperado por Capital é o que há de central. A vitória nos jogos vorazes acentua o poder de Capital ao mesmo tempo em que tem um efeito de esperança, de saída individual, para a situação de exploração daqueles que vivem nos 12 distritos.

E isso lembra por demais a vida acadêmica. O que são os jogos postos nos processos de seleção para adentrar o ensino superior, quer seja na graduação quer seja na pós-graduação? O que significa o conjunto de batalhas que ocorrem diariamente ao longo do processo de formação nesses ambientes com provas, trabalhos acadêmicos, congressos científicos, prazos, notas, professores e estudantes (nos dois grupos alguns brilhantes, uns medianos e outros medíocres) etc.?

E as disputas ferozes entre universidades, departamentos, núcleos/grupos de pesquisa, áreas de conhecimento, ego de pesquisadores, pelos parcos recursos que Capital, digo, o governo e o setor privado, disponibilizam para o desenvolvimento científico e tecnológico?

E as subjetividades aí produzidas? Lembram bem a tributo Katniss Everdeen, que sabe que tem que unir a argúcia com a capacidade de escolher as melhores armas e técnicas para derrotar os adversários.

 

Nos jogos acadêmicos, as armas já são delimitadas nos currículos lattes. Alí está posta a métrica da produção do tributo, do pesquisador: quantos artigos, quantos congressos, quantas bancas, quantos projetos de pesquisa, quantas línguas fala, quantas revistas acadêmicas qualis, e por aí afora.

Como Everdeen nos momentos primeiros, os participantes dos jogos vorazes da academia tomam isso como natural, como irreversível, como fatalidade, pelas quais o melhor tributo passará e sobreviverá. Não levam em conta a profundidade do conselho de Haymitch: "quando estiver na arena lembre-se quem é o verdadeiro inimigo". Esse conselheiro sabe o sentido dos jogos vorazes: "ninguém nunca ganha os Jogos Vorazes, ponto final. São sobreviventes. Não tem vencedores". Haymitch sabe que pode ser diferente, que há uma revolução em curso lá fora. E que é possível destruir as marras da subjetivação até aqui produzida.

Nos jogos vorazes na academia, a continuar a lógica hoje hegemônica também não pode haver vencedores. É preciso perceber quem é o verdadeiro adversário, que se revela já no orçamento do país, que privilegia o superávit primário, o setor financeiro e industrial, e deixa o ensino superior público entregue a uma disputa feroz pelos parcos recursos que destina.

No final das contas, a tática, por exemplo, de aumentar a métrica do currículo ou as planilhas da CAPES que informam a produção de um programa de pós-graduação, são estreitas, conformistas, submissas, individualistas. Reforçam a estratégia da Capital neoliberal e não avançam para uma política de ciência e tecnologia menos autoritária e excludente.

Essa é o meu olhar em paralaxe sobre os Jogos Vorazes.

Imagem: Divulgação

* Luiz Fernando Souza Santos é professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam. Atualmente é doutorando em Sociologia na Unicamp.



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