Data: 30/11/2017
Nesta entrevista concedida ao Jornal da ADUA, a professora da Ufam, Arminda Mourão, discorre sobre a importância da multicampia no sentido de facilitar o acesso de estudantes do interior do Amazonas ao Ensino Superior e os desafios que esse modelo, implantado com “calote”, tem pela frente.
A multicampia esteve entre os pontos priorizados durante sua campanha para a reitoria, demonstrando ser este um tema importante no processo de elaboração de um plano de gestão para a Ufam. Quais as principais demandas da comunidade universitária em relação a expansão da Ufam?
Devemos destacar a importância da expansão da Universidade Federal do Amazonas para os polos. O ponto mais positivo da multicampia foi permitir que os nossos jovens pudessem ingressar na universidade pública nesses polos. Essa expansão inegavelmente foi uma conquista, principalmente, num momento onde tudo está sendo privatizado, onde as universidades públicas estavam sofrendo um ataque muito grande no que se refere ao ente institucional, tachando que a universidade não respondia às demandas da sociedade. Então, a expansão vem num momento bastante conturbado, mas foi um ganho. Agora, esse ganho se torna um problema para quem está vivendo a multicampia e para quem administra a universidade, porque mesmo tendo um Plano Diretor da Universidade que contemple a multicampia e a possibilidade de expansão desses campi no interior do Estado, os recursos para a manutenção dessas unidades são escassos e a falta de autonomia universitária impede o desenvolvimento dos campi. Este é o primeiro problema detectado. O fato dessas unidades não terem autonomia acaba fazendo com que elas dependam de forma integral de Manaus. É fundamental, e essa é uma reivindicação de todos os polos, que haja uma descentralização do poder administrativo, inclusive com a questão de pessoal, e a descentralização financeira para que eles tenham autonomia para movimentar a política universitária referente aqueles espaços.
Outra questão detectada é que o projeto teve um “calote”. A implementação da expansão dos campi tinha o aspecto físico, os prédios, mas também o aspecto de pessoal, previsto dentro de um cronograma que estava no projeto. No entanto, demoraram demais os trabalhos relacionados às instalações, assim como muitos professores e técnico-administrativos não foram contratados para aquele processo. Há um déficit de profissionais nesses municípios, déficit esse que vem desde o projeto, porque, ao ser implementado, o mesmo previa a contratação e quando veio para a prática as contratações não foram estabelecidas. Por isso, eu digo que houve um “calote” inicial. A universidade apostou que viriam recursos e contratações de professores e técnico-administrativos e não vieram.
A falta de autonomia universitária nos campi impacta negativamente de que forma a comunidade acadêmica nessas unidades?
Como nos campi eles não têm autonomia e dependem da reitoria para tudo, os processos atrasam. Uma outra questão que nós detectamos é que os municípios não apresentam infraestrutura necessária. Há problemas seríssimos de internet, num momento em que tudo é online. Até para lançar uma nota os professores têm problemas. Para pedir um material, os administrativos, que trabalham com isso nesses locais, têm problemas devido à lentidão que não é só do campus, mas da cidade também. Seria necessário haver uma articulação entre o governo do Estado, as prefeituras locais e a universidade para melhorar esse atendimento porque não dá mais para haver esse isolamento, num momento em que a internet faz parte de todos os processos. Se a pessoa vai apresentar um trabalho num congresso, ela tem que começar a enviar o material com muita antecedência para tentar concretizar aquela intenção e, às vezes, nem concretiza em razão da lentidão que é um problema seríssimo e que interfere no trabalho tanto dos docentes quanto dos técnico-administrativos. Outro exemplo é o afastamento por questão de saúde. Se as pessoas que trabalham num dos cinco campi precisam fazer um check-up médico, elas têm que vir para Manaus porque lá não tem ultrassonografia e eu me refiro a todos os campi. Parintins, de vez em quando, recebe a visita da carreta da saúde. Quem está em Humaitá tem como ir até Porto Velho [RO], mas as demais unidades dependem de Manaus. E disso decorre outro problema, que o servidor deixe para ir ao médico quando estiver de férias. Só que férias são os momentos de tirar todos os problemas da cabeça e se oxigenar para retornar ao trabalho.
Na sua opinião, a Ufam tem dificuldade de fixar professores em Parintins, Itacoatiara, Benjamin Constant, Humaitá e Coari?
