Data: 27/11/2018
Anderson Vasconcelos e Daisy Melo
Em três anos, o número de docentes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) afastados por motivo de saúde aumentou 15,4%. Ao todo, 287 professores, entre eles docentes de carreira e até substitutos, se ausentaram das atividades de ensino, pesquisa e extensão entre 2015 e 2017. A maior ocorrência se deu em 2016, quando 119 servidores se licenciaram.
Dados obtidos com exclusividade pela reportagem da ADUA-SS junto ao Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), chamam atenção para a incidência de transtornos e problemas relacionados à saúde mental como motivo do afastamento.
Na lista de ocorrências, todas identificadas com o devido Código Internacional de Doença (CID), constam transtorno bipolar, episódios depressivos, esquizofrenia, reações ao estresse grave, transtornos ansiosos e de adaptação. No hall aparece inclusive agorafobia, um tipo de transtorno em que a pessoa acometida tem medo de lugares e situações que possam causar pânico, impotência ou constrangimento.
Para a gestora do Siass na Ufam, a assistente social Renata Pinheiro, é preciso investigar se essas doenças são decorrentes das condições de trabalho, de excesso de labor, de assédio ou da relação interpessoal. Segundo Renata, é recorrente a reclamação, sobretudo do professor que atua nos campi fora da sede, em relação a problemas de infraestrutura da universidade e o impactado disso na vida deles.
Na análise de uma das psicólogas que atuam no Siass, Amanda Tundis, as universidades federais estão passando por um “processo de adoecimento” em virtude da expansão desorganizada. “A política do Reuni [Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras] aumentou a oferta de vagas nas universidades, mas não ofereceu infraestrutura. Esse é um retrato nacional”, afirmou, acrescentando que a Ufam e o Instituto Federal do Amazonas (Ifam) são os dois órgãos cujos servidores mais demandam o Siass/Ufam, entre os onze que o Subsistema atende.
Pesquisas apontam que a falta de infraestrutura adequada é um indicador crítico laboral. Em um artigo publicado, neste ano, intitulado “Estratégias de mediação no trabalho docente: um estudo em uma universidade pública na Amazônia”, quase 60% do público docente entrevistado apontou os problemas na infraestrutura da instituição como determinantes para o adoecimento, seguidos de dificuldades nas relações socioprofissionais e a sobrecarga de trabalho.
Professora do curso de Artes Visuais da Ufam em Parintins desde 2010, Cláudia Carnevskis, 35, sabe bem o que é isso. Quando ela assumiu a coordenação do curso, em agosto de 2011, dois de cinco professores estavam afastados por motivo de saúde. As turmas foram aumentando e a quantidade de docentes não. “O problema maior pra mim era o excesso de trabalho. Com essa situação, comecei a declinar, pois não estava mais dando conta”, lembra.
A docente já estava doente e não percebia. Até que foi motivada por uma amiga professora também a buscar ajuda. “Foi um período muito turbulento: eu não conseguia mais dar conta da demanda, não conseguia dormir mais, não me alimentava direito. Fiquei dois meses afastada por orientação médica em meados de 2013”, contou. Cláudia ressaltou que a maior surpresa que teve naquele período foi o modo como foi tratada e a função que perdeu sem explicação. “Me senti deslocada e inútil. Era como se tudo o que eu tivesse feito pela instituição fosse em vão”, lamentou.
Para a Administração Superior da Ufam, uma das saídas é inverter a lógica que prioriza a perícia em detrimento da prevenção. A instituição conta com uma equipe própria para acompanhar as demandas de saúde do servidor e tem um fluxo de atendimento para vários casos, conforme o diretor do Departamento de Saúde e Qualidade de Vida (DSQV) e presidente da Comissão Executiva de implantação do acordo de Combate ao Assédio Moral da universidade, Ronaldo Vitoriano.
Ele antecipou à reportagem que a universidade está articulando parceria com um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) que tem expertise em levantamento e análise de dados para identificação das fontes do adoecimento na instituição. “Os dados levantados pelo Siass são consequência. Precisamos agora é identificar as causas e atuar mais preventivamente”, afirmou Vitoriano, em consonância com a assistente social Renata Pinheiro.
A gestora do Siass lembra que, apesar de tratar-se de uma luta recente, a Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público no Brasil (Pass) valoriza, entre seus eixos, o cuidado com o trabalhador, preocupação mais evidente do setor privado e que agora passa ser obrigação também no setor público: promoção e vigilância.
O presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), que também é docente de Medicina, professor Antonio Gonçalves, mantem a crítica quanto à abordagem do governo em relação às questões de saúde. “Ao invés de fazer uma atividade para melhorar a qualidade de vida do trabalhador e preservar a saúde, eles querem cortar o direito da pessoa ir a uma consulta médica. O governo deveria estar preocupado com a razão dos servidores se afastarem por problemas de saúde”, conclui. É preciso manter a vigilância: em relação à saúde do professor e à atuação do governo.
“A ADUA-SS será contundente na defesa da saúde do professor tanto na sede, quanto fora dela, uma vez que os campi têm suas especificidades em relação ao local e infraestrutura não apenas da Ufam, mas na infraestrutura dos municípios onde os mesmos estão localizados”, afirmou a 1ª secretária da seção sindical, professora Ana Cristina Martins.
Dificuldade de concessão de licença médica para servidor persiste nos campi fora da sede
As condições de trabalho precárias na Ufam, principalmente fora da sede, suscitaram uma grande greve em 2012. Entre os problemas estava a concessão de licença médica. A prova de que pouco mudou de lá para cá é a abertura de um inquérito civil no Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) para apurar irregularidades em relação ao descumprimento de licença para tratamento de saúde de servidores.
A determinação foi publicada no dia 13 de agosto no Diário Oficial. A abertura do inquérito ocorreu com a denúncia de que “a Ufam estaria exigindo o deslocamento à capital dos servidores lotados no interior do Estado para que se submetessem à perícia médica, no bojo de procedimento para concessão de licença médica”, conforme o MPF/AM.
A ADUA-SS ressalta que os campi fora da sede foram criados sem o aparato necessário, deixando o servidor sob condições precárias e sujeito a diversas formas de assédio moral, o que enseja o adoecimento dos docentes, que não têm a assistência médica estabelecida em lei, e, por esse motivo, são forçados a se deslocar para a capital, com recursos próprios, para se submeter a avaliação de junta médica pericial.
A assessoria jurídica da Seção Sindical destaca o parágrafo 1º do artigo 230, da Lei nº 8.112/90: “nas hipóteses previstas nesta Lei em que seja exigida perícia, avaliação ou inspeção médica, na ausência de médico ou junta médica oficial, para a sua realização o órgão ou entidade celebrará, preferencialmente, convênio com unidades de atendimento do sistema público de saúde, entidades sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública, ou com o INSS”.
O MPF indicou o artigo 6º do decreto nº 7.003/2009 para justificar o inquérito. O artigo diz que “inexistindo perito oficial, unidade de saúde do órgão ou entidade no local onde tenha exercício o servidor, o órgão ou entidade do servidor celebrará acordo de cooperação com outro órgão ou entidade da administração federal, ou firmará convênio com unidade de atendimento do sistema público de saúde ou com entidade da área de saúde, sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública”.
O MPF solicitou uma posição da Ufam. Conforme o órgão, “a universidade informou que firmou termo de cooperação com as prefeituras de Coari e Itacoatiara e que restam alguns ajustes para que o mesmo ocorra em relação às prefeituras de Humaitá, Benjamin Constant e Parintins”. Em Coari, a licença foi ofertada no local dez anos após a criação do Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) e 13 anos depois no caso do Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (ICET), em Itacoatiara. “Antes de 2016 era uma dificuldade, por causa de um dia [de licença], a pessoa tinha que se deslocar para Manaus para passar por perícia, era terrível”, contou a professora do ISB, Priscila Mendes.
Com 10 anos de serviço público ICET, a técnica Marilena Silva foi uma das servidoras que teve problema. Quando precisou acompanhar a filha em uma cirurgia, no início de 2017, a servidora recebeu três dias de falta após ter atestado recusado pela Ufam e foi orientada a repor as horas. “Protestei, porque eu estava cumprindo a minha parte de apresentar o atestado e a universidade não estava cumprindo a dela de fazer valer o que estava no decreto. Me informei com um advogado que disse que se eu tivesse feito a reposição, seria enriquecimento ilícito da União”, relatou.
A servidora contou que a convocação para a perícia era feita por telefone, sem documentação, e que só depois a ser feita por e-mail. “Das vezes que recebi documento do Siass foi através de protesto, foi preciso me expor. Não foi só o fato de não haver perícia, isso gerou problemas estressantes”. Em outro caso, a técnica teve problema ao solicitar dispensa quando os filhos adoeceram e se negou a ir a Manaus para a perícia em razão dos gastos com passagem, hospedagem e alimentação. “Ia ser muito dispendioso, só regularizaram aqui por conta dessas pressões”.
Fonte: ADUA-SS