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Brasileiros lutam há 54 anos por verdade, justiça e reparação



Data: 05/04/2018

Há 54 anos, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, um golpe militar destituía o então presidente João Goulart e implantava a ditadura empresarial-militar no Brasil (1964-1985) que resultou em milhares de vítimas em todo o país junto com a implementação de uma política econômica de industrialização e arrocho salarial em benefício dos grandes monopólios.

Ao menos 50 mil pessoas foram, de alguma forma, afetadas e tiveram direitos violados pela repressão durante a ditadura empresarial-militar, segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado no final de 2014. O número inclui presos, exilados, torturados, mas também familiares que perderam algum parente nas ações durante o período de 1964 a 1985, além de pessoas que sofreram algum tipo de perseguição.

Os chamados “anos de chumbo” deixaram marcas profundas no cotidiano da sociedade brasileira e se tornaram um divisor de águas na história do Brasil e da América Latina. Ana Maria Estevão, 1ª vice-presidente da Regional São Paulo e coordenadora da Comissão da Verdade do ANDES-SN, afirmou que a ausência de liberdade, a censura e a violência sofridas estão presentes até hoje em nossa sociedade, e os seus efeitos podem ser percebidos em toda a institucionalidade nacional, passando pelas universidades, e ainda pela crescente criminalização dos movimentos sociais, sindicais, populares e estudantis, com ações repressoras do braço armado do Estado.

“A ditadura empresarial-militar fez milhares de vítimas em todo o país, principalmente, aqueles que contestavam o sistema, entre eles, docentes, técnicos, estudantes, e engajados políticos. Alguns mecanismos de repressão utilizados à época pela ditadura continuam presentes e com essa polarização instalada na sociedade brasileira e toda essa campanha de ódio contra a esquerda traz de volta as piores memórias, como os casos recentes de assassinatos da vereadora Marielle Franco e dos jovens em Maricá, ambos no Rio de Janeiro. A não punição dos culpados demonstra, claramente, que ainda temos mecanismos de repressão e violência Estatal presentes”, disse Ana Maria Estevão, 1ª vice-presidente da Regional São Paulo e coordenadora da Comissão da Verdade do ANDES-SN.

Apoio de empresas e da mídia hegemônica

O golpe militar só aconteceu e se manteve por 21 anos, porque teve o apoio de grandes empresas e da mídia hegemônica. Mais de 50 empresas financiaram e apoiaram a ditadura empresarial-militar no país. Entre elas, grandes marcas, como Souza Cruz, Ultra, Mercedes-Benz, Volkswagen, Itaú, Usiminas, Eternit, Odebrecht, Banespa, Petrobrás etc.

Ana Maria explicou que além de financiar o golpe militar, as empresas, em muitos casos, monitoravam funcionários, repassando informações e fazendo denúncias ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “As empresas, inclusive as que atuam na grande mídia, tiveram grande contribuição durante a ditadura do no país, não apenas estrutural, mas no sentido de perseguir, denunciar e prender os trabalhadores que se manifestavam contra a ditadura, inclusive colocando policiais dentro das fábricas. Elas bancaram a repressão”, disse a coordenadora da Comissão da Verdade do Sindicato.  

Por parte da chamada “grande mídia”, os editoriais dos jornais burgueses clamaram pelo golpe e apoiaram a instalação da ditadura militar e a sua violência contra aqueles que contestavam a ditadura. O jornal O Globo - ao lado de grandes jornais, como O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e o Correio da Manhã -, foi um dos que apoiou a intervenção militar no país. Em seu editorial no dia 1º de abril de 1964, O Globo publicou: “Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições”, dizia um trecho do editorial.

Terrorismo de Estado e crimes de lesa humanidade

No final de 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregou à ex-presidente da República, Dilma Rousseff, o relatório final sobre crimes e violações de direitos humanos que ocorreram no período entre 1946 a 1988, principalmente os ocorridos na ditadura civil-militar (1964-1985). O documento, dividido em três volumes, tem mais de 3,3 mil páginas, e conta com 1.120 depoimentos, investigações em milhares de documentos no Arquivo Nacional e em arquivos estaduais. Foram constatadas 434 vítimas, entre mortos e desaparecidos, além dos inúmeros outros crimes documentados.

O documento recomenda a responsabilização de mais de 300 agentes responsáveis pelas violações, entre eles, os cinco generais que foram presidentes da República durante a ditadura. Entre os métodos e práticas nas graves violações de direitos humanos e suas vítimas, além de detenção ou prisões ilegais, o relatório apontou violência sexual, tortura, execução sumária, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver.

Nenhum desses agentes até hoje foi condenado pela Justiça brasileira. O comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-Codi), durante a ditadura, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu em 2015 sem ser condenado nas acusações de crimes.  O coronel somava seis denúncias pelo Ministério Público Federal (MPF) por mortes e torturas cometidas quando comandou o principal centro de repressão do regime, o DOI-Codi, em São Paulo, entre 1970 e 1974.

“Enquanto a sociedade não se organizar para cobrar a punição tanto dos torturadores da época da ditadura, os criminosos de hoje continuarão achando que poderão cometer crimes e ficar impunes. E eles se sentem fortalecidos com a impunidade. Precisamos nos organizar para exigir punição desde os crimes de 1964 até os dias atuais”, ressaltou Ana Maria. 

Repressão nas universidades

As universidades não foram isentadas de tamanha truculência. Honestino Guimarães, estudante e presidente da agremiação estudantil na Universidade de Brasília (UnB) e o jornalista Vladimir Herzog, professor da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo (USP) foram mortos sob custódia do Estado brasileiro. Casos de advertências, expulsões e até invasões também ocorreram nas universidades, como na Universidade de Brasília (UnB) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Em entrevista ao jornal Informandes, de janeiro de 2016, o professor Sadi Dal Rosso, contou que muitos professores foram perseguidos nas universidades. “Não foram poucos os professores e professoras que foram demitidos das universidades Federal do Rio Grande do Sul, de São Paulo e na de Brasília, entre outros. Duas centenas de professores demitiram-se da Universidade de Brasília após sua invasão pelas forças combinadas da polícia e do Exército, em 1965. E não faltaram os docentes que foram submetidos a inquéritos policiais militares, conhecidos pela intimidante sigla de IPMs [Inquéritos Policiais Militares], sendo o caso mais conhecido o do professor Florestan Fernandes da Sociologia da USP”, relembrou Sadi.

Em 2013, durante o 32º Congresso do ANDES-SN, os docentes aprovaram a criação da Comissão da Verdade do Sindicato Nacional para investigar fatos ocorridos durante a ditadura militar contra docentes universitários entre os anos de 1964 a 1985. A conclusão da comissão foi lançada no Caderno 27 "Luta por Justiça e Resgate da Memória" com os relatos dos debates realizados em seminários no ano de 2015 pela comissão da verdade em diversos pontos do país. Os relatos mostram graves violações de direitos humanos, que atingiram duramente docentes, funcionários e alunos.

Seminário da Comissão da Verdade

Nos próximos dias 26 e 27 de abril ocorrerá o Seminário da Comissão da Verdade do ANDES-SN na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, com o tema “Continuidades da ditadura na universidade e sociedade”. “Queremos atualizar o debate sobre o que se mantém na universidade e na sociedade desse período. A violência de Estado, por exemplo, mudou de foco. Já não é mais sobre presos políticos e sim sobre os pretos e pobres da periferia”, disse Ana Maria Estevão, que reforçou a importância de não apenas os docentes, como do restante da comunidade acadêmica participar do seminário.

Fonte: ANDES-SN



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