Sim. É muito difícil. O professor, às vezes, pede transferência para Manaus ou faz concurso para outra universidade de modo que a gente acaba perdendo todo o trabalho de formar profissionais para se fixarem na região. Benjamin Constant, por exemplo, quando iniciou tinha não sei quantos doutores e eles foram saindo devido a um outro problema que é a própria estrutura de trabalho nos campi. Os doutores foram saindo procurando outras alternativas por se sentirem isolados onde estavam trabalhando. A universidade tem de propiciar uma conexão. Os professores têm que ter oportunidade de sair e ir para outros campi para que seja possível produzir coletivamente. Veja bem, vem um profissional do Sudeste acostumado com toda uma estrutura e vai para um município onde não tem a mesma estrutura. É difícil para esse profissional se adaptar lá, ao passo que se a gente conseguir implementar uma estrutura, pelo menos, básica para o professor ou o técnico-administrativo desenvolver o seu trabalho, esse intercâmbio e a formação de doutores da região será muito mais fácil, garantindo a fixação. Eu tive, por exemplo, dois orientandos de doutorado em Parintins. Um deles tem plena certeza de que continuará no município, o outro não. Por que? É outra cultura e nós precisamos de doutores que se fixem na região e a entendam. Agora, não vamos ter a ilusão de que seremos nós que desenvolveremos os municípios. A questão do desenvolvimento perpassa por uma política econômica que priorize o desenvolvimento da região. É preciso que se potencialize esses campi, se dê estrutura de trabalho para esses professores e técnico-administrativos e que se crie certo mecanismo de pressão, embora a gente saiba que o desenvolvimento capitalista é desigual e combinado e nós temos determinadas situações na Amazônia em função dessa lógica do grupo.
Sabemos que cada município tem sua economia baseada em determinado setor. Os cursos ofertados pela Ufam, hoje, nos campi atendem à demanda das cidades que os sediam?
O mais interessante é que tiveram audiências públicas com a população, as lideranças, a universidade, a Câmara de Vereadores para buscar as demandas. Isso a gente não pode negar. Tenho dez orientandos dos Institutos Federais e a gente verifica que nem sempre os cursos implementados foram os demandados, até porque tem alguns cursos que são mais caros do que os outros. Inclusive, fico muito preocupada com a Medicina em Coari. Como vai ser desenvolvido o curso de Medicina em Coari? A Medicina, aqui em Manaus, já tem alguns problemas em função inclusive da questão salarial. Qual é o médico que vai ficar na universidade trabalhando 20 horas e ganhando R$ 4 mil? Não vai ficar. E o que está acontecendo é que há uma ausência à medida que as pessoas vão se aposentando, deixando brechas no curso. Ora, Manaus está com esse problema e, inclusive, tem muitos professores que se aposentaram e continuam como professores voluntários. Como vai formar médicos lá e professores com essa carência de docentes na universidade? Estive em Coari e uma parte dos estudantes não era da região, estão completamente inadaptados à região, um problema seríssimo para a universidade. Embora fosse um curso bem-vindo, a própria estrutura que o Ministério da Educação [MEC] dá para as universidades não permite o desenvolvimento desses cursos. E aí tem algumas questões que a gente precisa avaliar e não é essa avaliação que o MEC coloca e que eu questiono muito, assim como toda a avaliação produtivista que é implementada para todas as instituições educacionais não só para as de nível superior. Isso requer uma discussão. Infelizmente querem colocar todo mundo num determinado patamar, mas não querem dar condições para que atinjamos o mesmo patamar. Não dá para ter avaliação de um lado e financiamento de outro. Avaliação e financiamento têm de vir juntos.
Num momento em que o governo deixa claro que a Educação não é uma prioridade na política governamental é possível implementar mudanças em unidades multicampi sem recursos?
Eu acredito que para mantermos a universidade e, não só a multicampia, nós precisamos lutar muito. E nós temos que difundir a ideia de que a qualidade educacional perpassa por muita resistência, porque foi difundida uma ideia da qualidade individual ou de grupos de excelência. Eu já podia ter me aposentado. Tenho 37 anos só de universidade e 44 de serviço geral e continuo na universidade no entendimento dessa luta pelo público. A universidade e a sua direção tem de se engajar nessa luta porque não adianta ir para o MEC de ‘pires na mão’ , não adianta receber de cima para baixo as diretivas do MEC. Nós temos até que receber e cumprir porque se não nós estaríamos fora da estrutura, mas é preciso ter posicionamento a respeito de determinadas situações e posicionamento político em defesa da universidade pública. A luta agora é para a manutenção e o maior desenvolvimento da multicampia através de uma política de manutenção desses estudantes. Presenciei nos municípios uma dificuldade muito grande de alunos do próprio município e de cidades do polo se manterem na universidade devido a coisas simples como o custo elevado da travessia entre Tabatinga e Benjamin Constant. A universidade teria de manter um transporte para esses alunos como mantemos em Manaus o Integração (linha de ônibus fornecida). A universidade tem que articular com a comunidade determinados processos de manutenção dos alunos.
Fonte: ADUA
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