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  17/07/2020



Entrevista do ANDES-SN sobre Conjuntura internacional em tempos de pandemia com Osvaldo Coggiola



O 2º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN, Osvaldo Coggiola, é docente do Departamento de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Estuda temas como marxismo, América Latina, movimento operário, capitalismo e socialismo.

 

Nessa entrevista, ele analisa a crise do Capital que, apesar de estar em curso antes do advento da pandemia causada pelo novo coronavírus, se aproveita da situação provocada pela Covid-19 para aprofundar os ataques à classe trabalhadora.

 

Sobre saídas da atual conjuntura, ele cita a greve internacional dos trabalhadores de aplicativos como exemplo de excepcional vontade de luta, que marca o caminho e demonstra que mesmo em condições desfavoráveis é possível avançar.  

 

1 – A economia mundial revive uma nova crise do Capital de dimensões históricas, deflagrada pela pandemia da Covid-19, e a sua recuperação é dada como incerta. Quais os efeitos práticos dessa crise?

 

A pandemia entrou em erupção em condições de uma crise excepcional do sistema capitalista mundial, fortemente repercutida no Brasil. As guerras econômicas são a prova disso. Os 280 trilhões de dólares de dívidas mundiais (mais de três vezes o PIB mundial) são a prova da falência do sistema; não podem ser cancelados por décadas nem pelos lucros: 20% do capital mundial está em default. O capital e seu Estado não têm condições de retornar à situação pré-pandêmica, e busca tirar proveito da pandemia para impor uma saída que destrua as defesas dos trabalhadores. A política impulsionada pelos brutamontes imperialistas, como se sabe, acabou quase custando a vida de seu impulsionador, o britânico Boris - o próprio - Johnson, e teve de ceder lugar a medidas de distanciamento social que, adotadas tardiamente, custaram a vida de dezenas de milhares de pessoas, no que Donald Trump achou um pretexto para denunciar uma conspiração viral contra os EUA orquestrada pela China. Não há dados para justificar a passagem para o que se chama de "novo normal". Considerada mundialmente, a liberdade comercial não encontra fundamento no desenvolvimento da pandemia. Os países que alcançaram um freio na curva de contágio são poucos. Mesmo neles, China e Coreia do Sul em primeiro lugar, não está descartado um novo surto de infecções. O negacionismo viral de Trump e a sua recorrente má vontade em relação à ciência, além de suas constantes bravatas, vêm lhe custando caro e têm repercutido de modo negativo junto a uma parcela significativa da população norte-americana, com fortes chances de comprometer suas pretensões de se reeleger presidente, sem falar nas enormes mobilizações antirracistas provocadas pelo assassinato de George Floyd. Diante desse fato, Trump recorre, fomentado pelo incansável Steve Bannon, a teorias de conspiração, dizendo que a China é a grande responsável pelo “Chernobyl biológico” e que deve ser denunciada por crime premeditado. Ao invés de juntar esforços globais para enfrentar a pandemia, o governo Trump se engajou em uma guerra ideológica sem qualquer base científica.

 

2 - A capacidade de rápido contágio do novo coronavírus, somada às condições já precárias de vida e de saúde de grande parte dos trabalhadores, tem gerado um enorme e crescente número de mortos no mundo. Quais ações seriam necessárias para evitar os efeitos da pandemia? 

 

A única saída realista para evitar o desastre passou a ser impor a centralização de todos os recursos do país, com base em um plano social e econômico sob a mobilização e liderança dos trabalhadores. A "reativação da economia", que os governos proclamam como seu objetivo quando rejeitam impor quarentenas, é uma mentira; o que está para vir, como os economistas não cansam de repetir, é uma recessão enorme. O grande capital pretende converter a retirada da força de trabalho em suspensões ou demissões em massa, redução de salários, maior flexibilidade do trabalho e abolição de acordos trabalhistas. O capital quer usar a pandemia para desencadear uma guerra de classes. O capitalismo está em um impasse e numa guerra intestina, com ataques a aviões nos aeroportos, que sequestram instrumentos de saúde destinados a Estados rivais. Esse impasse se manifesta nas crescentes crises políticas: Trump e Bolsonaro contra seus governadores; Piñera (Chile) contra seus prefeitos; os Fernández, na Argentina, pressionam a indústria, os bancos e o capital internacional para desmantelar a quarentena e cancelar os contratos de trabalho. A Confederação Internacional dos Sindicatos estima em 2,5 bilhões de pessoas – mais de 60 % da força de trabalho do mundo – o número de trabalhadores informais, sujeitos a condições degradantes e precarização. Contra isso, existe uma multiplicação de lutas em defesa do distanciamento social, do emprego, dos salários, das aposentadorias, que deveriam se unificar nacional, regional e internacionalmente. A greve internacional dos trabalhadores de aplicativos é um exemplo de excepcional vontade de luta, que marca o caminho e demonstra que mesmo em condições desfavoráveis é possível avançar.

