Data: 05/06/2019
Os ataques do governo de Jair Bolsonaro (PSL) à educação, marcados sobretudo pelos cortes orçamentários que afetam o Ensino Infantil, Fundamental, Médio e Superior e pelas ameaças à autonomia universitária, uniram ex-ministros da área.
Deixando de lado diferenças políticas de governos distintos, os ex-gestores do Ministério da Educação (MEC) José Goldemberg (Fernando Collor de Mello), Murílio Hingel (Itamar Franco), Cristovam Buarque e Fernando Haddad (Luiz Inácio Lula da Silva), e Aloizio Mercadante e Renato Janine Ribeiro (Dilma Rousseff) partiram do consenso do papel da educação para o desenvolvimento do país e para a justiça social e criaram o Observatório da Educação Brasileira.
Foram convidados também os ex-ministros Tarso Genro (Lula), Cid Gomes (Dilma) e José Mendonça Bezerra Filho (Michel Temer), que não atenderam ao contato de Janine Ribeiro.
A ideia é estimular o diálogo com a comunidade acadêmica e científica, sociedade organizada, entidades representativas da educação, parlamentares e gestores, e assim contribuir para o aprimoramento das políticas para o setor.
Ou seja, avançar no fortalecimento da educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da educação técnica e profissionalizante, no esforço pela alfabetização e educação de adultos que não tiveram acesso à escola na idade própria, na avaliação em todos os seus níveis, na ampliação dos anos de escolaridade obrigatória, com o devido aumento no número de matrículas em todas as etapas da educação, na expansão da pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), com o fortalecimento da pesquisa e produção científica.
Contraponto
O que propõem os ex-ministros da Educação, que conduziram políticas para a educação pública nacional desde a redemocratização do país, em 1985, é um contraponto ao modelo escolhido por Bolsonaro.
O presidente que assumiu em janeiro e que, por pressões políticas e administrativas teve de substituir o ministro Ricardo Vélez Rodrigues no início de abril, pelo igualmente polêmico e sem traquejo Abraham Weintraub, conduz um governo sectário, que não dialoga com a sociedade e tampouco reúne nomes comprometidos com a melhoria da qualidade do ensino, tampouco com a redução das desigualdades de acesso e permanência na escola.
“O Brasil pode perder todo o século 20 de avanços na educação. Temos um século para recuperar. Queremos chamar atenção da nação, para que a educação seja alçada a política de estado e para que a sociedade se some às nossas vozes, que somem forças e tragam sua contribuição para o aperfeiçoamento das políticas”, disse o ex-ministro Fernando Haddad, destacando o compromisso do grupo com a manutenção das conquistas educacionais nesses últimos 30 anos.
Autonomia universitária
O Observatório da Educação Brasileira voltará atenções para a autonomia universitária, atualmente em risco. Mais de 90% da produção científica nacional acontece nas universidades federais e estaduais.
“A educação precisa ser concebida como questão de Estado. É uma bússola, um farol que tem de ser preservado. A pluralidade é essencial. É do debate das diferentes correntes que teóricas que a educação avança e prospera”, disse Mercadante, referindo-se à perseguição ideológica que está no centro dos ataques às universidades.
Após o encontro, em entrevista a jornalistas, Goldemberg, que também foi reitor da USP, enfatizou a importância de se garantir a autonomia financeira das universidades. O ministro lembrou que 35% de todas as pesquisas feitas em território nacional partem da USP, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Unicamp, instituições que possuem autonomia tanto financeira, como de gestão.
O professor Murilo Hingel, à frente da pasta durante a presidência de Itamar Franco, demonstrou preocupação com a sinalização da desvinculação dos gastos obrigatórios com educação feita pelo governo recentemente. “Estes recursos são absolutamente indispensáveis. Não há educação de qualidade se não houver recursos disponíveis. Não há professores eficientes se não houver professores bem remunerados”, contestou.
Já Cristovam Buarque, que presidiu a pasta no início do governo Lula, disse que não esperava tamanho retrocesso na área. “Nós estamos aqui porque sentíamos uma ameaça, mas o que está acontecendo é pior do que muitos de nós imaginávamos”, disse. Buarque classificou a política atual do governo como “ignorância, obscurantismo e privatismo misturados em um liquidificador”.
Os encontros do Observatório serão realizados periodicamente no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), que sediou nesta terça-feira (4) entrevista coletiva na qual foi anunciada a criação do observatório.
Em 8 de maio, no mesmo local, ex-ministros do Meio Ambiente se reuniram para lançar uma Carta Aberta à Sociedade, na qual se posicionam de maneira contrária às políticas do governo Bolsonaro para a área ambiental, conduzidas pelo ministro Ricardo Salles.
Confira na íntegra a nota divulgada pelos ex-ministros da Educação
Nós, ex-ministros da Educação que servimos o Brasil em diferentes governos, externamos nossa grande preocupação com as políticas para a educação adotadas na atual administração. Nas últimas décadas, construiu-se um consenso razoável sobre a educação, que se resume numa ideia: ela é a grande prioridade nacional.
Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos irreversíveis e até fatais. Uma criança que não tenha a escolaridade necessária pode nunca mais se recuperar do que perdeu. A morte de uma pessoa por falta de atendimento médico é irreparável. Por isso, educação e saúde devem ser preservadas e priorizadas, em qualquer governo.
Uma educação pública básica de qualidade forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com independência e sem imposições, suas potencialidades singulares.
A educação é, ainda, crucial para o desenvolvimento social e estratégico da economia do Brasil. A economia não avança sem a educação, que é a chave para nosso país atender às exigências da sociedade do conhecimento.
O consenso pela educação como política de Estado foi constituído por diferentes partidos, por governos nas três instâncias de poder, fundações e institutos de pesquisa, universidades e movimentos sociais ou sindicais. Em que pesem as saudáveis divergências que restaram, foi uma conquista única, que permitiu avançar no fortalecimento da educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da educação técnica e profissional, no esforço pela alfabetização e educação de adultos, na avaliação da educação em todos os seus níveis, na ampliação dos anos de escolaridade obrigatória com aumento expressivo das matrículas em todos os níveis de ensino, na expansão da pós-graduação, mestrado e doutorado e, consequentemente, na qualidade da pesquisa e produção científica realizada no Brasil.
É impressionante que, diante de um assunto como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade.
Em nenhuma área se conseguiu um acordo nacional tão forte quanto na da educação. A sociedade brasileira tomou consciência da importância dela no mundo contemporâneo.
Numa palavra, a educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça.
Concordamos todos que a educação básica pública deve ser a grande prioridade nacional, contribuindo para superar os flagelos da desigualdade social gritante, da falta de oportunidades para os mais pobres e do atraso econômico e social. Ela implica o aprimoramento da formação dos professores, do material didático, a constante atenção à Base Nacional Curricular Comum,a valorização das profissões da educação, inclusive no plano salarial, a reforma do ensino médio, o aperfeiçoamento da gestão educacional, a construção de diretrizes nacionais de carreira de professores e diretores do ensino público. Requer a constante inovação nos métodos, deslocando-se a ênfase no ensino para a aprendizagem, que deve ser o centro de todos os nossos esforços.
Exige também o empenho na educação infantil e na alfabetização na idade certa, a melhora das escolas e dos laboratórios e bibliotecas e, mais que tudo, o respeito à profissão docente, que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito.Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas.
Não menos importante é o fortalecimento da cooperação e da colaboração entre União,Estados, Municípios e o Distrito Federal e o respeito à autonomia das redes, como determinam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a própria Constituição Cidadã de 1988. Não podemos ignorar o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional, os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação, já pactuados entre a sociedade, os governos e a própria comunidade escolar. Ele decorre de iniciativas que já vinham de longe, como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993/2003), elaborado pelo MEC com apoio dos estados, dos municípios, do Distrito Federal, de entidades representativas da área educacional e que atendia a compromisso internacional assumido pelo Brasil na Conferência realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), de que o Brasil participou, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial.
Enfim, e para somar esforços em vez de dividi-los, é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema Nacional de Educação.
Ademais, a prioridade à educação básica demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que expira em 2020. Sem ele, a situação do ensino nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará desesperadora.
No tocante à expansão do ensino superior, é fundamental se assegurar o ingresso e permanência dos estudantes, especialmente dos egressos das escolas públicas e das famílias de baixa renda. O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente, impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias. A autonomia universitária é uma conquista que deve ser mantida para garantir a liberdade e qualidade na pesquisa, formação e extensão.
O Brasil dispõe, hoje, de uma lista de políticas devidamente estudadas e estruturadas, de medidas e instrumentos que permitem progredir significativamente na educação. Nada disso é ou será fácil, mas o consenso obtido e o aprimoramento das medidas clamam pela junção de esforços em prol de uma educação que se equipare, em qualidade, à dos países mais desenvolvidos.
Muito tem de ser feito, tudo pode ser aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na destruição das conquistas, no desmonte das políticas públicas implementadas e no abandono dos planos construídos pela cooperação entre os entes eleitos e a sociedade.
Vimos a público defender esta causa estratégica para as futuras gerações e propomos a formação de uma ampla frente em defesa da educação. Nós, neste momento, estamos constituindo o Observatório da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que se coloca à disposição para dialogar com a comunidade acadêmica e científica, sociedade e entidades representativas da educação, com parlamentares e gestores, sempre na perspectiva de aprimorar a qualidade da política educacional.
Assinam este documento os ex-ministros da Educação:
José Goldemberg
Murílio Hingel
Cristovam Buarque
Fernando Haddad
Aloizio Mercadante
Renato Janine Ribeiro
Fonte: Sul 21 e Brasil de Fato
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