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Imprensa apoia polícia e violência contra pobres



Um debate que relacionou mídia e violência marcou o segundo dia da 16ª edição do curso do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) – um coletivo voltado para o aperfeiçoamento da imprensa dos movimentos sindicais e populares. Por uma triste coincidência, a mesa ocorreu em 25 de novembro, quando os jornais noticiavam uma “guerra no Rio”.

Delegado da polícia e autor do livro “Acionistas do Nada”, Orlando Zaccone disse ser necessário que toda a sociedade assuma sua responsabilidade sobre a situação do país, já que toda a população naturalizou a violência. Orlando acredita que os eventos recentes evidenciam a importância do debate.

Segundo ele, que também já trabalhou como jornalista em “O Globo”, a ação policial é pautada pela mídia e a imprensa reproduz um senso comum. Para o delegado a saída é ter um olhar que duvide um pouco do que é apresentado. “Por que nada aconteceu até as eleições? Ninguém se pergunta isso. Essas questões precisam ser colocadas na sociedade”.

O delegado recordou a origem do termo “arrastão”, ainda no governo Brizola do início da década de 90, quando grupos de jovens foram acusados de praticar roubos em praias da Zona Sul. Naquela época, a mídia vinculava o episódio à ineficiência da polícia. Só que, nos dias de hoje, há “arrastões” por toda a cidade e a mídia relaciona os acontecimentos à eficiência da polícia, que teria reprimido o tráfico, por meio das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). “Se originalmente o arrastão era resultado da falta de eficiência, e hoje da eficiência, então ele nada tem a ver com política de segurança! Temos que tentar entender este fenômeno fora de política de segurança”.

Zaccone analisa que a vinculação entre violência e as favelas começa na mídia, é reforçada nas agências policiais e ganha um palco nas políticas nacionais de segurança pública. Para que o caminho de genocídio termine, a lógica violenta precisa mudar: “Na Paris de 2006, carros e ônibus foram incendiados nas ruas porque a polícia matou um garoto de uma comunidade; aqui no Brasil fazemos o contrário, nós matamos garotos porque botam fogo em carros. Essa é uma política de controle social violenta, e, infelizmente, a mídia, os órgãos policiais e o discurso político contribuem pra isso”.

Negligência judicial

Márcia Jacinto, integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, expôs sua indignação não apenas com a ação policial, mas também com a negligência da justiça. Márcia teve seu filho Hanry Silva Gomes de Siqueira assassinado por policiais militares em 2002 e precisou lutar muito para provar seus argumentos.

Segundo Márcia, foram precisos cerca de dois anos para esclarecer a situação. O delegado responsável pelo caso dizia que não havia mais tempo de fazer a perícia. Mas a própria mãe da vítima tirou fotos do lugar do óbito para garantir que tudo fosse resolvido. “Eu levei os peritos ao local do crime e ali foram achadas duas cápsulas, dois anos e nove meses depois. Tive que provar eu mesma que meu filho era inocente, já que a polícia não fez isso”.

Ela afirmou que o próprio governo “planta” na formação dos policiais a violência que eles aplicam nas favelas: “O que existe no nosso estado hoje é uma política de extermínio, a criminalização da pobreza. O inimigo é a favela, que está lá sem nenhuma proteção do governo”, observou.

O poder do capital e a liberdade de expressão

José Arbex, jornalista e professor da PUC-SP, acredita que é preciso identificar no capitalismo o verdadeiro inimigo. Seria necessário um processo de reorganização da base social, daqueles que não têm nada, para assim se obter algum avanço efetivo. “Podemos ter uma vitória aqui e ali, um torturador ser preso ou processado... Podemos ter vitórias parciais, mas serão apenas isso”.

Ele reforçou o discurso de responsabilidade social a respeito da violência: “É muito fácil identificar a violência no outro e não ver nossa responsabilidade e participação na violência. Existe todo um setor da classe média e mesmo do povo que é a favor da violência policial e que quer morte mesmo. Vamos deixar claro que a sociedade brasileira é conivente com a violência. Quando li o que Hitler cometia com judeus e ciganos, e que todo o povo disse que não sabia, eu não entendia como isso era possível. O Brasil é um dos países com o maior número de assassinatos sistemáticos do mundo. A gente ouve falar da guerra civil da Irlanda, sendo que lá, em 30 anos, três mil pessoas morreram, o que equivale a três meses normais no Brasil”.

Para o palestrante, os sindicatos possuem a obrigação de discutir o tema da violência: “Num país que tem esses índices de morte, qualquer sindicato tem que colocar o morticínio como pauta prioritária. Se houvesse resistência organizada no Brasil, a polícia não iria fazer isso, o Arnaldo Jabor não teria crédito na mídia”, afirmou.

Proposta das UPPs

O subsecretário de Direitos Humanos do estado do Rio de Janeiro, Pedro Strozenberg, fez a defesa de um projeto chamado “UPP Social”, voltado para alavancar o desenvolvimento das comunidades ditas “pacificadas”. O modelo de atuação planejado é conseguir disputar as demandas, saber escutar e dialogar. “Política pública não pode existir sem diálogo. A UPP me traz a esperança de que possamos, pela política, produzir nessas áreas um espaço de disputa diferenciado. Essa política é dialogada com a polícia, mas não é realizada pela polícia. O Estado tem que estar presente”, disse.

O grande desafio, no ponto de vista do palestrante, é trabalhar com esta polícia que possui “anos e anos” de uma formação de enfrentamento do povo. E que possam ser criados mecanismos que possibilitem às pessoas denunciar as ilegalidades cometidas pela polícia com liberdade.

Dentro do projeto de UPP Social, o Estado teria três objetivos centrais: o primeiro é contribuir para consolidar o controle territorial, com a valorização da presença da polícia nesses territórios; o segundo é promover a cidadania e o desenvolvimento social; e o terceiro, efetivar a integração plena nas áreas. “Não é a ideia de fazer ilhas onde tudo será resolvido, mas para que essas áreas possam dialogar com o conjunto da cidade”, resumiu. “Temos que garantir a moradia, o acesso à educação, os direitos humanos, e acoplar a polícia com a ação social. É um longo caminho”, completou.

Uma visão crítica

Presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), Mc Leonardo (apelido de Leonardo Pereira Mota) manifestou-se contrariamente aos modelos das UPPs. Para ele, a imposição da paz, por meio de armas, não é o melhor caminho. Leonardo afirma que é necessária uma iniciativa que garanta todos os direitos dos moradores, como a entrada do Ministério Público e a reestruturação das moradias, somados à Educação e à Saúde: “Se entrar na favela para matar marginal adiantasse, o problema já estava resolvido. O governo é imediatista e a solução para a favela não pode ser imediata. O imediatismo do Estado é deixar corpo no chão”.

Leonardo aponta a Educação como a única solução, já que todos os pobres têm muito para falar e saberiam mais se tivessem acesso à leitura: “Quando me perguntam como eu consegui que o funk fosse reconhecido como cultura eu repondo: pedi ajuda aos universitários! Literalmente. Um Programa de Aceleração do Crescimento tinha que ser a universidade federal dentro das comunidades, dentro da Rocinha, por exemplo. Isso traz crescimento, temos que combater a violência com a educação”, finalizou.

Fonte: Adufrj Seção Sindical



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