 

3 – O presidente brasileiro vem perdendo o apoio do presidente estadunidense Donald Trump. A última medida do governo norte-americano foi a de fechar fronteiras contra turistas e viajantes do Brasil, além de condenar a política de Bolsonaro sobre a pandemia. Quais fatores influenciaram esse distanciamento?

 

O roteiro do governo brasileiro correspondeu à política do imperialismo sobre o coronavírus. Donald Trump tomou alguma distância quando viu o atoleiro político em que Bolsonaro estava metido. A rejeição da quarentena para permitir a disseminação em massa do vírus foi anunciada inicialmente pelo primeiro ministro britânico Boris Johnson, como o método de melhor custo-benefício (para o capital). A fantasia de que o contágio em massa provocaria imunidade natural foi imediatamente rejeitada por todos os especialistas em saúde. Os EUA seguiram uma linha similar; sua implementação abandonou qualquer protocolo e foi imposta mediante as mentiras de Donald Trump. O resultado foi um cenário assustador, com Nova York e os EUA tomados pelo contágio. A OMS alertou que a luta contra a epidemia exigia não apenas restrição total, mas também testagem massiva para detectar o avanço do vírus. O governo brasileiro não fez uma coisa nem outra. A ocultação da situação, promovida pelo ministro da Saúde, foi funcional à política ditada por Bolsonaro. O ministro anunciou que a política de prevenção do contágio nas favelas e periferias urbanas passava... por um acordo com milicianos e traficantes. E, também, com o grande capital. O primeiro pacote econômico "anticoronavírus" autorizou as empresas a reduzir os salários e prometeu um auxílio mensal insignificante, durante três meses, para 40 milhões de trabalhadores lançados na informalidade, benefícios fiscais para as grandes empresas e compra de títulos públicos pelo Banco Central, em resposta à seca no mercado financeiro. O embate com o Legislativo acabou elevando o montante da ajuda para R$ 600, para evitar uma catástrofe social que poderia virar terremoto político. Para completar, sob o comando de Trump, Bolsonaro lançou uma provocação contra a China, que abriu uma fissura em sua base política de apoio. A pressão da burguesia do agronegócio (a China é o maior parceiro comercial do Brasil, responsável por 30% das exportações) colocou o governo em uma situação de fraqueza, no meio de uma crise política ao som dos panelaços e do aumento diário do número de casos de contágio e de mortes. A classe capitalista brasileira ficou dividida, com seu sistema político fraturado. A principal empresa de consultoria mundial para avaliação de “risco político” detectou a possibilidade de uma “crise institucional” no Brasil, acelerando uma fuga de capitais, mensurável cotidianamente.

 

4 – Protestos contra o racismo ganharam as ruas de diversos lugares do mundo com o assassinato de George Floyd, morto pela polícia dos EUA. No Brasil, o caso Floyd, junto com o assassinato do menino João Pedro, alvejado 70 vezes em uma ação policial no Rio de Janeiro, impulsionou diversos atos no país. Como você avalia esse levante com dimensão internacional? 

 

 É um levante internacional, com repercussões políticas internacionais. Um confronto histórico de classes começa em um momento de mudança na política interna dos Estados Unidos e do mundo. A questão da luta contra o racismo entra em um campo político definido: a luta contra o fascismo, contra o poder político que busca mobilizar todo o aparato estatal em uma guerra civil e até recrutar os setores intermediários prejudicados pela falência capitalista. No Brasil, o importante é que o levante antirracista questiona que a principal base internacional de Bolsonaro, Donald Trump (e outros membros da “Internacional Antiliberal”) continue a apoiá-lo (o que não está claro), ou que o próprio Trump seja destronado como consequência da rebelião popular que percorre os EUA (Black Lives Matter) em ano eleitoral. A luta contra o racismo pode suscitar uma rebelião popular no Brasil, que já não é surda (vide panelaços à repetição e mobilizações de rua contra os grupos fascistas e em defesa dos trabalhadores da saúde) e que pode fazer de sua grande desvantagem atual (a pandemia e o isolamento social) uma vantagem, ao somar para suas fileiras não só os participantes e organizações habituais nas mobilizações, mas toda a população, inclusive a desorganizada, que se vê obrigada a lutar pelo seu elementar direito à vida.

 

Fonte: ANDES-SN



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