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Campus da Ufam em São Gabriel da Cachoeira levanta questionamentos



Data: 12/03/2018

"Os indicativos são claros de que há forças políticas e empresariais locais interessadas em invadir e ocupar as terras indígenas para a mineração". A avaliação é do antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lino João de Oliveira Neves, sobre o interesse da Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio Negro) em fomentar a instalação do Campus da Ufam no município. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) também se manifestou a respeito do caso e criticou a falta de transparência no processo. Apesar das constatações negativas, a Ufam lançou, no dia 30 de janeiro deste ano, a pedra fundamental do Campus.

Devido a inexistência de um processo de consulta e discussão prévia com as comunidades indígenas, Lino João recusou o convite da Pró-Reitoria de Extensão (Proext) para participar de uma audiência pública sobre o tema, no fim de 2017. "Da forma como a proposta foi conduzida, o evento realizado pela Proext e Prefeitura não pode ser considerado uma "audiência pública", e só vem acirrar o fracionamento entre os indígenas no Alto Rio Negro", afirma o antropólogo que há 35 anos estuda as questões da Amazônia e desde 1999 frequenta São Gabriel da Cachoeira. No local, a Ufam desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão por quase três décadas, sedimentando uma proposta pedagógica focada basicamente na formação de professores indígenas.

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Uma das principais questões suscitadas é: quais os reais interesses do projeto num momento em que o governo federal impõe severos cortes aos recursos das universidades públicas e em que essas instituições, inclusive a Ufam, enfrentam problemas para concretizar suas atividades? Para o antropólogo, a análise dos cursos anunciados pela universidade, a serem oferecidos na futura unidade acadêmica (Enfermagem, Engenharia Florestal, Engenharia Civil, Antropologia, Agronomia e Economia), demonstra a duvidosa intenção do projeto. “O conjunto desses cursos indica a ênfase desenvolvimentista desse Campus, que, ao contrário, deveria estar voltado para a valorização e fortalecimento cultural dos povos indígenas da região”, afirma Lino João.

Esse também é o entendimento da Foirn. Em entrevista ao Instituto Socioambiental, o presidente da Federação, Marivelton Barroso Baré, afirma que a programação da Ufam na localidade não passou de um “seminário empresarial com intuito de fomentar a mineração em Terras Indígenas sem que haja a devida consulta aos povos da região”. Em nota, a Foirn acrescenta que o processo conduzido pela atual Reitoria “exclui por completo a já existente proposta de criação do Campus Universitário discutida há anos, pela própria Ufam, com a participação de professores, estudantes, diretores de escolas, lideranças indígenas (...)”.

Sobre essa questão, a Ufam alegou, por meio do pró-reitor de Extensão, Ricardo Bessa Freire, que está apenas cumprindo a Resolução nº 22 aprovada no Conselho Universitário (Consuni) pelo então reitor, Nelson Fraiji (1993/1997). A instituição nega que há relação entre a instalação do campus e a mineração, mas deixa explícito que a forma de “explorar” a região pode ser mudada. “Nenhuma (relação), porque não cabe à Ufam interferir nas tomadas de decisão sobre o assunto. Os indígenas é quem têm ingerência em como devem ser exploradas essas terras”, afirma.

Freire evidencia, ainda, a relação entre a Ufam e a Prefeitura de São Gabriel, que inclusive doou o terreno para construção do Campus no município. “Há alguns meses, fomos procurados pelo Prefeito que nos clamou, a nós (Ufam) e a Câmara Municipal daquele município, a trabalhar ações em prol da cidade e de seus cidadãos”. O pró-reitor também não deixa claro a fonte de recursos para instalação do Campus. “Estamos vendo a melhor forma de viabilizar recursos. A Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira já doou o terreno, o que nos demandaria montante apenas para construção da estrutura física do empreendimento”, afirma Freire.

Considerando as declarações dadas pela Universidade, o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e 2º vice-presidente da ADUA, Welton Oda, afirma que “comparando aquilo que foi dito pelos representantes da Ufam e da Foirn, a fala dos indígenas expressa de forma mais fidedigna, tanto o conteúdo do evento quanto o projeto político do atual prefeito do município”.

Potencial minerário

Segundo o geólogo e gerente de Relações Institucionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Renê Luzardo, o interesse minerário na localidade se justifica. “São Gabriel da Cachoeira é um dos melhores alvos. Há um potencial elevado na região, sobretudo porque ela é um desconhecido geológico. A densidade de informações é bem pequena para fazer uma geologia prospectiva, mas a gente sabe que ali há gemas como água marinha, tantalita, nióbio, variedades de berilo e outros minerais estratégicos”, disse.

Contudo, como alertou o Ministério Público Federal (MPF) através da Procuradoria da República no Estado do Amazonas – 5º Ofício, por meio do Ofício nº 578/2017, de 27 de novembro de 2017, encaminhado à Reitoria da Ufam, a mineração em Terras Indígenas é proibida no Brasil, e, portanto, a universidade incorre em ilegalidade ao promover atividades – seja a realização da chamada audiência pública, seja a implementação de futuros cursos que estimulem a mineração e/ou garimpagem na região.

A produção e disseminação do conhecimento também é interesse da Ufam. Mas, para Lino João, a presença da instituição naquela localidade só terá sentido se estiver pautada numa proposta pedagógica que privilegie a interculturalidade, isto é, um Campus capaz de se aproximar dos conhecimentos e saberes indígenas e respeitar as 23 etnias que lá vivem e constituem a maioria da população no Alto Rio Negro.

Foto: Aeronáutica/Divulgação

Fonte: ADUA



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