Data: 21/03/2019
O Ministério da Educação (MEC) criou, nesta quarta-feira (20), uma comissão com três pessoas para avaliar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O grupo inclui um ex-aluno do ministro Ricardo Vélez Rodríguez e terá acesso ao ambiente de segurança máxima onde ficam as perguntas da prova para “verificar sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame”, segundo o ministério.
A comissão tem dez dias para dar um parecer e dizer quais questões ficam e quais serão retiradas do maior vestibular do País. O MEC nega que se trate de censura. Segundo a portaria publicada nesta quinta-feira (21), será feita uma “leitura transversal”, que “é uma etapa técnica de revisão de itens”. São milhares de itens, como são chamadas as questões, no banco do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). E todas elas serão analisadas pelo grupo. Não foi divulgado qual o critério para essa averiguação.
Se o grupo considerar que a questão dever ser eliminada, o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Paulo Cesar Teixeira, junto com a equipe técnica especialista em exames do órgão, ainda poderá discordar. Nesse caso, o presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, decidirá se a questão sai ou fica. Teixeira é ligado a Igreja Católica. Rodrigues foi indicação dos militares.
Comissão
Os membros da comissão são Marco Antônio Barroso Faria, ex-aluno de Vélez, que é secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior no MEC, o representante do Inep, Antônio Maurício Castanheira das Neves e um membro da sociedade civil, Gilberto Callado de Oliveira, procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, também indicado por Vélez.
Callado de Oliveira, em entrevista dada a uma revista da Igreja Católica, afirmou que há uma ação ideológica na comunidade do pensamento jurídico brasileiro. “Os motivos são vários, mas destaco a contaminação ideológica nas universidades, que vêm formando juristas e políticos com mentalidade cada vez mais liberal e esquerdizante”, afirmou.
Barroso Faria é formado em Filosofia. Teve mestrado e doutorado em Ciência da Religião orientados por Vélez na Universidade Federal de Juiz de Fora. Castanheira é psicólogo, com doutorado em Filosofia, e atualmente é diretor no Inep.
O presidente Jair Bolsonaro já criticou algumas vezes as questões do Enem e disse que ele mesmo veria a prova antes de ser feita pelos alunos. Ele não gostou de uma pergunta no último exame que falava de um dialeto usado por transexuais.
Segundo a portaria do Inep, os membros da comissão assinarão Termo de Compromisso de Confidencialidade e Sigilo sobre o que verão no ambiente seguro onde ficam as questões. Para entrar na área, que fica no prédio do Inep, é preciso passar por um scanner de corpo, deixar celulares fora e ter o nome autorizado.
Nome retirado
Um dos nomes que inicialmente havia sido pensado para a comissão era de Murilo Resende, hoje assessor no MEC. Ele chegou a ser nomeado para comandar a diretoria no Inep que faz o Enem, mas após repercussão negativa, foi retirado do órgão.
O jornal O Estado de São Paulo apurou que o Inep não queria Resende na comissão e por isso ele acabou ficando de fora. Em uma audiência pública no Ministério Público Federal, em 2016, sobre “Doutrinação Político-Partidária no Sistema de Ensino” ele afirmou que professores brasileiros são desqualificados e manipuladores, que tentam roubar o poder da família praticando a “ideologia de gênero”. Resende também não tem experiência em avaliações.
Quando ele foi indicado para o cargo no Inep, o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro defendeu a nomeação. Ele disse que os alunos não precisariam mais saber “sobre feminismo, linguagens outras que não a língua portuguesa ou História conforme a esquerda” já que o Enem estaria “sob a égide de pessoas da estirpe de Murilo Resende”.
O Enem tem 180 questões e será realizado neste ano nos dias 3 e 10 de novembro. As perguntas são elaboradas por professores de universidades federais e depois são pré-testadas para checar a eficiência na seleção de candidatos. No ano passado, teve cerca de 6 milhões de inscritos. A prova seleciona para vagas nas universidades púbicas e particulares do País.
Esclarecimentos
O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos ao Inep sobre a criação de uma comissão para fazer um pente-fino ideológico nas questões do Enem. O órgão tem cinco dias para responder.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou "extremamente vago" a chamada "leitura transversal" da portaria. A procuradora Deborah Duprat, que assina o ofício, cita ainda jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o chamado “abuso de poder” normativo.
No ofício, a Procuradoria solicita quatro esclarecimentos: as avaliações realizadas em relação ao Enem 2018 que levaram à conclusão da necessidade de adoção da etapa técnica de revisão de itens, denominada "leitura transversal"; relação de profissionais especialistas em avaliação educacional e de instituições de educação superior que participaram dessa avaliação; os critérios sugeridos nessa avaliação e descrição da qualificação técnica e profissional dos membros da comissão.
Foto: EBC
Fonte: O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo